Cadê as ‘medidas estruturantes’ para resolver crise fiscal?
O Globo
Executivo e Legislativo perdem outra
oportunidade de apresentar propostas capazes de controlar dívida pública
É frustrante o pacote de medidas fiscais engendrado pela parceria entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para contornar a crise desencadeada pelo aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Em entrevista ao GLOBO, Motta havia prometido se empenhar por “medidas estruturantes”, capazes de reverter a trajetória de descontrole da dívida pública. Pelo que veio à tona até agora — o anúncio oficial só deverá ser feito depois da chancela do presidente Luiz Inácio Lula da Silva —, nada parecido foi feito. O pacote se destaca mais pelo que deixou de fora do que pelo que traz. Mais uma vez, Executivo e Legislativo perderam uma oportunidade.
O aumento do IOF sofreu uma saraivada de
críticas, o Congresso ameaçou derrubá-lo, depois entrou em negociações para
buscar alternativas. Pelo acordo, o governo voltará atrás na alta do IOF em
determinadas operações e mudará regras ou alíquotas noutras. A proposta prevê
compensar a perda de arrecadação aumentando a taxação sobre as bets — gerando
insegurança jurídica, pois a regulamentação acaba de ser aprovada —, unificando
a alíquota de Imposto de Renda (IR) sobre aplicações financeiras, acabando com a
isenção de IR sobre títulos como LCI e LCA e reduzindo benefícios tributários
não protegidos pela Constituição. A decisão final sobre escopo e detalhes do
pacote será feita ao longo da semana.
Embora a revisão de benefícios tributários
seja meritória, o conjunto de medidas apenas reforça a estratégia do governo de
equilibrar as contas arrecadando mais — e é claramente insuficiente. Se o
objetivo era pavimentar um cenário sustentável para a dívida pública, a
prioridade deveria ser desvincular o salário mínimo dos reajustes das
aposentadorias e de todos os benefícios previdenciários. Ao restaurar a
política de aumento do mínimo além da inflação, o PT fez explodir a conta da
Previdência e da assistência social. Atualmente, a Previdência consome R$ 42,6
de cada R$ 100 gastos pelo governo federal. Sem a desvinculação, esse buraco só
crescerá. Cada real de aumento no salário mínimo acarreta gastos extras de R$
400 milhões ao ano.
Outra decisão estrutural ignorada pelo pacote
é a necessidade de acabar com a vinculação das despesas com saúde e educação à
arrecadação. Durante a vigência do teto de gastos, não havia relação entre o
recolhimento de impostos e as duas áreas. Com o novo arcabouço fiscal em 2023,
voltou a valer a vinculação, e as despesas obrigatórias no Orçamento passaram a
ocupar espaço ainda maior. Dos R$ 2,2 trilhões em gastos previstos para este
ano, apenas R$ 211 bilhões são livres, destinados a investimento e custeio da
máquina. E, desse valor exíguo, ainda saem R$ 50,4 bilhões das famigeradas
emendas parlamentares — também ignoradas no pacote.
Com um governo populista disposto a entregar
benesses insustentáveis e um Congresso incapaz de rever as emendas ou de
cumprir o compromisso assumido, o desequilíbrio das contas
públicas continuará a ser uma espada sobre a cabeça dos brasileiros. O
acordo pode ser politicamente mais confortável para aqueles que o firmaram, mas
mantém intacta a certeza de crise grave mais à frente. Tal situação não mudará
até que as prometidas “medidas estruturantes” se tornem realidade.
Ação desastrosa do Bope durante festa junina
deve ser investigada
O Globo
Operação deixou um morto e cinco feridos.
Governador fez bem em exonerar comando e afastar policiais
É preciso investigar a fundo a desastrosa
ação do Batalhão de Operações Especiais (Bope), tropa de elite da PM
fluminense, que deixou um morto e cinco feridos à bala — todos sem antecedente
criminal — no Morro Santo Amaro, Zona Sul do Rio. A incursão aconteceu na
madrugada de sábado, durante festa junina com apresentação de quadrilhas,
presença de crianças e adolescentes. A Secretaria de Polícia
Militar alegou que agentes foram recebidos a tiros durante ação
emergencial para verificar invasão do local por uma facção criminosa. O
governador Cláudio
Castro mandou exonerar os comandantes do Bope, coronel Aristheu Lopes,
e do Comando de Operações Especiais (COE), coronel André Luiz de Souza Batista.
