Congresso está sem rumo, desconectado da realidade do país
O Globo
Motta e Alcolumbre precisam deixar o
blá-blá-blá de lado e trabalhar pelo ajuste das contas públicas
O Congresso está sem rumo. Fala em responsabilidade fiscal e austeridade, mas, no mesmo dia em que derruba o decreto presidencial aumentando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), aprova a ampliação da Câmara de 513 para 531 deputados — com impacto anual perto de R$ 750 milhões (incluindo emendas parlamentares) e efeito cascata nas assembleias legislativas. No setor de energia, o Parlamento beneficia com bilhões grupos de pressão e repassa a conta ao consumidor. Para não falar no descalabro das emendas, que segue sem solução. O Congresso sempre foi sócio do Executivo no descontrole das contas públicas — e será cada vez mais, se não adotar postura fiscalista.
O decreto determinando aumento do IOF era um
equívoco. Incapaz de realizar cortes de gastos, o governo apelou, mais uma vez,
à alta da já escorchante carga tributária. Tal medida inibe o crédito,
desestimula investimentos e pressiona a inflação. Mesmo com os recuos, o
decreto era inaceitável, e derrubá-lo era a medida correta. A Câmara fez bem em
não aceitar mais aumento de impostos. Mas, para manter tal postura, deveria ter
proposto cortes estruturais em busca do equilíbrio fiscal. Não adianta acertar numa
decisão e errar noutras tantas.
Os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
e do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), precisam pôr em prática o que se comprometeram
a fazer no discurso. Em repetidas declarações, Motta demonstrou preocupação com
a “situação insuportável” do país. Falando sobre ajuste fiscal num simpósio em
Brasília, disse não ser mais possível “empurrar sujeira para debaixo do
tapete”. Em entrevista ao GLOBO, prometeu se empenhar por “medidas
estruturantes”. Alcolumbre descreveu o decreto do IOF como usurpação das
atribuições do Congresso e reuniu-se com o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva em busca de soluções. Apesar de todo esse blá-blá-blá, nada de
“estruturante” ou minimamente capaz de resolver a crise fiscal andou no
Congresso. Pelo contrário.
Um Projeto de Lei assinado por Motta prevê
acúmulo de aposentadoria e salário de parlamentares, ultrapassando o teto
constitucional, de R$ 46.366. O aumento de 18 cadeiras na Câmara
dos Deputados aprovado nesta semana seria injustificável mesmo que as
contas públicas estivessem ajustadas. Com a bomba fiscal próxima de estourar e
estrangular o Orçamento, parece um deboche. O Parlamento também ofende os
eleitores quando derruba vetos presidenciais aos famigerados “jabutis” da lei
das usinas eólicas (nesse ponto, ainda há tempo de manter vetos ligados a
termelétricas a carvão e gás, mesmo assim o custo do que já impuseram na conta
de luz dos brasileiros é estimado em R$ 35 bilhões anuais).
Com declarações a favor e ações contra o ajuste fiscal, o Congresso se revela distante da realidade, contraditório e inepto. A estratégia de atribuir responsabilidades ao Executivo tem limites. O Parlamento não depende de nenhum outro Poder para evitar a explosão da dívida pública. Poderia começar desvinculando o salário mínimo dos benefícios previdenciários. Outras medidas estruturais de impacto são a desvinculação das despesas de saúde e educação da arrecadação e cortes nas emendas parlamentares, que consomem 21% das despesas livres do governo. Que tal Motta, Alcolumbre e companhia deixarem de lado o falatório e começarem a trabalhar a favor dos brasileiros?
Crise de hospedagem para COP30 em Belém era
previsível e evitável
O Globo
Solução para disparada dos preços é
negociação com setor hoteleiro, não o tabelamento arbitrário
Desde o início eram evidentes os desafios de
sediar em Belém a Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP30. O governo
errou no planejamento e não tratou a tempo das deficiências na infraestrutura
hoteleira, incapaz de acomodar as delegações. Eram previsíveis as dificuldades.
Também era previsível a explosão no preço da diária dos hotéis, como resultado
da lei da oferta e da procura. Por isso a crise era evitável.
São esperadas 50 mil pessoas para uma rede
hoteleira que dispõe de 18 mil leitos. Empresários investiram em ampliações,
contrataram transatlânticos para servir de hotéis no porto, converteram escolas
públicas em albergues, apostaram em aluguéis por temporada e noutras
alternativas. De acordo com a última informação, de maio, havia pouco mais de
35 mil leitos garantidos e 10 mil adicionais previstos, num total em torno de
45 mil.
