sexta-feira, 27 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Congresso está sem rumo, desconectado da realidade do país

O Globo

Motta e Alcolumbre precisam deixar o blá-blá-blá de lado e trabalhar pelo ajuste das contas públicas

O Congresso está sem rumo. Fala em responsabilidade fiscal e austeridade, mas, no mesmo dia em que derruba o decreto presidencial aumentando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), aprova a ampliação da Câmara de 513 para 531 deputados — com impacto anual perto de R$ 750 milhões (incluindo emendas parlamentares) e efeito cascata nas assembleias legislativas. No setor de energia, o Parlamento beneficia com bilhões grupos de pressão e repassa a conta ao consumidor. Para não falar no descalabro das emendas, que segue sem solução. O Congresso sempre foi sócio do Executivo no descontrole das contas públicas — e será cada vez mais, se não adotar postura fiscalista.

O decreto determinando aumento do IOF era um equívoco. Incapaz de realizar cortes de gastos, o governo apelou, mais uma vez, à alta da já escorchante carga tributária. Tal medida inibe o crédito, desestimula investimentos e pressiona a inflação. Mesmo com os recuos, o decreto era inaceitável, e derrubá-lo era a medida correta. A Câmara fez bem em não aceitar mais aumento de impostos. Mas, para manter tal postura, deveria ter proposto cortes estruturais em busca do equilíbrio fiscal. Não adianta acertar numa decisão e errar noutras tantas.

Os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), precisam pôr em prática o que se comprometeram a fazer no discurso. Em repetidas declarações, Motta demonstrou preocupação com a “situação insuportável” do país. Falando sobre ajuste fiscal num simpósio em Brasília, disse não ser mais possível “empurrar sujeira para debaixo do tapete”. Em entrevista ao GLOBO, prometeu se empenhar por “medidas estruturantes”. Alcolumbre descreveu o decreto do IOF como usurpação das atribuições do Congresso e reuniu-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em busca de soluções. Apesar de todo esse blá-blá-blá, nada de “estruturante” ou minimamente capaz de resolver a crise fiscal andou no Congresso. Pelo contrário.

Contas: Governo tem de duas a três semanas para encontrar solução após derrubada de decreto do IOF, diz secretário do Tesouro

Um Projeto de Lei assinado por Motta prevê acúmulo de aposentadoria e salário de parlamentares, ultrapassando o teto constitucional, de R$ 46.366. O aumento de 18 cadeiras na Câmara dos Deputados aprovado nesta semana seria injustificável mesmo que as contas públicas estivessem ajustadas. Com a bomba fiscal próxima de estourar e estrangular o Orçamento, parece um deboche. O Parlamento também ofende os eleitores quando derruba vetos presidenciais aos famigerados “jabutis” da lei das usinas eólicas (nesse ponto, ainda há tempo de manter vetos ligados a termelétricas a carvão e gás, mesmo assim o custo do que já impuseram na conta de luz dos brasileiros é estimado em R$ 35 bilhões anuais).

Com declarações a favor e ações contra o ajuste fiscal, o Congresso se revela distante da realidade, contraditório e inepto. A estratégia de atribuir responsabilidades ao Executivo tem limites. O Parlamento não depende de nenhum outro Poder para evitar a explosão da dívida pública. Poderia começar desvinculando o salário mínimo dos benefícios previdenciários. Outras medidas estruturais de impacto são a desvinculação das despesas de saúde e educação da arrecadação e cortes nas emendas parlamentares, que consomem 21% das despesas livres do governo. Que tal Motta, Alcolumbre e companhia deixarem de lado o falatório e começarem a trabalhar a favor dos brasileiros?

Crise de hospedagem para COP30 em Belém era previsível e evitável

O Globo

Solução para disparada dos preços é negociação com setor hoteleiro, não o tabelamento arbitrário

Desde o início eram evidentes os desafios de sediar em Belém a Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP30. O governo errou no planejamento e não tratou a tempo das deficiências na infraestrutura hoteleira, incapaz de acomodar as delegações. Eram previsíveis as dificuldades. Também era previsível a explosão no preço da diária dos hotéis, como resultado da lei da oferta e da procura. Por isso a crise era evitável.

São esperadas 50 mil pessoas para uma rede hoteleira que dispõe de 18 mil leitos. Empresários investiram em ampliações, contrataram transatlânticos para servir de hotéis no porto, converteram escolas públicas em albergues, apostaram em aluguéis por temporada e noutras alternativas. De acordo com a última informação, de maio, havia pouco mais de 35 mil leitos garantidos e 10 mil adicionais previstos, num total em torno de 45 mil.