Os tiros, cuja origem está sob investigação,
mataram um jovem de 23 anos que trabalhava como office boy numa imobiliária e
assistia à apresentação das quadrilhas com os pais. A mãe acusa os PMs de ter
dificultado o socorro à vítima. Dos cinco baleados, um ainda permanecia ontem
em estado grave.
Fez bem o governador do Rio, Cláudio Castro,
em determinar o afastamento de 12 policiais que participaram da operação. Um
policial civil que disparou tiros para o alto durante protesto de moradores foi
preso em flagrante. Castro prometeu que as investigações serão conduzidas com
“extremo rigor” pela Polícia Civil e pela Corregedoria da PM. E que todas as
imagens de câmeras corporais serão fornecidas aos inquéritos. É o mínimo. É
essencial esclarecer por que foi autorizada uma operação policial quando acontecia
uma festa com dezenas de pessoas nas ruas. Os riscos eram evidentes.
Muito se discutiu a letalidade policial no
contexto da ADPF das Favelas. Acertadamente, o Supremo Tribunal Federal retirou
as restrições que engessavam o trabalho da polícia, dando-lhe independência
para agir diante do grave problema da segurança pública no Rio. Grandes
extensões territoriais estão dominadas por organizações criminosas que impõem o
terror e achacam moradores. A polícia precisa combatê-las nesses locais. Mas
não tem salvo-conduto para disparar a esmo.
Legítimas e necessárias, operações policiais
precisam ser bem planejadas para que seus objetivos de segurança sejam
alcançados sem expor a vida de inocentes. Tal como aconteceu noutra operação na
comunidade da Maré no mês passado, comandada pelos mesmos oficiais agora
exonerados. Pautada por inteligência e ampla investigação, ela teve como alvo o
traficante TH, procurado havia mais de uma década, com mais de 227 anotações
criminais. Ele acabou morrendo no confronto.
Não parece ter sido o caso da ação no Santo Amaro. O próprio secretário da Polícia Militar, coronel Marcelo de Menezes Nogueira, admitiu que houve erro de planejamento. É fundamental que, além das investigações da Polícia Civil e da Corregedoria, o MP faça apuração independente. É cedo para apontar culpados, mas, se comprovadas faltas graves, os responsáveis terão de ser punidos. O caso pode também balizar outras operações. A polícia deveria tirar lições da tragédia.
Pacote fiscal perde mais uma oportunidade de
cortar gastos
Valor Econômico
Há maneiras de estancar o crescimento acelerado dos gastos obrigatórios, mas o Planalto apenas quer mais receita para cobri-los
A reunião entre o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, os presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta
(Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (UB-AP), e líderes de partidos
da base governista, no domingo à noite, feita para discutir alternativas ao
malfadado aumento do IOF, terminou com um suposto acordo. Nele, o IOF sobrevive
atenuado; e há aumentos de imposto de renda que se esparramam por todas as
letras dos investimentos com isenção tributária (LCA, LCI, CRA, CRI, CPR, FII,
LIG, FIDCs e LCD, e debêntures incentivadas), além de elevação da CSLL para
fintechs. As discussões prosseguem, mas a única coisa segura é que não se
mencionou qualquer corte de gastos. O governo entrou com a ideia de arrumar
mais receitas para mais despesas e saiu do encontro com a mesma fórmula. Não se
viu uma cobrança do Congresso também.
Após cinco horas de reunião, houve um acordo
frouxo, que ainda pode ser rejeitado. No seminário “Agenda Brasil: o cenário
fiscal brasileiro”, promovido pelo Valor,
rádio CBN e jornal O Globo, realizado no auditório do Insper, em São Paulo,
Motta disse
que o Congresso não tem obrigação de aprovar as alternativas expostas por
Haddad. Como a oposição não participou do encontro e os partidos da base
governista têm constantemente contribuído nas votações para derrotar os
projetos do governo, o espectro da rejeição ainda ronda as propostas oficiais.
Haddad conseguiu pelo menos impedir que projetos de decreto legislativo que
derrubariam o aumento do IOF fossem para votação hoje.