Depois de o governo ter sido incapaz de
prevenir a escassez, agora a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon),
vinculada ao Ministério da Justiça, notificou 24 estabelecimentos hoteleiros e
o Sindicato de Hotéis e Restaurantes dos Municípios de Belém e Ananindeua, com
pedidos de esclarecimento em “caráter preventivo”, para “apurar possíveis
práticas abusivas e aumentos atípicos dos preços de diárias no contexto da
realização da COP30”. Ora, a atipicidade é óbvia: Belém receberá milhares de
uma só vez.
Guardadas as diferenças, é o que acontece
durante o Círio de Nazaré, em outubro, quando as tarifas também sobem. Pelas
informações disponíveis, as diárias para a COP30 estão 80% mais altas que na
celebração religiosa, usada como parâmetro pela rede hoteleira. É provável que,
diante da escassez e aproveitando o caráter global da conferência, os
empresários locais tenham procurado ampliar a margem de lucro. Mas o governo
deveria ter planejado melhor. Só começou a cuidar das acomodações tarde demais.
“Em princípio, as delegações seriam colocadas nas instalações do Exército, mas
as Forças Armadas precisariam ter sido reforçadas para o evento”, diz Eduardo
Boullosa Júnior, presidente do sindicato dos hotéis de Belém. O “erro crucial”,
diz ele, foi a busca por casas de luxo para chefes de Estado e governo. “Ao
fazerem isso, abriram os olhos dos hoteleiros e criou-se uma imagem de que a
COP seria a galinha dos ovos de ouro de Belém”, diz Boullosa.
A COP30 no Brasil foi confirmada em dezembro
de 2023. Havia tempo para planejar melhor. O ideal teria sido manter em Belém,
na Amazônia, no máximo a reunião dos chefes de Estado, transferindo os
encontros paralelos para o Rio de Janeiro, onde já há infraestrutura adequada a
grandes eventos internacionais. Agora, com obras em andamento em Belém, nada
mais resta a fazer além de negociar com a rede hoteleira tarifas mais
razoáveis. Mas é preciso, sobretudo, evitar o caminho do intervencionismo, que
não leva a nada. Se a cobrança de tarifas fora da realidade é abusiva, a
tentativa do governo de tabelar diárias é inaceitável e injusta diante dos
investimentos já feitos. Tabelamento nunca deu certo.
Isolada na disputa geopolítica, Europa
dobrará gasto de defesa
Valor Econômico
Com o unilateralismo dos Estados Unidos, a
Europa terá de enfrentar desafios militares sem contar com o apoio
incondicional da maior potência militar mundial
A Europa vai aumentar muito seus gastos de
defesa, depois que o presidente americano, Donald Trump, deixou claro que não
mais se responsabilizaria pela rede mútua de segurança da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (Otan), criada após a Segunda Guerra Mundial, sob
liderança dos Estados Unidos. Na reunião da Otan em Haia, a aliança decidiu que
os países-membros devem gastar ao menos 5% do seu PIB com defesa, mais do dobro
dos 2% que alguns deles atingiram. Reiterou também a política de defesa mútua,
consagrada no artigo 5 do tratado, que prevê que, se um país for atacado, todos
os demais se comprometem a defendê-lo, acordo que Trump ameaçou romper.
Com o unilateralismo dos Estados Unidos, a
Europa terá de enfrentar desafios militares — com uma guerra de conquista em
seu território que não ocorria desde o fim do segundo conflito mundial — sem
contar com o apoio incondicional da maior potência militar mundial. Como bloco
que pretende se firmar em meio à disputa entre EUA e China, as duas maiores
potências econômicas mundiais, o poderio militar é também um corolário dessa
pretensão.
Apesar da demonstração pública de união na
reunião, a relação de confiança entre EUA e Europa está profundamente abalada.
Além disso, vários países europeus terão dificuldades de atingir as novas metas
de gasto com defesa, mesmo que isso possa num primeiro momento acelerar essas
economias. O aumento parece inevitável num mundo cada vez mais conflituoso, mas
será um desafio.
A cúpula ocorreu após um semestre
extremamente tenso nas relações entre os Estados Unidos e os parceiros da Otan.
Trump aplicou tarifas comerciais especialmente altas ao Canadá e aos países da
União Europeia, repetiu várias vezes a ameaça de anexar o Canadá e a
Groenlândia (que pertence à Dinamarca), reduziu bastante a ajuda militar e
financeira à Ucrânia e permitiu que membros de seu governo, em especial o
ex-secretário Elon Musk, tentassem influenciar ativamente eleições na Europa,
apoiando partidos de extrema direita. Questionado várias vezes sobre se os EUA
defenderiam a Europa de um eventual ataque da Rússia, o presidente americano
foi evasivo.