Depois de o governo ter sido incapaz de prevenir a escassez, agora a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, notificou 24 estabelecimentos hoteleiros e o Sindicato de Hotéis e Restaurantes dos Municípios de Belém e Ananindeua, com pedidos de esclarecimento em “caráter preventivo”, para “apurar possíveis práticas abusivas e aumentos atípicos dos preços de diárias no contexto da realização da COP30”. Ora, a atipicidade é óbvia: Belém receberá milhares de uma só vez.

Guardadas as diferenças, é o que acontece durante o Círio de Nazaré, em outubro, quando as tarifas também sobem. Pelas informações disponíveis, as diárias para a COP30 estão 80% mais altas que na celebração religiosa, usada como parâmetro pela rede hoteleira. É provável que, diante da escassez e aproveitando o caráter global da conferência, os empresários locais tenham procurado ampliar a margem de lucro. Mas o governo deveria ter planejado melhor. Só começou a cuidar das acomodações tarde demais. “Em princípio, as delegações seriam colocadas nas instalações do Exército, mas as Forças Armadas precisariam ter sido reforçadas para o evento”, diz Eduardo Boullosa Júnior, presidente do sindicato dos hotéis de Belém. O “erro crucial”, diz ele, foi a busca por casas de luxo para chefes de Estado e governo. “Ao fazerem isso, abriram os olhos dos hoteleiros e criou-se uma imagem de que a COP seria a galinha dos ovos de ouro de Belém”, diz Boullosa.

A COP30 no Brasil foi confirmada em dezembro de 2023. Havia tempo para planejar melhor. O ideal teria sido manter em Belém, na Amazônia, no máximo a reunião dos chefes de Estado, transferindo os encontros paralelos para o Rio de Janeiro, onde já há infraestrutura adequada a grandes eventos internacionais. Agora, com obras em andamento em Belém, nada mais resta a fazer além de negociar com a rede hoteleira tarifas mais razoáveis. Mas é preciso, sobretudo, evitar o caminho do intervencionismo, que não leva a nada. Se a cobrança de tarifas fora da realidade é abusiva, a tentativa do governo de tabelar diárias é inaceitável e injusta diante dos investimentos já feitos. Tabelamento nunca deu certo.

Isolada na disputa geopolítica, Europa dobrará gasto de defesa

Valor Econômico

Com o unilateralismo dos Estados Unidos, a Europa terá de enfrentar desafios militares sem contar com o apoio incondicional da maior potência militar mundial

A Europa vai aumentar muito seus gastos de defesa, depois que o presidente americano, Donald Trump, deixou claro que não mais se responsabilizaria pela rede mútua de segurança da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), criada após a Segunda Guerra Mundial, sob liderança dos Estados Unidos. Na reunião da Otan em Haia, a aliança decidiu que os países-membros devem gastar ao menos 5% do seu PIB com defesa, mais do dobro dos 2% que alguns deles atingiram. Reiterou também a política de defesa mútua, consagrada no artigo 5 do tratado, que prevê que, se um país for atacado, todos os demais se comprometem a defendê-lo, acordo que Trump ameaçou romper.

Com o unilateralismo dos Estados Unidos, a Europa terá de enfrentar desafios militares — com uma guerra de conquista em seu território que não ocorria desde o fim do segundo conflito mundial — sem contar com o apoio incondicional da maior potência militar mundial. Como bloco que pretende se firmar em meio à disputa entre EUA e China, as duas maiores potências econômicas mundiais, o poderio militar é também um corolário dessa pretensão.

Apesar da demonstração pública de união na reunião, a relação de confiança entre EUA e Europa está profundamente abalada. Além disso, vários países europeus terão dificuldades de atingir as novas metas de gasto com defesa, mesmo que isso possa num primeiro momento acelerar essas economias. O aumento parece inevitável num mundo cada vez mais conflituoso, mas será um desafio.

A cúpula ocorreu após um semestre extremamente tenso nas relações entre os Estados Unidos e os parceiros da Otan. Trump aplicou tarifas comerciais especialmente altas ao Canadá e aos países da União Europeia, repetiu várias vezes a ameaça de anexar o Canadá e a Groenlândia (que pertence à Dinamarca), reduziu bastante a ajuda militar e financeira à Ucrânia e permitiu que membros de seu governo, em especial o ex-secretário Elon Musk, tentassem influenciar ativamente eleições na Europa, apoiando partidos de extrema direita. Questionado várias vezes sobre se os EUA defenderiam a Europa de um eventual ataque da Rússia, o presidente americano foi evasivo.