O governo pretendia arrecadar R$ 20,1 bilhões
com o aumento do IOF este ano e R$ 41 bilhões no ano que vem. Sob intensas
críticas, a respeito da natureza diversa do IOF, que não tem fins
arrecadatórios, e do encarecimento do crédito às atividades produtivas que
acarretará, em um momento de juros muito elevados, Haddad amenizou o peso
imaginado do IOF, sem abrir mão da medida, no entanto. Ele deve diminuir a
alíquota sobre o crédito, propôs a redução de 80% do IOF sobre o “risco
sacado”, operação de adiantamento de recursos a fornecedores, e prometeu
atenuar a cobrança de aportes superiores a R$ 50 mil mensais, que pagariam IOF
de 5%. Agora, o imposto terá como base aportes anuais, com taxação apenas sobre
o que exceder a quantia de R$ 600 mil ao ano. Foi mantido o plano de aumento de
taxação sobre as bets, o que cria insegurança jurídica logo após a acertada
regulamentação do setor.
Com as mudanças no IOF, o ministro calculou
que o potencial de arrecadação diminuiu para um terço do projetado
originalmente. Algumas das ideias preliminares opcionais não foram discutidas
na reunião, como o uso de R$ 28,9 bilhões das reservas de lucros do BNDES,
Petrobras e Banco do Brasil, que se tornariam pagamento de dividendos à União.
Ou então a venda antecipada dos direitos de produção de petróleo e gás em áreas
do pré-sal, o que poderia trazer recursos de R$ 37 bilhões. Nenhuma dessas
receitas resolve o problema de fundo, o de o governo gastar mais do que
arrecada, e de que quanto mais arrecada mais gasta, pelas regras do regime
fiscal. Podem ser, entretanto, cartas ainda na manga do governo para impedir
novos bloqueios e contingenciamentos, ou ainda, aliviar os existentes, de R$
31,3 bilhões.
Para 2026, a instituição de 5% em um leque de
aplicações financeiras hoje isentas tem grande potencial de arrecadação. Pela
legislação, o IR não pode ser aumentado durante o exercício fiscal e as
aplicações só serão taxadas no ano que vem. Cálculos aproximados sugerem que os
estoques delas, que não serão objeto de imposto, se aproximam de R$ 1,8
trilhão. Estudo do BNDES com todos os investimentos isentos no ano de 2023
identificou um estoque conjunto equivalente a 13,2% do PIB. Supondo que um
quarto desse estoque seja renovado em 2026, é possível arrecadar cerca de R$ 20
bilhões a R$ 25 bilhões com a introdução do IR.
Não se sabe se é para valer a proposta de
eliminar as alíquotas diferenciadas do IR por prazo de aplicação — hoje de 15%
a 22,5% — em favor de apenas uma, de 17,5%. O objetivo da diferenciação, assim
como da isenção de debêntures incentivadas, LCI e outros títulos, é incentivar
as aplicações de mais longo prazo. Em uma economia instável, como a brasileira,
a preferência pelo curto prazo tende a ser preponderante, de forma que a
arrecadação do IR pode cair ao se eliminar alíquotas maiores sobre períodos curtos.
O incentivo tributário para investimentos acima de dois anos deixa de existir,
o que não parece ser uma medida saudável. Não é possível afirmar nada com
certeza, pois as medidas não foram oficialmente detalhadas.
A cada pacote de medidas, o governo tenta
evitar o acerto de contas necessário. O regime fiscal, modificado em seu
primeiro ano, garantiu ao governo Lula que não precisaria obter qualquer saldo
positivo em seus quatro anos de gestão. E para ele chegar apenas ao déficit
zero em 2026 terá de fazer muito esforço. No entanto, com a economia aquecida,
não há qualquer problema de arrecadação, que segue vigorosa e avançando acima
da inflação. Há maneiras de estancar o crescimento acelerado dos gastos
obrigatórios, mas o Planalto apenas quer mais receita para cobri-los. Com uma
eleição que se aproxima, não fará agora o que não fez antes. O Congresso pode
até barrar aumento de impostos, mas não tem vontade manifesta de fazê-lo
reduzir despesas.
Pacote alternativo ao IOF é frágil e incerto
Folha de S. Paulo
Negociação entre Fazenda e Congresso resulta
em propostas de alta de impostos para as quais nem há promessa de aprovação
O resultado dos entendimentos entre a equipe
econômica do governo e lideranças do Congresso
Nacional para alternativas ao aumento do IOF, enfim anunciado, só não
é decepcionante porque não seria sensato esperar nada melhor.
A Fazenda até expôs corretamente parte
dos gargalos
que levam ao descontrole das contas públicas, como a expansão das
concessões judiciais do Benefício de Prestação Continuada (BPC), dos repasses
ao Fundeb, das emendas parlamentares e de transferências da União para estados
e municípios.