Uma conversa entre autoridades americanas,
vazada em março pela revista “The Atlantic”, expôs o desprezo e a hostilidade
do governo Trump em relação aos aliados europeus. Nela, o vice-presidente J.D.
Vance e o secretário de Defesa, Pete Hegseth, trocando mensagens sobre os
ataques americanos no Iêmen, dizem que a Europa se beneficia das operações
militares dos EUA sem pagar por isso, põem em dúvida uma eventual defesa dos
aliados e se referem aos europeus como “parasitas”.
Trump afirmou, ao final da reunião, que foi a
Haia porque tinha de ir, mas que saía de lá com uma percepção diferente,
animado com a responsabilidade maior dos europeus com a defesa do continente.
Descreveu a cúpula como “marco histórico” e também como uma vitória “para a
Europa e a civilização ocidental”.
A declaração do encontro reitera o
comprometimento de todos os países-membros da Otan com a defesa mútua. Isso,
porém, dificilmente se traduzirá numa melhora da confiança dos europeus em
Trump, que é conhecido por desrespeitar até acordos assinados por ele mesmo,
como é o caso do tratado comercial da América do Norte.
A cúpula aprovou o aumento do gasto anual
mínimo dos países da Otan com defesa, que passa de 2% do PIB para 5%. Na
verdade, o gasto militar “stricto sensu” passará a 3,5%. O restante 1,5 ponto
percentual poderá incluir gastos com infraestrutura para melhorar a capacidade
militar e de defesa — gastos com estradas, portos, aeroportos e cibersegurança
como despesa militar.
O aumento das despesas com defesa poderá
contribuir para estimular a fragilizada economia da Europa, pois implicará
demanda maior por equipamentos militares e possivelmente aumento do gasto com
pessoal. O novo primeiro-ministro alemão, Friedrich Merz, já anunciou que
pretende embarcar num ciclo de mais gasto público para tentar tirar a maior
economia da Europa da atual situação de estagnação. E grande parte desse
dinheiro irá para defesa.
Muitos governos na Europa, porém, terão
enorme dificuldade de cumprir a nova meta. Enquanto países que estão na linha
de frente da ameaça russa, como Lituânia, Estônia, Letônia e Polônia, já estão
perto ou até acima da meta estrita de 3,5%, outros, como Portugal, Espanha,
Itália e Bélgica, ainda nem chegaram a 2%.
A meta será especialmente difícil de atingir para países que já estão fazendo um esforço para reduzir níveis elevados de déficit público, como a França (5,8% do PIB), e países com elevada relação dívida/PIB, como a Itália (135%). Com esse esforço fiscal, muitos países tiveram de reduzir benefícios do Estado de bem-estar social. A Europa terá de fazer um trabalho para acomodar as necessárias despesas militares sem gerar tensão.
Antecipar embate eleitoral só fará mal ao
Brasil
Folha de S. Paulo
Humilhação de Lula ao tentar elevar IOF
reativa a farsa de que o governo que afaga rentistas com juros defende os
pobres
Em situações normais, não interessa ao
governante que pleiteia a reeleição antecipar o debate sucessório. Ele prefere
manter-se apegado até as vésperas do pleito à agenda das bondades
administrativas, o que limita as oportunidades da oposição de aparecer e fazer
política.
Mas o Brasil não vive uma situação normal no
terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), como não
viveu sob o do seu antecessor, Jair
Bolsonaro (PL).
Em ambas as situações, a baixa popularidade cedo assolou o mandatário em busca
de recondução, o que o estimulou a antecipar a agenda eleitoral.
Vêm de Lula, cuja gestão é ruim ou péssima
para 40% dos eleitores, seguidas manifestações sobre sua disposição de
candidatar-se no ano que vem. A plataforma do nós contra eles —na qual os
petistas posam de defensores dos pobres enquanto acusam os seus críticos de
protegerem os ricos— é cantada em uníssono pelos correligionários no governo.
A dificuldade adicional para o presidente vem
de sua diminuta base fiel no Congresso
Nacional. Ao atiçar o vulcão da campanha mais de um ano antes da eleição,
ele ajuda a mobilizar a maioria parlamentar de centro-direita contra as
intenções do governo.
Como se isso não bastasse, a incúria
orçamentária do Planalto, que escolheu
abrir a porta da gastança na metade inicial do mandato e agora assedia
o contribuinte para financiar a continuação da farra, ofereceu à oposição um
prato cheio com a tentativa destrambelhada de elevar o Imposto sobre Operações
Financeiras.