Uma conversa entre autoridades americanas, vazada em março pela revista “The Atlantic”, expôs o desprezo e a hostilidade do governo Trump em relação aos aliados europeus. Nela, o vice-presidente J.D. Vance e o secretário de Defesa, Pete Hegseth, trocando mensagens sobre os ataques americanos no Iêmen, dizem que a Europa se beneficia das operações militares dos EUA sem pagar por isso, põem em dúvida uma eventual defesa dos aliados e se referem aos europeus como “parasitas”.

Trump afirmou, ao final da reunião, que foi a Haia porque tinha de ir, mas que saía de lá com uma percepção diferente, animado com a responsabilidade maior dos europeus com a defesa do continente. Descreveu a cúpula como “marco histórico” e também como uma vitória “para a Europa e a civilização ocidental”.

A declaração do encontro reitera o comprometimento de todos os países-membros da Otan com a defesa mútua. Isso, porém, dificilmente se traduzirá numa melhora da confiança dos europeus em Trump, que é conhecido por desrespeitar até acordos assinados por ele mesmo, como é o caso do tratado comercial da América do Norte.

A cúpula aprovou o aumento do gasto anual mínimo dos países da Otan com defesa, que passa de 2% do PIB para 5%. Na verdade, o gasto militar “stricto sensu” passará a 3,5%. O restante 1,5 ponto percentual poderá incluir gastos com infraestrutura para melhorar a capacidade militar e de defesa — gastos com estradas, portos, aeroportos e cibersegurança como despesa militar.

O aumento das despesas com defesa poderá contribuir para estimular a fragilizada economia da Europa, pois implicará demanda maior por equipamentos militares e possivelmente aumento do gasto com pessoal. O novo primeiro-ministro alemão, Friedrich Merz, já anunciou que pretende embarcar num ciclo de mais gasto público para tentar tirar a maior economia da Europa da atual situação de estagnação. E grande parte desse dinheiro irá para defesa.

Muitos governos na Europa, porém, terão enorme dificuldade de cumprir a nova meta. Enquanto países que estão na linha de frente da ameaça russa, como Lituânia, Estônia, Letônia e Polônia, já estão perto ou até acima da meta estrita de 3,5%, outros, como Portugal, Espanha, Itália e Bélgica, ainda nem chegaram a 2%.

A meta será especialmente difícil de atingir para países que já estão fazendo um esforço para reduzir níveis elevados de déficit público, como a França (5,8% do PIB), e países com elevada relação dívida/PIB, como a Itália (135%). Com esse esforço fiscal, muitos países tiveram de reduzir benefícios do Estado de bem-estar social. A Europa terá de fazer um trabalho para acomodar as necessárias despesas militares sem gerar tensão.

Antecipar embate eleitoral só fará mal ao Brasil

Folha de S. Paulo

Humilhação de Lula ao tentar elevar IOF reativa a farsa de que o governo que afaga rentistas com juros defende os pobres

Em situações normais, não interessa ao governante que pleiteia a reeleição antecipar o debate sucessório. Ele prefere manter-se apegado até as vésperas do pleito à agenda das bondades administrativas, o que limita as oportunidades da oposição de aparecer e fazer política.

Mas o Brasil não vive uma situação normal no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como não viveu sob o do seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL). Em ambas as situações, a baixa popularidade cedo assolou o mandatário em busca de recondução, o que o estimulou a antecipar a agenda eleitoral.

Vêm de Lula, cuja gestão é ruim ou péssima para 40% dos eleitores, seguidas manifestações sobre sua disposição de candidatar-se no ano que vem. A plataforma do nós contra eles —na qual os petistas posam de defensores dos pobres enquanto acusam os seus críticos de protegerem os ricos— é cantada em uníssono pelos correligionários no governo.

A dificuldade adicional para o presidente vem de sua diminuta base fiel no Congresso Nacional. Ao atiçar o vulcão da campanha mais de um ano antes da eleição, ele ajuda a mobilizar a maioria parlamentar de centro-direita contra as intenções do governo.

Como se isso não bastasse, a incúria orçamentária do Planalto, que escolheu abrir a porta da gastança na metade inicial do mandato e agora assedia o contribuinte para financiar a continuação da farra, ofereceu à oposição um prato cheio com a tentativa destrambelhada de elevar o Imposto sobre Operações Financeiras.