Nada disso, porém, bastou para que se
chegasse a medidas ditas "estruturantes" para o controle. Mais uma
vez, as ideias se limitaram a subir impostos de modo improvisado. Fora isso, há
apenas uma vaga promessa de reduzir benefícios fiscais (os chamados gastos
tributários), em formato ainda a ser definido.
O Executivo propôs, para compensar o alívio
de 65% da alta do IOF, ampla modificação na taxação de instrumentos
financeiros, além de carga maior sobre as empresas de apostas online —a
princípio defensável, embora seja preciso conhecer as estimativas de impacto.
Papéis
com rendimentos hoje isentos passam a pagar 5%, caso de LCI e afins
(voltados ao setor imobiliário), LCA (agronegócio) e debêntures de
infraestrutura.
A cobrança geral sobre renda fixa será
estabelecida em 17,5%, qualquer que seja o prazo da aplicação. Outras receitas
são esperadas com o aumento da tributação de juros sobre o capital próprio, de
15% para 20%, e das alíquotas da contribuição social incidentes sobre fintechs.
Embora desejáveis do ponto de vista de
harmonização do mercado de capitais, tais alterações sobre os rendimentos
financeiros deveriam vir no bojo de uma reforma ampla do Imposto de Renda, em
vez de serem tratadas de maneira emergencial por meio de uma medida provisória.
Mais ainda, assim como a tentativa de elevar
o IOF sofreu oposição que obrigou o Palácio do Planalto a recuar, o novo e
frágil acordo já é alvo de mobilizações contrárias. Não por acaso, poucas horas
após o suposto entendimento, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
afirmou que não há compromisso com a aprovação da MP.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) tem diante
de si um problema que é de sua própria lavra: restaurar alguma disciplina
orçamentária —depois de dois anos de gastança
patrocinada pelo Executivo e alegremente acompanhada pelo Congresso—
demanda medidas difíceis, mas o apetite para reformas é escasso.
Com a proximidade das eleições gerais
de 2026, deputados e senadores priorizam interesses de curto prazo. O
presidente da República, que já desperdiçou a oportunidade de fazer o
necessário no início do mandato, agora está mais preocupado com a corrosão de
sua popularidade e prefere deixar os desgastes para seu ministro da Fazenda.
É preciso aplicar normas contra racismo no
futebol
Folha de S. Paulo
Fifa reformula regras de combate à
discriminação, com aumento de multas; é necessária uma mudança de cultura no
esporte
A Federação Internacional de Futebol estabeleceu
punições mais duras contra o racismo e notificou
as 211 entidades filiadas para que revejam as suas normas internas até
o final do ano. Trata-se de medida necessária para coibir atos intoleráveis de
preconceito continuem a ocorrer nos estádios.
Assim, a Fifa reforça
a exigência de cumprimento do seu Código Disciplinar, que já prevê ações para
identificar e punir responsáveis por episódios de discriminação,
independentemente de processos nas Justiças locais.
Pelas novas regras, a punição varia de multa
de 20 mil francos suíços (cerca de R$ 137 mil) a 5 milhões na mesma moeda (R$
34,2 milhões), além da restrição de público —para corrigir um caso de impacto
desproporcional para o punido, o valor pode cair a 1.000 francos suíços (R$
6.800).
A entidade exige também o respeito ao seu
protocolo, que assegura resposta imediata. A partida precisa ser interrompida
assim que um jogador ou o árbitro façam o gesto indicativo de racismo (braços
cruzados), ou caso um representante do torneio informe ao árbitro. Se o
incidente não cessar, o jogo poder
As medidas servem para dar efetividade às
normas dos códigos disciplinares de clubes, federações e confederações que já
punem discriminação. A partir de agora, em casos atípicos, a Fifa pode entrar
com uma apelação direta no CAS (corte de arbitragem do esporte) contra a
decisão de uma entidade sobre comportamento racista em campo.
A reformulação do ordenamento é adequada,
quando se considera que o futebol ainda é um esporte no qual episódios do tipo
são recorrentes.
Num deles, em março, o
ataque foi direcionado a um jogador do time sub-20 do Palmeiras, Luighi
Hanri, durante partida contra o Cerro Porteño pela Copa Libertadores,
no Paraguai.
Torcedores do time rival fizeram gestos racistas contra o brasileiro.
O caso levou a uma troca de acusações entre
os chefes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e da
Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). O Cerro Porteño foi condenado
a pagar multa de US$ 50 mil (R$ 287 mil) —criticada por ser considerada branda—
e a Conmebol instituiu um grupo de combate ao racismo.
