terça-feira, 17 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Derrubar veto a ‘jabutis’ no PL das Eólicas seria acinte

O Globo

Medidas alheias ao texto do projeto encarecerão conta de luz em 9% se Congresso insistir em mantê-las

É insondável o que farão os parlamentares, na sessão conjunta do Congresso Nacional marcada para hoje, em relação aos vetos impostos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos “jabutis” incluídos no Projeto de Lei (PL) que regula a instalação de usinas eólicas em alto-mar. Um fato, contudo, precisa ficar claro: a sociedade não tolerará a derrubada dos vetos. No conjunto, a coleção de “jabutis” representa um aumento de 9% na conta de luz de todos os brasileiros — ou R$ 545 bilhões até 2050, pelas contas de associações do setor. Em troca do quê? De preservar mercado cativo ou subsídios a fontes de energia obsoletas, poluentes ou, quando limpas, que poderiam muito bem sustentar-se sem ajuda.

Depois de aprovado na Câmara e no Senado, o texto chegou à mesa de Lula no fim de 2024, e ele acertadamente vetou os trechos desarrazoados. Era o caso da extensão do prazo para contratação de usinas a carvão, forma de energia que mais contribui para a emissão de gases de efeito estufa (custo de R$ 92 bilhões ao contribuinte até 2050). Da obrigação de pagar por energia de térmicas a gás, ainda que o preço seja desvantajoso (custo de R$ 155 bilhões), ou de pequenas centrais hidrelétricas (R$ 140 bilhões). Ou da manutenção dos subsídios à energia solar, injustificáveis dado o avanço tecnológico (R$ 101 bilhões). E de outras regalias, enxertadas num texto cujo objetivo era apenas regular as eólicas em alto-mar.

Nos labirintos do Congresso, grupos de interesse que competem no mercado aproveitaram o PL para tentar gravar na lei benesses ecumênicas. Agora tentam fazer os parlamentares derrubar os vetos de Lula. Com a seriedade que o assunto demanda, o Parlamento deveria manter tudo o que foi vetado. Do contrário, dará as costas aos brasileiros. Os “jabutis” só servem para lesar o bolso do consumidor.

A aberração mais óbvia é o carvão, geração de energia mais suja que existe, com papel irrelevante no Brasil. Enquanto o país se prepara para sediar a conferência da ONU sobre mudança climática, seria vergonhoso o Congresso se acoelhar diante dos desafios impostos pelo aquecimento global e dar sobrevida ao segmento.

O “jabuti” das térmicas a gás traz problemas mais sutis, mas não menos graves. Para preservar a robustez do sistema elétrico e evitar apagões, é preciso haver geração de energia que possa ser acionada mediante demanda e não dependa de fatores naturais como sol, vento ou água. É por isso que as usinas a gás, embora poluentes, são essenciais. Mas não da forma como estipulado pelo Congresso, com contratação compulsória. Ligadas por mais tempo, além de encarecer a eletricidade, elas poluiriam mais. Por isso estima-se que, ao todo, os “jabutis” elevariam em 25% as emissões de gases do setor energético.

Subsídios para a geração solar já fizeram sentido. Com o barateamento da tecnologia, porém, tornaram-se desnecessários. Beneficiar fabricantes de placas solares em detrimento do consumidor seria um desserviço.

Os efeitos negativos da energia mais cara transcendem a conta de luz. Estão no preço do pão assado em forno elétrico, do leite e da carne, do cimento e do automóvel, de remédios e transporte urbano. Energia é custo para o setor produtivo. Energia mais cara é inflação e, invariavelmente, tira a competitividade do país. O Congresso não pode deixar que um pequeno grupo de interesse ponha a mão no bolso dos brasileiros de modo tão descarado.

Afirmações de Flávio Bolsonaro sobre ‘uso da força’ vão além do aceitável

O Globo

Impor perdão por crimes a candidato aliado já é disparate. Insinuar afronta ao STF é uma temeridade

São temerárias as afirmações do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, sugerindo que qualquer outro candidato, para receber apoio de Jair Bolsonaro nas eleições de 2026, precisará assegurar indulto ao ex-presidente, réu no Supremo Tribunal Federal (STF) no processo que investiga a tentativa de golpe de Estado. E Flávio foi além. Afirmou que, em caso de condenação do pai, se um presidente aliado lhe conceder o perdão, será preciso que o STF “respeite os demais Poderes”. “É uma hipótese muito ruim, porque a gente está falando de possibilidade de uso da força (...), de interferência direta entre os Poderes. Tudo que ninguém quer”, disse ele.