Esse caldeirão de ressentimentos, descontrole fiscal e interesses eleitoreiros produziu na quarta-feira (25) uma derrota parlamentar humilhante para o governo. A Câmara anulou o decreto do IOF por 383 votos (75% da Casa), com mais de 240 vindos de partidos com representante na Esplanada dos Ministérios.

Senado na sequência reafirmou a decisão dos deputados e só não se evidenciou outra surra numérica porque houve acordo para a aprovação ser simbólica.

Conselheiros da bagunça instigam Lula a manter-se firme na retórica de ricos contra pobres —uma farsa num governo que tanto beneficia os rentistas com os juros de agiota que sua incontinência acarreta— e a apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a decisão do Congresso.

Dobrar a aposta no confronto com o Legislativo e misturar o Judiciário na confusão seria mais uma decisão desastrada numa série de ações atrapalhadas tomadas nos últimos meses pelo Executivo —série que deveria, pelo contrário, ser interrompida.

Por mais que a desaprovação popular de Lula a incite e a irresponsabilidade da oposição a reforce, a opção de antecipar para junho de 2025 o embate de outubro de 2026 não interessa ao país e só agravará o quadro de potencial paralisia da máquina pública.

É hora de diálogo para que se chegue a um acordo entre os Poderes capaz de conter o peso da gastança sobre o futuro do Brasil.

O coração queimado do cerrado

Folha de S. Paulo

Chuvas e vazões de rios diminuem no bioma que pulsa água para o resto do país;

Não há bioma mais decisivo para a agropecuária, os recursos hídricos e a geração elétrica no Brasil do que o cerrado. Mas a savana está secando, pondo tudo isso sob ameaça.

Segundo dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, de 1970 a 1979, a precipitação média no bioma foi de 680 mm anuais; de 2012 a 2021, passou a 539 mm, uma redução de 21%.

Menos água caindo do céu, menos água correndo nos rios. Na comparação entre os mesmos períodos, a vazão de segurança nos corpos d’água —a que se mantém em 90% do tempo— foi de 4.742 m³/s (metros cúbicos por segundo) para 3.444 m³/s, o que representa queda da 27%.

Tais cifras, um pedido silencioso de socorro, constam do relatório "Cerrado: O Elo Sagrado das Águas do Brasil", da Ambiental Media, organização de jornalismo investigativo baseado em ciência de dados. Mais evidências a reforçar a noção de que o cerrado pode ser hoje um bioma até mais ameaçado que a amazônia.

A formação florestal do tipo savana já perdeu metade da vegetação originária, ante menos de 20% da célebre floresta equatorial a noroeste dela. Sofre pressão contínua do agronegócio, que concentra no Centro-Oeste um terço do PIB do setor, em especial soja, milho e carne bovina.

O cerrado, que cobre 25% do território nacional, abastece 8 das 12 principais regiões hidrográficas do Brasil. Mesmo não sendo a área com mais produção hidrelétrica, suas cabeceiras alimentam rios com barragens em outras partes do país.

O bioma adaptado ao fogo sazonal, cujas raízes profundas distribuem água pelo solo e perenizam nascentes, dá sinais de sucumbir, porém, ao uso antrópico das chamas para manejar pastos. Segundo o "Relatório Anual do Fogo" do sistema MapBiomas, em 2024 ele concentrou 35% do total queimado no Brasil.

É também o bioma que mais sofre com recorrência de fogo, de acordo com imagens de satélite. Entre 1985 e 2024, nada menos que 37 mil km² —área quase do tamanho do estado do Rio de Janeiro— foram afetados por incêndios no mínimo 16 vezes.

"O cerrado é o coração que pulsa a água pelo Brasil, e os rios são as veias", compara Yuri Salmona, coordenador do estudo da Ambiental Media. "Esse coração está infartando e perdendo a capacidade de pulsar, justamente porque estamos desmatando."

E a mudança climática agravará esse processo. O agronegócio, maior responsável pela devastação e vítima potencial desse desequilíbrio, já demora a acordar para a gravidade da situação.

O governo está grogue

O Estado de S. Paulo

Mesmo com derrubada acachapante do decreto do IOF, Lula parece superestimar poder do Executivo e não perceber que maior prejudicado pelo desgaste na relação com o Congresso tende a ser ele próprio

A derrubada acachapante do decreto que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pelo Congresso evidenciou a extrema fraqueza política do governo Lula da Silva. Por mais que seja confortável votar contra um aumento de impostos, o fato é que Câmara e Senado cruzaram o Rubicão ao desautorizar uma ordem presidencial pela primeira vez desde 1992.