O reforço da Fifa é bem-vindo como iniciativa para tirar as normas do papel. Mas a recorrência e a gravidade dos atos indicam que, além das punições, uma mudança de cultura no futebol é imprescindível. Racismo não faz parte do jogo.
Marco institucional contra o golpismo
O Estado de S. Paulo
Interrogatórios de Bolsonaro e corréus no
STF, incluindo militares de alta patente, são inflexão histórica no
enfrentamento de sedições que afirma a força do Estado de Direito no País
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou
ontem as oitivas dos réus que compõem o chamado “núcleo crucial” da tentativa
de golpe de Estado urdida em 2022. Ao longo desta semana, estarão diante da
Primeira Turma do STF o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete corréus, entre os
quais figuram três generais de quatro estrelas, Augusto Heleno, Paulo Sérgio
Nogueira e Walter Braga Netto, e um almirante de esquadra, Almir Garnier,
ex-comandante da Marinha. O primeiro a ser ouvido foi o tenente-coronel Mauro
Cid, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que se tornou réu colaborador.
Não é trivial o que a sociedade verá nos
próximos dias. Seja qual for o teor das oitivas, está-se diante de um marco
institucional contra o golpismo sem precedentes na história republicana do
País. Afinal, é fato incontrastável que todos os golpes de Estado ou tentativas
de ruptura da ordem constitucional havidos no período contaram com participação
das Forças Armadas, em particular do Exército. No entanto, esta é a primeira
vez que civis e militares graduados envolvidos numa sedição prestam contas à Justiça
dentro de um contexto político e social que torna a pena de prisão um
desdobramento concreto.
Essa inflexão histórica é digna de registro.
Os civis e militares denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por
suspeita de participação numa conspiração para impedir a posse de Lula da
Silva, presidente legitimamente eleito em 2022, agora se veem obrigados a
prestar contas de seus atos perante a Justiça. É de notar, ainda, que a eles
estão asseguradas todas as garantias processuais que caracterizam o mesmo
Estado de Direito que tentaram derrubar. O simbolismo é imenso,
independentemente dos efeitos jurídico-penais deste julgamento. A tutela
militar sobre os rumos da política nacional, um resquício da visão anacrônica,
paternalista e autoritária de parte das Forças Armadas sobre a vida civil, está
sendo finalmente confrontada dentro das mais sólidas balizas constitucionais.
Sentar-se no banco dos réus não é um atestado
de culpa. A presunção de inocência é um princípio basilar de qualquer
democracia digna do nome. Mas não é irrelevante o fato de a Polícia Federal, a
PGR e o STF terem avançado tanto na responsabilização daqueles que, segundo
o parquet, estiveram à frente de uma desabrida tentativa de golpe de
Estado.
Ao fim e ao cabo, no curso do julgamento, o
País encara de forma corajosa e institucional um triste legado de
insubordinação ao poder político civil que ainda anima os liberticidas que
desonram a farda. Esse espírito golpista, por tudo o que se viu, só estava
adormecido na Nova República, sob a égide da “Constituição Cidadã”, até
Bolsonaro ascender à Presidência e reanimá-lo como o mau militar e inimigo da
democracia que sempre foi.
Como este jornal já alertou não poucas vezes,
o julgamento dos envolvidos na trama golpista não pode apenas ser imparcial,
precisa parecê-lo, ainda que para os bolsonaristas mais empedernidos a eventual
condenação dos réus seja vista como “perseguição” politicamente motivada. Até
aqui, porém, é de reconhecer a maturidade demonstrada pelas instituições
republicanas diante das graves e inauditas condutas em julgamento. Não há o que
macule a legalidade da ação penal contra Bolsonaro e seus corréus num processo
no qual, repita-se, estão asseguradas a eles as garantias democráticas que
certamente seriam negadas a adversários políticos caso o golpe de Estado
tivesse sido bem-sucedido.
Ao trazer à luz as entranhas de uma
conspiração que poderia ter mergulhado o Brasil no caos, o início desta fase
determinante do julgamento no STF serve como uma espécie de renovação de votos
num futuro no qual o regime democrático não seja apenas um pacto formal
inscrito na Lei Maior, mas uma experiência social, política e institucional
viva, amparada pela responsabilidade, transparência e justiça daqueles
incumbidos de exercer o múnus público.
O País precisa virar essa página sombria, mas
só depois de tê-la lido com atenção e dela ter extraído as devidas lições.