Esse caldeirão de ressentimentos, descontrole
fiscal e interesses eleitoreiros produziu na quarta-feira (25) uma
derrota parlamentar humilhante para o governo. A Câmara anulou o decreto do
IOF por 383 votos (75% da Casa), com mais de 240 vindos de partidos com
representante na Esplanada dos Ministérios.
O Senado na
sequência reafirmou a decisão dos deputados e só não se evidenciou outra surra
numérica porque houve acordo para a aprovação ser simbólica.
Conselheiros da bagunça instigam Lula a
manter-se firme na retórica de ricos contra pobres —uma farsa num governo que
tanto beneficia os rentistas com os juros de agiota que sua incontinência
acarreta— e
a apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter
a decisão do Congresso.
Dobrar a aposta no confronto com o
Legislativo e misturar o Judiciário na confusão seria mais uma decisão
desastrada numa série de ações atrapalhadas tomadas nos últimos meses pelo
Executivo —série que deveria, pelo contrário, ser interrompida.
Por mais que a desaprovação popular de Lula a
incite e a irresponsabilidade da oposição a reforce, a opção de antecipar para
junho de 2025 o embate de outubro de 2026 não interessa ao país e só agravará o
quadro de potencial paralisia da máquina pública.
É hora de diálogo para que se chegue a um
acordo entre os Poderes capaz de conter o peso da gastança sobre o futuro do
Brasil.
O coração queimado do cerrado
Folha de S. Paulo
Chuvas e vazões de rios diminuem no bioma que
pulsa água para o resto do país;
Não há bioma mais decisivo para a
agropecuária, os recursos hídricos e a geração elétrica no Brasil do que
o cerrado.
Mas a savana está secando, pondo tudo isso sob ameaça.
Segundo dados da Agência Nacional de Águas e
Saneamento Básico, de 1970 a 1979, a precipitação média no bioma foi de 680 mm
anuais; de 2012 a 2021, passou a 539 mm, uma redução de 21%.
Menos água caindo do céu, menos água correndo
nos rios. Na comparação entre os mesmos períodos, a vazão de segurança nos
corpos d’água —a que se mantém em 90% do tempo— foi de 4.742 m³/s (metros
cúbicos por segundo) para 3.444 m³/s, o
que representa queda da 27%.
Tais cifras, um pedido silencioso de socorro,
constam do relatório "Cerrado: O Elo Sagrado das Águas do Brasil", da
Ambiental Media, organização de jornalismo investigativo baseado em ciência de
dados. Mais evidências a reforçar a noção de que o cerrado pode ser hoje um
bioma até mais ameaçado que a amazônia.
A formação florestal do tipo savana já perdeu
metade da vegetação originária, ante menos de 20% da célebre floresta
equatorial a noroeste dela. Sofre pressão contínua do agronegócio,
que concentra no Centro-Oeste um terço do PIB do setor,
em especial soja, milho e carne bovina.
O cerrado, que cobre 25% do território
nacional, abastece 8 das 12 principais regiões hidrográficas do Brasil. Mesmo
não sendo a área com mais produção hidrelétrica, suas cabeceiras alimentam rios
com barragens em outras partes do país.
O bioma adaptado ao fogo sazonal, cujas raízes
profundas distribuem água pelo solo e perenizam nascentes, dá sinais
de sucumbir, porém, ao uso antrópico das chamas para manejar pastos. Segundo o
"Relatório Anual do Fogo" do sistema MapBiomas, em 2024 ele
concentrou 35% do total queimado no Brasil.
É também o bioma que mais sofre com
recorrência de fogo, de acordo com imagens de satélite. Entre 1985 e 2024, nada
menos que 37 mil km² —área quase do tamanho do estado do Rio de Janeiro— foram
afetados por incêndios no mínimo 16 vezes.
"O cerrado é o coração que pulsa a água
pelo Brasil, e os rios são as veias", compara Yuri Salmona, coordenador do
estudo da Ambiental Media. "Esse coração está infartando e perdendo a
capacidade de pulsar, justamente porque estamos desmatando."
E a mudança
climática agravará esse processo. O agronegócio, maior responsável
pela devastação e vítima potencial desse desequilíbrio, já demora a acordar
para a gravidade da situação.
O governo está grogue
O Estado de S. Paulo
Mesmo com derrubada acachapante do decreto do
IOF, Lula parece superestimar poder do Executivo e não perceber que maior
prejudicado pelo desgaste na relação com o Congresso tende a ser ele próprio
A derrubada acachapante do decreto que elevou
o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pelo Congresso evidenciou a extrema
fraqueza política do governo Lula da Silva. Por mais que seja confortável votar
contra um aumento de impostos, o fato é que Câmara e Senado cruzaram o Rubicão
ao desautorizar uma ordem presidencial pela primeira vez desde 1992.