Tecnicalidades são meros pretextos para justificar o que ocorreu nesta semana. Se é verdade que o IOF é um imposto regulatório, ou seja, não deveria ser utilizado para aumentar a arrecadação, como argumentam os parlamentares, também é fato que o Congresso só poderia sustar um decreto com base na eventual ilegalidade da norma, e não em seu mérito, como defende o Executivo.

Apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir se o governo exorbitou seu poder regulamentar e distorceu os objetivos do IOF tende a piorar aquilo que já está bastante ruim. Boa parte do mal-estar entre o governo e o Congresso está no uso recorrente e descarado do Judiciário, e em particular do ministro Flávio Dino, para mediar o imbróglio das emendas parlamentares.

A versão segundo a qual Dino age de maneira independente ao exigir mais transparência das emendas, algumas vezes à revelia do governo, jamais convenceu ninguém. Até meados de junho, menos de 2% do volume total havia sido pago – o que, segundo o governo, ocorreu em razão do atraso na apreciação do Orçamento deste ano, aprovado apenas em março.

Fato é que, com o Congresso cada vez mais insatisfeito com tanta delonga, o cronograma de pagamento das emendas foi acelerado. Mas já era tarde demais, e a derrubada dos vetos presidenciais foi um aperitivo do que ocorreria nesta semana. A diferença é que, na briga entre governo e Congresso em torno dos jabutis do setor elétrico, quem apanhou foi o consumidor e, desta vez, quem foi surrado foi o Executivo.

A retomada da estratégia de opor “nós” contra “eles” por parte do governo não ajudou em nada. Ao responsabilizar o Congresso pelo tarifaço nas contas de luz fingindo não ter feito parte do acordo sobre a derrubada dos vetos, o Executivo enfureceu o Congresso, e a derrubada do decreto do IOF, que parecia mais um ato simbólico do que uma alternativa concreta, foi vista como uma chance de os parlamentares se redimirem perante o eleitorado.

Nesse debate pueril, todos brigam e ninguém tem razão. Enquanto o Congresso investe na tese de que a sociedade não aguenta mais aumento de impostos, Lula e o ministro Fernando Haddad têm cada vez mais apostado na narrativa de que os parlamentares se recusam a taxar o “andar de cima”.

A única solução para esse impasse é o corte estrutural de gastos, algo que nem o Executivo nem o Legislativo querem fazer. Pelo contrário: ambos os Poderes trabalham diuturnamente para inviabilizar o Orçamento, seja mantendo ou ampliando as renúncias fiscais, seja aumentando as despesas para financiar programas sociais e repasses para suas bases eleitorais.

A menos de um ano e meio da disputa presidencial, não se deve esperar maturidade de nenhuma das partes. Desesperado para recuperar sua popularidade, Lula prepara um arsenal de medidas populistas a serem lançadas até a eleição. Já o Congresso vê no avanço de Tarcísio de Freitas e de outros possíveis candidatos do campo da direita nas pesquisas uma chance de cobrar mais caro para assegurar uma governabilidade mínima, ainda que capenga, para o petista.

Por mais que o governo tente encontrar motivos para o que ocorreu e culpados a quem responsabilizar, o problema não está no presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), nem no do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Lidar com um Legislativo que nunca lhe deu maioria já é bastante desafiador, mas governar com o apoio de somente 98 deputados e de dez senadores, que votaram pela manutenção do IOF, será impossível.

Lula parece superestimar o poder do Executivo e não perceber que o maior prejudicado pelo crescente e perigoso desgaste na relação com o Congresso tende a ser ele próprio. O governo está grogue, nas cordas, e deveria estar buscando maneiras de evitar o nocaute.