Não ficou claro o que Flávio quis dizer com “uso da força”. Eis sua explicação singela para as condições que levariam a tal desfecho: “Estou fazendo análise de um cenário. Bolsonaro apoia alguém, esse candidato se elege, dá um indulto ou faz a composição com o Congresso para aprovar a anistia, em três meses isso está concretizado, aí vem o Supremo e fala: é inconstitucional, volta todo mundo para a cadeia. Isso não dá. Certamente o candidato que o presidente Bolsonaro vai apoiar deverá ter esse compromisso”.

É certo que ele ressaltou não se tratar de ameaça, mas evidentemente esse tipo de declaração não tem cabimento num regime democrático. Ainda que Bolsonaro venha a ser condenado e que um presidente futuramente lhe conceda indulto, o STF teria o dever de analisar se o benefício cumpre os dispositivos constitucionais. Negar-lhe essa prerrogativa seria desrespeitar a independência dos Poderes.

Há, por sinal, precedentes. Em maio de 2023, o Supremo rejeitou por 8 votos a 2 a graça concedida em 2022 pelo então presidente Bolsonaro em favor do ex-deputado Daniel Silveira, restabelecendo a condenação por crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no processo. Na ocasião, a Corte considerou que a decisão presidencial em benefício de um aliado político representou desvio de finalidade.

A Polícia Federal (PF) investigou minuciosamente e reuniu provas robustas da tentativa de golpe em 2022. Foram fatos graves. Além da pretendida ruptura institucional, um plano previa o assassinato do ministro Alexandre de Moraes, do STF, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice Geraldo Alckmin. O mínimo a esperar é que os responsáveis, independentemente de nomes, partidos ou patentes, sejam julgados e, uma vez comprovadas as responsabilidades, punidos. Anistiar quem conspirou conta a democracia só serve para incentivar novos levantes golpistas.

Na semana passada, os depoimentos de Jair Bolsonaro e de outros réus corroboraram as investigações da PF e mostraram que há provas consistentes para condená-lo. Daí a preocupação de Flávio em articular desde já compromissos políticos para blindar o pai. Essa cogitação por si só já é um disparate. Querer contratar no mesmo pacote uma afronta ao Supremo, à Constituição e à democracia extrapola o limite do aceitável.

Homicídios caem e cresce a violência contra a mulher

Valor Econômico

A PEC da Segurança, que busca maior integração e coordenação entre os entes federativos e órgãos de segurança, se arrasta no Congresso

A segurança pública é uma das principais preocupações da população brasileira, ao lado da inflação, apontaram as recentes pesquisas de opinião - e também está no topo dos problemas das empresas. A violência tem várias formas, e o Mapa da Segurança, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, aponta trocas transitórias entre elas, sem que os dados positivos sejam tranquilizadores ou indiquem tendência sustentável. Houve redução dos assassinatos e roubos, mas aumento de feminicídios e estupros.

Os homicídios intencionais caíram em 2024 pelo quarto ano seguido. A queda foi de 6,3% na comparação com 2023, para 35.365 vítimas - nada menos que 97 homicídios diários em média. A diminuição é de quase 16% em relação ao início da série, em 2020, quando houve 42.034 casos dolosos. A maior redução percentual ocorreu na Região Norte, de 16,4%, e, no outro extremo, na região Sul, houve uma redução de 12,4% em relação a 2023. Os homicídios também caíram no Centro-Oeste (7,61%), no Sudeste (4,2%) e no Nordeste (2,8%).

Por outro lado, o número de feminicídios cresceu 0,7% em 2024, registrando 1.459 vítimas, ou quatro por dia. Piauí, Maranhão e Paraná foram os Estados que tiveram o maior aumento no número de vítimas desse tipo de crime. A violência contra mulheres aparece em alta com mais clareza no avanço de casos de estupro, 83.114, o maior número em cinco anos. A média foi de 227 vítimas por dia, e 86% delas são mulheres. Alguns dos Estados com maior renda per capita e grau de educação se destacam nesse tipo de crime, com São Paulo no topo, com 15.989 ocorrências, seguido de Paraná (6.881) e Rio de Janeiro (5.819).