Mais do mesmo
O Estado de S. Paulo
Em reunião com Congresso para impedir
derrubada do decreto do IOF, governo volta a recorrer a medidas para aumentar
arrecadação sem alterar dinâmica explosiva do gasto público
Encurralado pela ameaça de derrubada do
decreto que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pelo Congresso,
o governo apresentou às lideranças do Legislativo um novo pacote para
substituir a proposta inicial e salvar a meta fiscal. Mais uma vez, o Executivo
recorreu a alternativas para aumentar a arrecadação, deixando de lado reformas
estruturais capazes de alterar a dinâmica do gasto público.
Convocada em pleno domingo, a reunião entre
ministros do governo e parlamentares durou quase seis horas e avançou pela
noite, sugerindo um plano ambicioso de reequilíbrio das contas públicas. Mas a
entrevista coletiva concedida na residência oficial da Câmara frustrou quem
esperava o anúncio de um pacto entre os poderes em nome da responsabilidade
fiscal.
O decreto do IOF será recalibrado, com
ajustes nas operações de crédito e câmbio que reduzirão a arrecadação que se
projetava. O principal deles diz respeito a operações de risco sacado, que
permitem a antecipação de recebíveis por fornecedores pequenos e médios tendo
como garantia vendas para grandes empresas. Depois de muitas críticas, elas não
terão mais alíquota fixa, mantendo apenas a variável, o que reduzirá a taxação
inicialmente prevista pelo decreto em 80%.
Para compensar essas perdas, o Executivo
editará uma medida provisória que tributará títulos de renda fixa atualmente
isentos, como as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA),
com alíquota de Imposto de Renda de 5%. Aplicações financeiras terão alíquota
única de IR de 17,5%, e não mais escalonada conforme o prazo em que o
investimento é mantido em carteira.
As apostas online, cuja tributação sobre a
receita bruta havia sido fixada em 12% pelo Congresso, terão taxa de 18%, como
o Executivo havia proposto originalmente. A Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL) deixará de ter alíquota padrão de 9%, que valia para
instituições financeiras, como fintechs, e passará a ter apenas as mais altas,
de 15% e 20%.
Na área de despesas, ao contrário do que
havia sido aventado na semana passada, o pacote não tocará nas vacas sagradas
do Orçamento. Não haverá mudanças nos pisos constitucionais da saúde e da
educação, hoje vinculados ao comportamento das receitas, e benefícios
assistenciais e previdenciários permanecerão atrelados ao salário mínimo.
No lugar delas, a equipe econômica sugeriu
uma proposta de redução linear, de 10%, em benefícios fiscais via projeto de
lei complementar. De saída, foram descartadas mudanças em alguns dos maiores
gastos tributários da União, tais como Zona Franca de Manaus, Simples Nacional,
cesta básica e entidades filantrópicas e sem fins lucrativos.
O Executivo também mencionou a evolução, ao
longo do ano, de despesas com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb), os Fundos de Participação de Estados (FPE)
e Municípios (FPM) e as emendas parlamentares, mas ainda não há acordo sobre
esses temas.
Ainda assim, o pacote já gerou
descontentamento. Ladeado pelos presidentes da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), o ministro da
Fazenda chegou a classificar a reunião como “histórica”, mas o clima que
parecia amistoso na noite de domingo era outro na manhã de segunda-feira.
A medida provisória, segundo Haddad, só será
enviada ao Congresso depois que o presidente Lula da Silva retornar da França,
mas Motta já disse não haver compromisso dos parlamentares em aprová-la –
provavelmente em razão do incômodo da bancada ruralista e do setor imobiliário
com a taxação da LCA e da LCI, ainda que ambos mantenham vantagens sobre outros
produtos financeiros.
O problema de fundo permanece e deve se
agravar quando o governo detalhar a parte mais sensível do pacote: a redução
linear dos benefícios fiscais. Motta já não descarta a possibilidade de que, em
dois ou três meses, esse debate se repita e novas medidas para aumentar a
arrecadação sejam discutidas.
Um tiro na democracia
O Estado de S. Paulo
Atentado contra oposicionista colombiano
expõe o custo da irresponsabilidade política
O atentado que deixou o senador da oposição
Miguel Uribe Turbay entre a vida e a morte não é só mais um episódio de
violência política. É um abalo sísmico que atinge os fundamentos da democracia
colombiana. A tentativa de execução em praça pública de um pré-candidato à
Presidência, herdeiro de uma das famílias abatidas pelo terror dos anos 1990,
revive o trauma dos magnicídios na Colômbia, que se vê, mais uma vez, diante do
espelho de sua trágica história.