A encruzilhada da Otan

O Estado de S. Paulo

A promessa de gastos militares da Otan é histórica, mas a janela de vulnerabilidade segue aberta – e Moscou sabe disso. O maior risco não vem da força de Putin, mas da hesitação europeia

A cúpula da Otan (aliança militar ocidental) produziu a imagem que seus organizadores desejavam: um compromisso “histórico” dos países-membros com um rearmamento sem precedentes – até 5% do PIB em defesa – e a reafirmação do artigo 5.º da aliança, cláusula central da defesa coletiva. Mas a imagem encobre mais do que revela. Por trás da encenação de unidade e da coreografia diplomática voltada a apaziguar o presidente dos EUA, Donald Trump, o que se viu foi um encontro moldado pelo medo e atravessado por ambiguidades. A Ucrânia foi deixada à margem, e a Rússia, mencionada uma única vez no comunicado final. E os detalhes do compromisso financeiro são vagos o bastante para que quase tudo caiba – ou escape – dentro deles. A guerra que já começou, mesmo que muitos não tenham percebido, pode ser vencida sem tiros por quem souber explorar essas rachaduras.

Com Trump de volta à Casa Branca, a cúpula foi desenhada para evitar atritos com Washington. O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, foi deixado em segundo plano. A possibilidade de adesão da Ucrânia desapareceu do texto final. O novo plano estratégico sobre a Rússia foi engavetado para não desagradar um presidente que se recusa a reconhecer Moscou como agressor. Mark Rutte, o novo secretário-geral, concentrou esforços em entregar a Trump uma vitória política: o compromisso orçamentário que ele exigia há anos. E conseguiu. Mas a que custo?

A meta de 5% do PIB, dividida entre 3,5% para capacidades bélicas e 1,5% para infraestrutura e resiliência civil, representa, em tese, um salto extraordinário. Mas não há prazos firmes nem mecanismos de cobrança. Países como Espanha e Bélgica já buscam exceções. Quase um terço dos 32 membros ainda não atingiram a meta de 2% pactuada há uma década. Muitos nem sequer sabem ao certo o que incluir ou quando começar a investir. E as indústrias de defesa – especialmente na Europa Ocidental – mal conseguem assimilar os volumes prometidos, quanto mais entregá-los no prazo necessário.

Esse prazo, aliás, é crucial. Relatórios de inteligência sugerem que a Rússia pode testar a Otan com uma ofensiva limitada em cinco anos. Não é uma hipótese remota. É uma projeção operativa. A Rússia, segundo avaliação recente do Institute for the Study of War, já repôs equipamentos, recrutou novos contingentes, reorientou sua economia para o esforço de guerra e está acumulando estoques de mísseis capazes de sustentar campanhas prolongadas. Em termos convencionais, o Kremlin produz hoje mais munição do que toda a Otan e ensaia táticas de desestabilização híbrida – sabotagem, ciberataques, infiltrações clandestinas – que podem paralisar a resposta europeia antes mesmo da decisão de reagir.

A tentação de Putin será medir o grau de comprometimento da Otan com sua cláusula de defesa coletiva, talvez em algum ponto vulnerável do flanco oriental: uma linha ferroviária interrompida na Lituânia, uma provocação “espontânea” na Estônia ou um ataque de falsa bandeira no corredor de Suwalki (Polônia). O objetivo não seria uma ocupação duradoura, mas a demonstração de que o Ocidente hesita, titubeia, divide-se. E talvez recue.

A hesitação, nesse caso, é o terreno fértil da guerra. E ela não está só nas palavras não ditas em Haia. Está nos orçamentos que priorizam Estados de bem-estar social sobre prontidão militar; nos eleitorados que rejeitam sacrifícios; nos partidos que flertam com Moscou; nas lideranças que preferem apaziguar uma personalidade instável a afirmar princípios fundamentais. Está, sobretudo, no abismo entre ambição declarada e capacidade real – entre o que se promete e o que se entrega.

Não é a força da Rússia que torna plausível uma agressão futura à Otan. É a fraqueza do Ocidente. Ou melhor: sua indecisão. A Europa ainda pode se mover. Mas precisa agir já, enquanto é tempo. Isso significa acelerar investimentos concretos, reorganizar capacidades críticas, revisar doutrinas ultrapassadas e abandonar a ilusão de que uma fotografia de unidade basta para conter o ímpeto de regimes revisionistas. Significa, também, dizer a verdade: a Ucrânia é só a linha de frente de uma guerra que já começou. Negá-la é perder o tempo que já escapa.

Borrou a maquiagem

O Estado de S. Paulo

Confrontada por empregar maquiadores, Erika Hilton reage com a arrogância de quem se vê acima do bem e do mal

Acostumada à condição de porta-bandeira da virtude pública e estilingue da política brasileira, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) se viu obrigada a explicar como dois maquiadores – amigos que trabalham na maquiagem e no cabelo da parlamentar – viraram oficialmente seus assessores no Congresso. Segundo a informação noticiada pelo portal Metrópoles e confirmada por este jornal, Ronaldo Cesar Camargo Hass e Índy Cunha Montiel da Rocha recebem, respectivamente, R$ 9.678,22 e R$ 2.126,59 da verba de gabinete a que a deputada tem direito. Em suas redes sociais, tanto Hass como Rocha limitam-se a divulgar o trabalho como maquiadores, com a congressista aparecendo constantemente em suas publicações, mas como cliente.

