O Estado de S. Paulo
O governo Lula é o favorito para herdar o
caos financeiro que não pode superar num período de campanha. Isso liquida
qualquer esperança de programas de longo prazo
Toda esta discussão sobre o IOF serve para
nos educar sobre o universo fiscal, saber que existem impostos regulatórios,
por exemplo. A reação instantânea ao aumento do imposto revelou, mais uma vez,
a sensibilidade social sobre o tema, demonstrando que há pouco espaço para
avançar nesta direção.
O mais interessante, para quem não é especialista, é examinar este permanente psicodrama do governo e do Congresso, uma vez que os gastos da máquina sempre crescem e há limites visíveis na paciência popular.
Na hora de olhar para dentro e buscar outros
caminhos é que o drama se instala. O presidente da Câmara, Hugo Motta, rejeita
o aumento de IOF, mas reconhece a necessidade de mais grana para alimentar o
gigante. A partir daí, ele desencadeia o que chamo de ladainha do precisamos:
precisamos fazer algo estrutural, precisamos cortar supersalários, precisamos
reduzir os incentivos fiscais, precisamos até de uma comissão para pensar a
reforma administrativa.
Tudo bem, precisamos de tudo isso, há muito
tempo. Se não temos clareza da razão pela qual nada aconteceu, um debate mais
ou menos sério poderia começar daí.
O caso dos supersalários é típico. Ele atinge
todos os Poderes e no Judiciário é ainda mais difundido.
Supersalários são aqueles acima do teto
legal. A alta burocracia brasileira vive uma ilegalidade salarial faz tempo.
Por que isso não se resolve e todos passam a ganhar o máximo estipulado,
equivalente ao salário de um ministro do STF? Isso não ocorre não só porque
alguns dos que votam recebem supersalário e não querem perder o privilégio. Há
intercomunicação entre as burocracias do Estado e um poder de pressão muito
grande. Resultado: isso nunca andou, por que andaria agora?
Da mesma forma, temos as isenções fiscais. Em
2023, chegaram a pouco mais de R$ 500 bilhões. Todo mundo fala delas.
Quando a situação aperta, os políticos
mencionam a isenção fiscal como alguns personagens romanescos se referem à
herança de um tio rico. A qualquer momento, pode morrer para nos salvar. Mas
isso não acontece nunca.
Resta a reforma administrativa. Desde meus
primeiros mandatos, discuti o tema de várias formas. Era evidente que a
revolução digital colocava diante de nós instrumentos para uma administração
mais eficaz e barata. Foram inúmeros os debates sobre viagens tornadas
supérfluas pelo avanço nas telecomunicações. Deixei o Congresso em 2010 supondo
que o avanço vertiginoso da tecnologia acabaria resolvendo esse pequeno
problema. No entanto, vejo que em 2023 elas atingiram mais de R$ 2 bilhões,
depois de tudo o que aprendemos durante a pandemia.
Viaja-se muito, descobri na época, porque as
viagens representam pagamento de diárias e fortalecem o salário dos
funcionários.
Além disso, sobretudo neste terceiro mandato,
o presidente viaja muito. Mais do que qualquer outro líder mundial. Ele o faz
porque considera que tem um papel importante a cumprir. Mas por que só ele? Ele
acha que Deus permitiu a seca porque ele seria eleito presidente e salvaria o
Nordeste.
Pensa, também, que pode intervir eficazmente
onde todos falharam, sobretudo na guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Não seria o momento de avaliar o
custo-benefício dessas grandes caravanas brasileiras cruzando o mundo?
Enquanto os empresários estavam na China,
apareceu a gripe aviária no Brasil, um problema real que precisava de troca de
informações para que os chineses não cancelassem todas as suas compras. Isso
não chegou lá porque seriam nuvens escuras para uma caravana destinada ao céu
azul.
É muito difícil mudar tudo isso. O Distrito
Federal tem a maior renda per capita do Brasil, 66% acima da média nacional. O
que se produz lá, além de leis, regulamentos e portarias?
Só uma profunda mudança cultural, apoiada nas
possibilidades digitais e nos avanços da inteligência artificial, poderá fazer
do Estado uma ferramenta adequada para as necessidades do Brasil.
Esperar que isso ocorra por iniciativa da
burocracia, e não por impulso da sociedade, é esperar em vão. Sobretudo porque,
além de todos os subterfúgios para escapar da racionalidade, eles têm um
delicioso brinquedo de esconde-esconde. Cada um, isoladamente, diz: só aceito
cortes se todos os Poderes o fizerem.
Como não se consegue essa proeza, prevalece o
cômodo argumento de que o problema é outro.
Mas, como os limites estão sendo alcançados,
é possível que alguma saída, ainda que parcial e precária, seja encontrada.
Toda essa discussão, no entanto, se dá num momento especial: a chegada de novas
eleições.
Dificilmente, num contexto eleitoral, os
gastos vão baixar, sobretudo os que estão diretamente pensados para garantir
votos. O problema pode explodir em 2027. Essa é a grande contradição.
O governo Lula é o favorito para herdar o
caos financeiro que não pode superar num período de campanha. Isso liquida
qualquer esperança de programas de longo prazo. O País tropeça nos problemas
cotidianos e tem pouquíssima margem para vislumbrar alguns metros adiante do
nariz. Somos escravos do improviso.
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