Tecnicalidades são meros pretextos para
justificar o que ocorreu nesta semana. Se é verdade que o IOF é um imposto
regulatório, ou seja, não deveria ser utilizado para aumentar a arrecadação,
como argumentam os parlamentares, também é fato que o Congresso só poderia
sustar um decreto com base na eventual ilegalidade da norma, e não em seu
mérito, como defende o Executivo.
Apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF) para
decidir se o governo exorbitou seu poder regulamentar e distorceu os objetivos
do IOF tende a piorar aquilo que já está bastante ruim. Boa parte do mal-estar
entre o governo e o Congresso está no uso recorrente e descarado do Judiciário,
e em particular do ministro Flávio Dino, para mediar o imbróglio das emendas
parlamentares.
A versão segundo a qual Dino age de maneira
independente ao exigir mais transparência das emendas, algumas vezes à revelia
do governo, jamais convenceu ninguém. Até meados de junho, menos de 2% do
volume total havia sido pago – o que, segundo o governo, ocorreu em razão do
atraso na apreciação do Orçamento deste ano, aprovado apenas em março.
Fato é que, com o Congresso cada vez mais
insatisfeito com tanta delonga, o cronograma de pagamento das emendas foi
acelerado. Mas já era tarde demais, e a derrubada dos vetos presidenciais foi
um aperitivo do que ocorreria nesta semana. A diferença é que, na briga entre
governo e Congresso em torno dos jabutis do setor elétrico, quem apanhou foi o
consumidor e, desta vez, quem foi surrado foi o Executivo.
A retomada da estratégia de opor “nós” contra
“eles” por parte do governo não ajudou em nada. Ao responsabilizar o Congresso
pelo tarifaço nas contas de luz fingindo não ter feito parte do acordo sobre a
derrubada dos vetos, o Executivo enfureceu o Congresso, e a derrubada do
decreto do IOF, que parecia mais um ato simbólico do que uma alternativa
concreta, foi vista como uma chance de os parlamentares se redimirem perante o
eleitorado.
Nesse debate pueril, todos brigam e ninguém
tem razão. Enquanto o Congresso investe na tese de que a sociedade não aguenta
mais aumento de impostos, Lula e o ministro Fernando Haddad têm cada vez mais
apostado na narrativa de que os parlamentares se recusam a taxar o “andar de
cima”.
A única solução para esse impasse é o corte
estrutural de gastos, algo que nem o Executivo nem o Legislativo querem fazer.
Pelo contrário: ambos os Poderes trabalham diuturnamente para inviabilizar o
Orçamento, seja mantendo ou ampliando as renúncias fiscais, seja aumentando as
despesas para financiar programas sociais e repasses para suas bases
eleitorais.
A menos de um ano e meio da disputa
presidencial, não se deve esperar maturidade de nenhuma das partes. Desesperado
para recuperar sua popularidade, Lula prepara um arsenal de medidas populistas
a serem lançadas até a eleição. Já o Congresso vê no avanço de Tarcísio de
Freitas e de outros possíveis candidatos do campo da direita nas pesquisas uma
chance de cobrar mais caro para assegurar uma governabilidade mínima, ainda que
capenga, para o petista.
Por mais que o governo tente encontrar
motivos para o que ocorreu e culpados a quem responsabilizar, o problema não
está no presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), nem no do Senado,
Davi Alcolumbre (União-AP). Lidar com um Legislativo que nunca lhe deu maioria
já é bastante desafiador, mas governar com o apoio de somente 98 deputados e de
dez senadores, que votaram pela manutenção do IOF, será impossível.
Lula parece superestimar o poder do Executivo
e não perceber que o maior prejudicado pelo crescente e perigoso desgaste na
relação com o Congresso tende a ser ele próprio. O governo está grogue, nas
cordas, e deveria estar buscando maneiras de evitar o nocaute.
A encruzilhada da Otan
O Estado de S. Paulo
A promessa de gastos militares da Otan é
histórica, mas a janela de vulnerabilidade segue aberta – e Moscou sabe disso.