A deputada classificou a notícia de “invenção” e “perseguição”, mas sua reação, previsivelmente indignada, não reduz o problema essencial: há um cheiro evidente de patrimonialismo. Nesse sentido, o caso da sra. Erika Hilton está longe de ser uma exceção digna de nossa atenção, pois o que mais há no Congresso é o emprego de parentes e amigos na condição de assessores parlamentares. No entanto, a sra. Erika Hilton merece esta nota porque seu caso pode ser tomado como exemplo da hipocrisia dos que posam de campeões dos pobres e oprimidos mas não resistem às regalias proporcionadas pela atividade política. Sendo a sra. Erika Hilton uma estrela do PSOL, partido que se apresenta como a reserva moral da Nação, a contradição fica ainda maior.

A sra. Erika Hilton tentou se justificar, afirmando que ambos, contratados por serem “amigos” dela e integrantes da comunidade LGBT, exercem funções como secretários parlamentares, com “atuação na pauta LGBT e de cidades”, “articulação com movimentos sociais” e “acompanhamento nas comissões”. Ela os definiu como “assessores com qualidade” – dando a entender que só por acaso também são maquiadores.

Não é bem assim. Afinal, se desconhece, a partir das redes sociais dos assessores-maquiadores, quaisquer outras atividades públicas que não a de maquiagem, inclusive da deputada. Ora, embora não concursados, assessores são, na prática, servidores públicos e servem a um mandato, e não a uma pessoa e suas necessidades pessoais. Logo, a sra. Erika Hilton tem o dever de se explicar. O que se viu, no entanto, foi a adoção do habitual recurso da perseguição política, adornado por uma flagrante arrogância de quem se considera acima do bem e do mal. “Não, meus amores, eu não contrato maquiador com verba de gabinete. Isso é simplesmente uma invenção”, escreveu a deputada, creditando a acusação a uma “revanche” de adversários supostamente atingidos por seu trabalho.

Se todo deputado é obrigado a prestar contas do que faz com o dinheiro que recebe, mais ainda o são os deputados que, como a sra. Erika Hilton, exercem seu mandato com fúria vestal e com o dedo em riste contra supostos malfeitos. Se a sra. Erika Hilton estiver mesmo preocupada com sua imagem, não basta contratar maquiadores como assessores. É preciso respeitar os eleitores e os contribuintes.

Formação de médicos requer debate profundo

Correio Braziliense

O debate sobre o avanço das graduações de medicina deve considerar sobretudo as demandas de quem aprova o aumento do número de médicos sem ter interesses financeiros nisso

Nos últimos dois anos, o Brasil tem assistido a uma abertura desenfreada de cursos de medicina. A justificativa do Ministério da Educação (MEC), órgão que autoriza a criação das instituições de ensino, é a pouca oferta de médicos em determinados municípios e, consequentemente, a escassa prestação de serviços de saúde em algumas regiões, com destaque para as áreas mais remotas e periféricas do país. 

No entanto, representações médicas — contrárias à abertura desmedida de graduações e à queda de qualidade das instituições de ensino — alegam que, mesmo que os futuros profissionais estudem em faculdades de cidades menores ou mais distantes, não significa que eles permanecerão na região. O que geralmente ocorre, justificam, é um êxodo para as grandes cidades e para polos em que há demanda por serviços médicos e condições de trabalho consideravelmente melhores.

Antes do programa Mais Médicos, lançado em 2013 pelo governo federal, havia cerca de 100 escolas de medicina no Brasil. Atualmente, são mais de 400, e o Conselho Federal de Medicina (CFM) tem divulgado, a partir de consultas ao MEC, que outras 292 aguardam um parecer do Executivo federal para serem criadas. Se aprovadas, o número de instituições no país chegaria a quase 700.

Na tentativa de elevar a qualidade da formação de futuros médicos e os serviços prestados à população, o CFM e a Frente Parlamentar Mista da Medicina (FPMed), formada por deputados e senadores, apresentaram no Congresso Nacional, no ano passado, o Projeto de Lei 2.294/2024, criando o Exame de Proficiência em Medicina. Seria uma espécie de Exame da Ordem (OAB), feito para os bacharelados em direito, só que para graduados em medicina.