Como nas disputas eleitorais sangrentas de
1986 e 1990, quando quatro candidatos foram assassinados, o país volta a
confrontar a ameaça da eliminação física como método político. E, mais uma vez,
o Estado se revela incapaz de garantir o básico: a proteção da vida daqueles
que pretendem governá-lo.
O tiro na cabeça de Uribe por um sicário de
15 anos, provavelmente recrutado por redes criminosas, é, antes de tudo, um
tiro no coração da democracia. Mas também é sintoma de instituições frágeis, de
uma Justiça lerda e seletiva, da infiltração do crime organizado nas entranhas
do poder e de uma sociedade habituada à estigmatização de quem pensa diferente.
É um sinal de que a violência política, longe de ter sido superada com o Acordo
de Paz de 2016, foi reciclada e continua a moldar os destinos do país.
Há responsabilidade difusa. Tanto a oposição
quanto o governo, a direita e a esquerda, contribuíram para alimentar
ressentimentos sociais com discursos incendiários.
O presidente Gustavo Petro, em especial,
falha vergonhosamente. Ao vilipendiar recentemente congressistas contrários aos
seus plebiscitos por decreto como “escravistas” e “nazistas” ou brandir a
espada de Bolívar vociferando contra adversários, o ex-guerrilheiro abastardou
a autoridade de sua própria função e tensionou as instituições num momento em
que o país mais precisava de equilíbrio. Mais lamentável foi sua reação ao
atentado. Empregando o episódio para inflamar antagonismos de classe com
analogias entre empresários e “patrões que vinham pelo ouro”, ou atacando
críticos como “ratos de esgoto”, o presidente acirrou divisões num momento em
que deveria convocar a unidade. Ao invés de liderar como estadista, Petro
conjurou fantasmas de um passado que o país deveria estar deixando para trás.
A Colômbia precisa blindar a política contra
as armas, proteger suas campanhas da intimidação e restaurar o respeito ao
dissenso. Precisa, sobretudo, de lideranças pacificadoras, como já teve em
momentos críticos, se quiser romper os ciclos de violência que transformam
filhos de vítimas – como o prefeito de Bogotá Carlos Fernando Galán, a senadora
María José Pizarro e o próprio Uribe – em protagonistas de uma tragédia sem
fim.
A urgência de um choque de civilidade,
firmeza institucional e desescalada retórica extrapola a Colômbia. Num
continente onde o crime organizado se alastra, as instituições se fragilizam e
a polarização se acirra, o atentado é uma advertência de que, quando a retórica
política perde o rumo, a barbárie abre caminho – e políticos que deveriam ser
vencidos nas urnas são silenciados a bala.
Duelo ideológico é ameaça à democracia
Correio Braziliense
Diante da convivência conflitante entre os
Poderes, o risco de retrocessos é elevado, o que impõe aos parlamentares e aos
cidadãos a responsabilidade de impedir que os avanços duramente conquistados na
luta pela redemocratização sejam destruídos
O cenário de violência e depredação das sedes
do Executivo, Legislativo e Judiciário, em 8 de janeiro de 2023, surpreendeu a
maioria da sociedade brasileira. Era a materialização do discurso de ódio que
preponderou desde as eleições de 2018 e dividiu o país — de um lado,
democratas e, de outro, saudosistas do hediondo período da ditadura militar
(1964-1985). A tomada da Praça dos Três Poderes seria a largada para
concretizar a trama golpista contra o Estado Democrático de Direito que, se
concluída, impediria a volta, pela terceira vez, do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva ao Palácio do Planalto.
A tentativa de golpe foi frustrada. Porém,
não foi compreendida dessa maneira por parcela expressiva da sociedade. Tanto
em meio à população quanto no Congresso Nacional, é possível testemunhar graves
embates entre grupos de extrema-direita, favoráveis à ditadura, e
democratas que rejeitam a possibilidade de o país reviver o obscuro regime de
exceção.
Nesta segunda-feira, os acusados de planejar
e liderar o 8 de Janeiro começaram a ser interrogados pelo ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do inquérito sobre a
trama golpista que apura a responsabilidade das autoridades do governo passado.
O ministro Moraes era uma das autoridades que estavam na mira dos golpistas.
Ele, o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin deveriam ser
assassinados para que Jair Bolsonaro continuasse sendo o ocupante do Palácio do
Planalto, com o apoio de uma parcela das Forças Armadas, conforme investigação
da Polícia Federal. Seria a retomada do poder para dar um fim ao regime
democrático.