O maior risco não vem da força de Putin, mas da hesitação europeia
A cúpula da Otan (aliança militar ocidental)
produziu a imagem que seus organizadores desejavam: um compromisso “histórico”
dos países-membros com um rearmamento sem precedentes – até 5% do PIB em defesa
– e a reafirmação do artigo 5.º da aliança, cláusula central da defesa
coletiva. Mas a imagem encobre mais do que revela. Por trás da encenação de
unidade e da coreografia diplomática voltada a apaziguar o presidente dos EUA,
Donald Trump, o que se viu foi um encontro moldado pelo medo e atravessado por
ambiguidades. A Ucrânia foi deixada à margem, e a Rússia, mencionada uma única
vez no comunicado final. E os detalhes do compromisso financeiro são vagos o
bastante para que quase tudo caiba – ou escape – dentro deles. A guerra que já
começou, mesmo que muitos não tenham percebido, pode ser vencida sem tiros por
quem souber explorar essas rachaduras.
Com Trump de volta à Casa Branca, a cúpula
foi desenhada para evitar atritos com Washington. O presidente ucraniano,
Volodimir Zelenski, foi deixado em segundo plano. A possibilidade de adesão da
Ucrânia desapareceu do texto final. O novo plano estratégico sobre a Rússia foi
engavetado para não desagradar um presidente que se recusa a reconhecer Moscou
como agressor. Mark Rutte, o novo secretário-geral, concentrou esforços em
entregar a Trump uma vitória política: o compromisso orçamentário que ele exigia
há anos. E conseguiu. Mas a que custo?
A meta de 5% do PIB, dividida entre 3,5% para
capacidades bélicas e 1,5% para infraestrutura e resiliência civil, representa,
em tese, um salto extraordinário. Mas não há prazos firmes nem mecanismos de
cobrança. Países como Espanha e Bélgica já buscam exceções. Quase um terço dos
32 membros ainda não atingiram a meta de 2% pactuada há uma década. Muitos nem
sequer sabem ao certo o que incluir ou quando começar a investir. E as
indústrias de defesa – especialmente na Europa Ocidental – mal conseguem assimilar
os volumes prometidos, quanto mais entregá-los no prazo necessário.
Esse prazo, aliás, é crucial. Relatórios de
inteligência sugerem que a Rússia pode testar a Otan com uma ofensiva limitada
em cinco anos. Não é uma hipótese remota. É uma projeção operativa. A Rússia,
segundo avaliação recente do Institute for the Study of War, já repôs
equipamentos, recrutou novos contingentes, reorientou sua economia para o
esforço de guerra e está acumulando estoques de mísseis capazes de sustentar
campanhas prolongadas. Em termos convencionais, o Kremlin produz hoje mais
munição do que toda a Otan e ensaia táticas de desestabilização híbrida –
sabotagem, ciberataques, infiltrações clandestinas – que podem paralisar a
resposta europeia antes mesmo da decisão de reagir.
A tentação de Putin será medir o grau de
comprometimento da Otan com sua cláusula de defesa coletiva, talvez em algum
ponto vulnerável do flanco oriental: uma linha ferroviária interrompida na
Lituânia, uma provocação “espontânea” na Estônia ou um ataque de falsa bandeira
no corredor de Suwalki (Polônia). O objetivo não seria uma ocupação duradoura,
mas a demonstração de que o Ocidente hesita, titubeia, divide-se. E talvez
recue.
A hesitação, nesse caso, é o terreno fértil
da guerra. E ela não está só nas palavras não ditas em Haia. Está nos
orçamentos que priorizam Estados de bem-estar social sobre prontidão militar;
nos eleitorados que rejeitam sacrifícios; nos partidos que flertam com Moscou;
nas lideranças que preferem apaziguar uma personalidade instável a afirmar
princípios fundamentais. Está, sobretudo, no abismo entre ambição declarada e
capacidade real – entre o que se promete e o que se entrega.
Não é a força da Rússia que torna plausível
uma agressão futura à Otan. É a fraqueza do Ocidente. Ou melhor: sua indecisão.
A Europa ainda pode se mover. Mas precisa agir já, enquanto é tempo. Isso
significa acelerar investimentos concretos, reorganizar capacidades críticas,
revisar doutrinas ultrapassadas e abandonar a ilusão de que uma fotografia de
unidade basta para conter o ímpeto de regimes revisionistas. Significa, também,
dizer a verdade: a Ucrânia é só a linha de frente de uma guerra que já começou.
Negá-la é perder o tempo que já escapa.
Borrou a maquiagem
O Estado de S. Paulo
Confrontada por empregar maquiadores, Erika
Hilton reage com a arrogância de quem se vê acima do bem e do mal
Acostumada à condição de porta-bandeira da
virtude pública e estilingue da política brasileira, a deputada federal Erika
Hilton (PSOL-SP) se viu obrigada a explicar como dois maquiadores – amigos que
trabalham na maquiagem e no cabelo da parlamentar – viraram oficialmente seus
assessores no Congresso. Segundo a informação noticiada pelo portal Metrópoles
e confirmada por este jornal, Ronaldo Cesar Camargo Hass e Índy Cunha Montiel
da Rocha recebem, respectivamente, R$ 9.678,22 e R$ 2.126,59 da verba de gabinete
a que a deputada tem direito. Em suas redes sociais, tanto Hass como Rocha
limitam-se a divulgar o trabalho como maquiadores, com a congressista
aparecendo constantemente em suas publicações, mas como cliente.