Os defensores do PL acreditam que a implantação do teste — inclusive exigido em dezenas de países — avaliaria competências profissionais e éticas, conhecimentos teóricos e habilidades clínicas com base em padrões mínimos para o exercício da profissão, reduzindo, assim, erros de diagnóstico, prescrição e conduta, muitos com danos irreversíveis aos pacientes e aos sistemas público e privado de saúde. O PL aguarda parecer da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado.

Fato é que abrir escolas de medicina virou uma atividade lucrativa em decorrência de incentivos fiscais, créditos tributários, redução de valores do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), parcerias público-privadas, além de ser um atrativo a mais para os municípios. Daí a importância de uma análise consistente sobre o avanço das graduações, considerando sobretudo quem aprova o aumento do número de médicos no país sem ter interesses financeiros nisso. 

Nesse debate, também é fundamental uma profunda reflexão acerca do nível dos profissionais que estão sendo formados. Sem falar em outras questões delicadas ligadas à temática, como a judicialização do ensino médico (abertura de escolas via liminar), os lobbies nas negociações e a contratação de não médicos para aulas do ensino básico e do clínico. Trata-se, portanto, de uma discussão complexa e que não deve ser apressada, sob o risco de equívocos resultarem em desdobramentos dolorosos para a população brasileira.

 As dificuldades para alcançar o equilíbrio fiscal

O Povo (CE)

É preciso chamar à responsabilidade as partes em conflito para encontrar uma solução equilibrada, que ajude o Brasil a superar a crise fiscal

É voz corrente que a derrubada do decreto presidencial que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) foi a "maior derrota" ou a "pior derrota" do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso Nacional.

Raramente o Congresso contraria uma medida presidencial desse tipo, aprovando um decreto parlamentar para anular os efeitos pretendidos pelo Executivo. A última vez que isso aconteceu foi há 33 anos, às vésperas do pedido de impeachment do então presidente Fernando Collor.

Não adiantou nem mesmo o recuo do governo, retirando alguns itens do projeto original. Sob o argumento de que não mais seriam tolerados aumentos de impostos, até a base governista votou contra o Palácio do Planalto.

A consequência será o agravamento das tensões entre Executivo e Legislativo. No entanto, mesmo com os problemas políticos em curso, os líderes do governo Jaques Wagner (Senado) e José Guimarães (Câmara) negaram haver rompimento entre o Legislativo e o Executivo, como informou na edição de ontem o correspondente do O POVO em Brasília, João Paulo Biage.

Mas tudo aponta para o sentido contrário, e demandará muito diálogo e disposição das partes envolvidas para acalmar a situação, de forma a garantir condições de governabilidade ao País. Não será tarefa fácil, com um Legislativo com cada vez mais poder — e com disposição para mostrar a musculatura, como se viu agora, com a rapidez com que mandou seus "recados" ao governo.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terá agora de refazer as contas para encontrar um modo de cortar mais despesas ou aumentar a receita, em busca do equilíbrio fiscal, mas a conta está cada vez mais difícil de fechar. Ele não descartou a possibilidade de apelar para o Supremo Tribunal Federal (STF) para manter o aumento do IOF. Se isso ocorrer, o Congresso tomará como desafio à sua decisão, e o STF será arrastado para o centro do conflito, fornecendo mais combustível para a crise.

É forçoso, porém analisar as contradições do Legislativo nessa conjuntura. Ao mesmo tempo em que exige contenção dos gastos governamentais, não vê problema nenhum em aumentar suas próprias despesas.

O Congresso acaba de aprovar o aumento do número de deputados de 513 para 531, o que pode custar R$ 65 milhões a mais para os cofres públicos por ano, sem contar o "efeito cascata", pois a quantidade de deputados estaduais têm a Câmara Federal como referência.

Além disso, a Mesa da Câmara apresentou um projeto para permitir que o deputado em exercício acumule o salário do mandato com a aposentadoria do regime de previdência dos parlamentares. Afora os valores gritantes das emendas, das quais não abrem mão.

Não se trata de encontrar um "culpado" pela situação, mas de chamar à responsabilidade as partes em conflito, para encontrar a uma solução equilibrada, sem impor mais sacrifícios à população, principalmente entre os mais vulneráveis, mas que ajude o Brasil a superar a crise fiscal.

 

 


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