sexta-feira, 6 de junho de 2025

O psicodrama fiscal - Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

O governo Lula é o favorito para herdar o caos financeiro que não pode superar num período de campanha. Isso liquida qualquer esperança de programas de longo prazo

Toda esta discussão sobre o IOF serve para nos educar sobre o universo fiscal, saber que existem impostos regulatórios, por exemplo. A reação instantânea ao aumento do imposto revelou, mais uma vez, a sensibilidade social sobre o tema, demonstrando que há pouco espaço para avançar nesta direção.

O mais interessante, para quem não é especialista, é examinar este permanente psicodrama do governo e do Congresso, uma vez que os gastos da máquina sempre crescem e há limites visíveis na paciência popular.

Na hora de olhar para dentro e buscar outros caminhos é que o drama se instala. O presidente da Câmara, Hugo Motta, rejeita o aumento de IOF, mas reconhece a necessidade de mais grana para alimentar o gigante. A partir daí, ele desencadeia o que chamo de ladainha do precisamos: precisamos fazer algo estrutural, precisamos cortar supersalários, precisamos reduzir os incentivos fiscais, precisamos até de uma comissão para pensar a reforma administrativa.

Tudo bem, precisamos de tudo isso, há muito tempo. Se não temos clareza da razão pela qual nada aconteceu, um debate mais ou menos sério poderia começar daí.

O caso dos supersalários é típico. Ele atinge todos os Poderes e no Judiciário é ainda mais difundido.

Supersalários são aqueles acima do teto legal. A alta burocracia brasileira vive uma ilegalidade salarial faz tempo. Por que isso não se resolve e todos passam a ganhar o máximo estipulado, equivalente ao salário de um ministro do STF? Isso não ocorre não só porque alguns dos que votam recebem supersalário e não querem perder o privilégio. Há intercomunicação entre as burocracias do Estado e um poder de pressão muito grande. Resultado: isso nunca andou, por que andaria agora?

Da mesma forma, temos as isenções fiscais. Em 2023, chegaram a pouco mais de R$ 500 bilhões. Todo mundo fala delas.

Quando a situação aperta, os políticos mencionam a isenção fiscal como alguns personagens romanescos se referem à herança de um tio rico. A qualquer momento, pode morrer para nos salvar. Mas isso não acontece nunca.

Resta a reforma administrativa. Desde meus primeiros mandatos, discuti o tema de várias formas. Era evidente que a revolução digital colocava diante de nós instrumentos para uma administração mais eficaz e barata. Foram inúmeros os debates sobre viagens tornadas supérfluas pelo avanço nas telecomunicações. Deixei o Congresso em 2010 supondo que o avanço vertiginoso da tecnologia acabaria resolvendo esse pequeno problema. No entanto, vejo que em 2023 elas atingiram mais de R$ 2 bilhões, depois de tudo o que aprendemos durante a pandemia.

Viaja-se muito, descobri na época, porque as viagens representam pagamento de diárias e fortalecem o salário dos funcionários.

Além disso, sobretudo neste terceiro mandato, o presidente viaja muito. Mais do que qualquer outro líder mundial. Ele o faz porque considera que tem um papel importante a cumprir. Mas por que só ele? Ele acha que Deus permitiu a seca porque ele seria eleito presidente e salvaria o Nordeste.

Pensa, também, que pode intervir eficazmente onde todos falharam, sobretudo na guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Não seria o momento de avaliar o custo-benefício dessas grandes caravanas brasileiras cruzando o mundo?

Enquanto os empresários estavam na China, apareceu a gripe aviária no Brasil, um problema real que precisava de troca de informações para que os chineses não cancelassem todas as suas compras. Isso não chegou lá porque seriam nuvens escuras para uma caravana destinada ao céu azul.

É muito difícil mudar tudo isso. O Distrito Federal tem a maior renda per capita do Brasil, 66% acima da média nacional. O que se produz lá, além de leis, regulamentos e portarias?

Só uma profunda mudança cultural, apoiada nas possibilidades digitais e nos avanços da inteligência artificial, poderá fazer do Estado uma ferramenta adequada para as necessidades do Brasil.

Esperar que isso ocorra por iniciativa da burocracia, e não por impulso da sociedade, é esperar em vão. Sobretudo porque, além de todos os subterfúgios para escapar da racionalidade, eles têm um delicioso brinquedo de esconde-esconde. Cada um, isoladamente, diz: só aceito cortes se todos os Poderes o fizerem.

Como não se consegue essa proeza, prevalece o cômodo argumento de que o problema é outro.

Mas, como os limites estão sendo alcançados, é possível que alguma saída, ainda que parcial e precária, seja encontrada. Toda essa discussão, no entanto, se dá num momento especial: a chegada de novas eleições.

Dificilmente, num contexto eleitoral, os gastos vão baixar, sobretudo os que estão diretamente pensados para garantir votos. O problema pode explodir em 2027. Essa é a grande contradição.

O governo Lula é o favorito para herdar o caos financeiro que não pode superar num período de campanha. Isso liquida qualquer esperança de programas de longo prazo. O País tropeça nos problemas cotidianos e tem pouquíssima margem para vislumbrar alguns metros adiante do nariz. Somos escravos do improviso.

 

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