A deputada classificou a notícia de
“invenção” e “perseguição”, mas sua reação, previsivelmente indignada, não
reduz o problema essencial: há um cheiro evidente de patrimonialismo. Nesse
sentido, o caso da sra. Erika Hilton está longe de ser uma exceção digna de
nossa atenção, pois o que mais há no Congresso é o emprego de parentes e amigos
na condição de assessores parlamentares. No entanto, a sra. Erika Hilton merece
esta nota porque seu caso pode ser tomado como exemplo da hipocrisia dos que
posam de campeões dos pobres e oprimidos mas não resistem às regalias
proporcionadas pela atividade política. Sendo a sra. Erika Hilton uma estrela
do PSOL, partido que se apresenta como a reserva moral da Nação, a contradição
fica ainda maior.
A sra. Erika Hilton tentou se justificar,
afirmando que ambos, contratados por serem “amigos” dela e integrantes da
comunidade LGBT, exercem funções como secretários parlamentares, com “atuação
na pauta LGBT e de cidades”, “articulação com movimentos sociais” e
“acompanhamento nas comissões”. Ela os definiu como “assessores com qualidade”
– dando a entender que só por acaso também são maquiadores.
Não é bem assim. Afinal, se desconhece, a
partir das redes sociais dos assessores-maquiadores, quaisquer outras
atividades públicas que não a de maquiagem, inclusive da deputada. Ora, embora
não concursados, assessores são, na prática, servidores públicos e servem a um
mandato, e não a uma pessoa e suas necessidades pessoais. Logo, a sra. Erika
Hilton tem o dever de se explicar. O que se viu, no entanto, foi a adoção do
habitual recurso da perseguição política, adornado por uma flagrante arrogância
de quem se considera acima do bem e do mal. “Não, meus amores, eu não contrato
maquiador com verba de gabinete. Isso é simplesmente uma invenção”, escreveu a
deputada, creditando a acusação a uma “revanche” de adversários supostamente
atingidos por seu trabalho.
Se todo deputado é obrigado a prestar contas
do que faz com o dinheiro que recebe, mais ainda o são os deputados que, como a
sra. Erika Hilton, exercem seu mandato com fúria vestal e com o dedo em riste
contra supostos malfeitos. Se a sra. Erika Hilton estiver mesmo preocupada com
sua imagem, não basta contratar maquiadores como assessores. É preciso
respeitar os eleitores e os contribuintes.
Formação de médicos requer debate profundo
Correio Braziliense
O debate sobre o avanço das graduações de
medicina deve considerar sobretudo as demandas de quem aprova o aumento do
número de médicos sem ter interesses financeiros nisso
Nos últimos dois anos, o Brasil tem assistido
a uma abertura desenfreada de cursos de medicina. A justificativa do Ministério
da Educação (MEC), órgão que autoriza a criação das instituições de ensino, é a
pouca oferta de médicos em determinados municípios e, consequentemente, a
escassa prestação de serviços de saúde em algumas regiões, com destaque para as
áreas mais remotas e periféricas do país.
No entanto, representações médicas —
contrárias à abertura desmedida de graduações e à queda de qualidade das
instituições de ensino — alegam que, mesmo que os futuros profissionais estudem
em faculdades de cidades menores ou mais distantes, não significa que eles
permanecerão na região. O que geralmente ocorre, justificam, é um êxodo para as
grandes cidades e para polos em que há demanda por serviços médicos e condições
de trabalho consideravelmente melhores.
Antes do programa Mais Médicos, lançado em
2013 pelo governo federal, havia cerca de 100 escolas de medicina no Brasil.
Atualmente, são mais de 400, e o Conselho Federal de Medicina (CFM) tem
divulgado, a partir de consultas ao MEC, que outras 292 aguardam um parecer do
Executivo federal para serem criadas. Se aprovadas, o número de instituições no
país chegaria a quase 700.
Na tentativa de elevar a qualidade da
formação de futuros médicos e os serviços prestados à população, o CFM e a
Frente Parlamentar Mista da Medicina (FPMed), formada por deputados e
senadores, apresentaram no Congresso Nacional, no ano passado, o Projeto de Lei
2.294/2024, criando o Exame de Proficiência em Medicina. Seria uma espécie de
Exame da Ordem (OAB), feito para os bacharelados em direito, só que para
graduados em medicina.