E não se trata de tentativa única. A
Constituição Federal promulgada em 5 outubro de 1998 tem recebido inúmeras
emendas que comprometem a sua versão original, produzida a partir da larga
participação de todas as camadas da população brasileira. Não foi uma obra
exclusiva de deputados e senadores, mas de uma sociedade ávida por mudanças no
país após 21 anos de opressão, tortura e mortes.
Ao Correio, o senador Paulo Paim
(PT-RS), um dos constituintes como deputado federal, afirmou que as
proposições apresentadas colocam em risco direitos históricos, conquistados
principalmente pelos mais vulneráveis. "O Congresso atual, com a
correlação de forças que temos, não escreveria melhor do que o de
1988", enfatizou o parlamentar, que também se disse preocupado com o
ineditismo da "ascensão de grupos de extrema-direita com discurso de
ódio" e que colocam "a democracia em risco".
O temor de Paim tem sentido. A relação pouco amigável entre Congresso e Executivo reforça a possibilidade apontada. Diante da convivência conflitante entre os Poderes, o risco de retrocessos é elevado, o que impõe aos parlamentares e aos cidadãos a responsabilidade de impedir que os avanços duramente conquistados na luta pela redemocratização sejam destruídos e o país perca valores democráticos. Vive-se num país em que, apesar dos esforços de vários segmentos, ainda há um longo caminho a se percorrer para traduzir em realidade a máxima de que "todos são iguais perante as leis" — até hoje, uma ilusão.
A violência política na Colômbia
O Povo (CE)
O episódio de violência na Colômbia, sábado
passado, quando um pré-candidato à presidência foi alvo de um atentado e até
agora luta pela sua sobrevivência, merece uma reflexão que vá além dos limites
determinados pela geografia. Trata-se de algo que diz respeito, no seu sentido
trágico e na perspectiva de localizar suas causas, à vivência de um momento
delicado que a política experimenta em seu âmbito global e, infelizmente, que
também diz respeito à realidade atual do Brasil.
A Colômbia tem um histórico de episódios
violentos no seu conturbado cenário político que, de certa forma, até ajudam a
explicar o que aconteceu com Miguel Uribe Turbay, jovem senador de direita que
circulava pelo país apresentando-se como uma das alternativas de oposição ao
governo de Gustavo Petro, ideologicamente posicionado mais à esquerda. A
própria vítima deste caso recente chorou, no passado, a perda de sua mãe, a
jornalista Diana Turbay, tragicamente morta numa situação confusa que envolvia
o cartel de drogas comandado pelo notório Pablo escolar num momento em que os
traficantes disputavam o controle do Estado com o próprio governo. No caso,
falamos dos anos 1990.
A ação de agora assumida por um garoto de 15
anos, que atirou contra a vítima durante ato em bairro popular da capital,
Bogotá, vai enriquecer uma estatística colombiana macabra que acumula muitas
mortes vinculadas a disputas eleitorais. Há registro de pelo menos cinco
assassinatos de pré-candidatos ou candidatos ao longo da história.
É um cenário agravado pela polarização que
hoje marca a atividade política mundial, em muitas situações transformando
adversários em inimigos. Diferenças políticas e ideológicas acabam gerando
desavenças pessoais e um quadro que termina alimentado pelo ódio mútuo em boa
parte dos casos.
Claro que seria irresponsabilidade, quanto à
necessidade de entender se há razões por trás do gesto e se ele atende outros
interesses, apontar responsáveis pelo atentado além do garoto, detido e já
entregue às autoridades. É fundamental que o mandante de uma ação que parecia
ter como objetivo tirar do cenário o jovem senador, de apenas 39 anos, caso
exista, seja identificado, e preso, claro, como forma de acalmar os espíritos
no vizinho e simpático país sul-americano.
A sociedade, no plano global, precisa
reencontrar o caminho da racionalidade no processo de disputa pelo poder. É
isso que a democracia prevê e permite, através dos instrumentos institucionais
que disponibiliza para que a sociedade assuma o controle das decisões sobre
quem deve governá-la, através do voto.
Não faz sentido que a violência, em pleno ano
de 2025, seja vista como alternativa de conquista de um governo ou como meio
para impedir que um adversário o alcance. Por enquanto, resta-nos cobrar de
quem dirige a Colômbia um esforço absoluto para esclarecer o que aconteceu, É a
única resposta que se aceita para a crise imensa que se abriu diante
dele.
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