Os defensores do PL acreditam que a
implantação do teste — inclusive exigido em dezenas de países — avaliaria
competências profissionais e éticas, conhecimentos teóricos e habilidades
clínicas com base em padrões mínimos para o exercício da profissão, reduzindo,
assim, erros de diagnóstico, prescrição e conduta, muitos com danos
irreversíveis aos pacientes e aos sistemas público e privado de saúde. O PL
aguarda parecer da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado.
Fato é que abrir escolas de medicina virou
uma atividade lucrativa em decorrência de incentivos fiscais, créditos
tributários, redução de valores do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza
(ISS), do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), parcerias público-privadas,
além de ser um atrativo a mais para os municípios. Daí a importância de uma
análise consistente sobre o avanço das graduações, considerando sobretudo quem
aprova o aumento do número de médicos no país sem ter interesses financeiros
nisso.
Nesse debate, também é fundamental uma
profunda reflexão acerca do nível dos profissionais que estão sendo formados.
Sem falar em outras questões delicadas ligadas à temática, como a
judicialização do ensino médico (abertura de escolas via liminar), os lobbies
nas negociações e a contratação de não médicos para aulas do ensino básico e do
clínico. Trata-se, portanto, de uma discussão complexa e que não deve ser
apressada, sob o risco de equívocos resultarem em desdobramentos dolorosos para
a população brasileira.
As dificuldades para alcançar o equilíbrio fiscal
O Povo (CE)
É preciso chamar à responsabilidade as partes
em conflito para encontrar uma solução equilibrada, que ajude o Brasil a
superar a crise fiscal
É voz corrente que a derrubada do decreto
presidencial que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) foi a
"maior derrota" ou a "pior derrota" do governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso Nacional.
Raramente o Congresso contraria uma medida
presidencial desse tipo, aprovando um decreto parlamentar para anular os
efeitos pretendidos pelo Executivo. A última vez que isso aconteceu foi há 33
anos, às vésperas do pedido de impeachment do então presidente
Fernando Collor.
Não adiantou nem mesmo o recuo do governo,
retirando alguns itens do projeto original. Sob o argumento de que não mais
seriam tolerados aumentos de impostos, até a base governista votou
contra o Palácio do Planalto.
A consequência será o agravamento das
tensões entre Executivo e Legislativo. No entanto, mesmo com os problemas
políticos em curso, os líderes do governo Jaques Wagner (Senado) e José
Guimarães (Câmara) negaram haver rompimento entre o Legislativo e o Executivo,
como informou na edição de ontem o correspondente do O POVO em Brasília, João
Paulo Biage.
Mas tudo aponta para o sentido contrário, e
demandará muito diálogo e disposição das partes envolvidas para acalmar a
situação, de forma a garantir condições de governabilidade ao País.
Não será tarefa fácil, com um Legislativo com cada vez mais poder — e com
disposição para mostrar a musculatura, como se viu agora, com a rapidez com que
mandou seus "recados" ao governo.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terá
agora de refazer as contas para encontrar um modo de cortar mais despesas ou
aumentar a receita, em busca do equilíbrio fiscal, mas a conta está cada
vez mais difícil de fechar. Ele não descartou a possibilidade de apelar para o
Supremo Tribunal Federal (STF) para manter o aumento do IOF. Se isso ocorrer, o
Congresso tomará como desafio à sua decisão, e o STF será arrastado para o
centro do conflito, fornecendo mais combustível para a crise.
É forçoso, porém analisar as contradições do Legislativo nessa
conjuntura. Ao mesmo tempo em que exige contenção dos gastos governamentais,
não vê problema nenhum em aumentar suas próprias despesas.
O Congresso acaba de aprovar o aumento do
número de deputados de 513 para 531, o que pode custar R$ 65 milhões a mais
para os cofres públicos por ano, sem contar o "efeito cascata", pois
a quantidade de deputados estaduais têm a Câmara Federal como
referência.
Além disso, a Mesa da Câmara apresentou um
projeto para permitir que o deputado em exercício acumule o salário do mandato
com a aposentadoria do regime de previdência dos parlamentares. Afora os
valores gritantes das emendas, das quais não abrem mão.
Não se trata de encontrar um
"culpado" pela situação, mas de chamar à responsabilidade as partes
em conflito, para encontrar a uma solução equilibrada, sem impor mais
sacrifícios à população, principalmente entre os mais vulneráveis, mas que
ajude o Brasil a superar a crise fiscal.
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