Vem mostrando uma tendência semelhante outra pesquisa importante na área de segurança, o Atlas da Violência, embora com base em fonte de informação diferente. Enquanto o Mapa da Segurança é feito pelo governo federal com informações fornecidas pelos Estados, o Atlas da Violência é elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a partir do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, desde 2016.

Divulgado em maio, o Atlas da Violência registrou recuo de 1,4% das vítimas de homicídio entre 2022 e 2023, para 45.747. Houve queda em 17 das 27 unidades da federação. As regiões Norte e Nordeste concentraram os índices mais altos de homicídios intencionais, enquanto a região Sul e os Estados de São Paulo e Minas Gerais tiveram as menores taxas.

Ao analisar a segurança pública pelos mesmos critérios usados por entidades internacionais, que avaliam o número de homicídios dolosos por 100 mil habitantes e não só em números absolutos, a taxa brasileira ainda é bastante elevada em comparação aos demais países, o que ajuda a explicar a sensação de insegurança da população. Afinal, os dados colocam o Brasil entre os países mais violentos do mundo com o resultado de ambas as pesquisas.

De acordo com o Atlas da Violência, a taxa de homicídios brasileira era de 21,2 por 100 mil habitantes em 2023, praticamente a mesma apurada para o Brasil em 2021, de 21,3 por 100 mil habitantes, pelo United Nations Office of Drugs and Crime (UNODC), escritório das Nações Unidas voltado para questões de drogas e crimes. Já pelo Mapa da Segurança do Ministério da Justiça a taxa por 100 mil habitantes em 2024 ficou em 16,64, de toda forma quase o triplo da média global de 5,8 homicídios por 100 mil habitantes apurada pelo UNODC.

No ranking da instituição, o Brasil é o 18º país com maior taxa de homicídio. No caso dos feminicídios, o Brasil está com taxa de 1,34 por 100 mil habitantes nas contas do Mapa da Segurança e de 3,5 por 100 mil no Atlas da Violência, em comparação com 2,2 vítimas por 100 mil da média global em 2021 calculada pelas Nações Unidas.

O envelhecimento da população é um dos motivos para a redução do número de homicídios observada nos últimos anos no Brasil, uma vez que a violência é maior entre os mais jovens. Quase metade (47,8%) dos homicídios em 2023 envolveu pessoas na faixa de 15 a 29 anos.

Outro motivo cogitado é o pacto de não agressão entre as principais facções criminosas no país, embora em algumas regiões haja disputa de território entre outros grupos criminosos. O avanço do crime cibernético, que ganhou espaço na pandemia, seria outra possível razão. Houve ainda importantes mudanças nas políticas de segurança pública em alguns Estados, como a adoção de câmeras corporais, que reduziram a letalidade policial. Apesar das queixas e dos casos de violência policial, têm se buscado a qualificação dos policiais e o recurso à inteligência para compor a estratégia, antes limitada ao policiamento ostensivo e ao uso da força.

De todos os fatores que estão contribuindo para melhorar a segurança, só este último item é resultado da iniciativa do poder público. A PEC da Segurança, que busca maior integração e coordenação entre os entes federativos e órgãos de segurança, se arrasta no Congresso. Não há como chegar às melhores práticas e aos padrões internacionais sem a cooperação de todas as esferas do governo e da sociedade.

Recursos públicos no Brasil são, sim, suficientes

Folha de S. Paulo

Assim pensam 55% dos brasileiros, segundo o Datafolha; déficit é sinal de que gastos são incompatíveis com renda do país

Está correta, na essência, a percepção manifestada pela maioria dos brasileiros de que o setor público do país dispõe de recursos suficientes. Assim pensam 55% dos entrevistados na mais recente pesquisa do Datafolha —percentual composto por 47% que consideram os recursos mal aplicados e só 8% que aprovam sua gestão.

A afirmação pode causar estranheza diante dos déficits recorrentes nas contas do Tesouro Nacional, ou mesmo da precariedade de diversos serviços prestados à sociedade. É fato incontestável, no entanto, que o Estado brasileiro tem capacidade de arrecadar com poucos paralelos entre os países emergentes e superior até à de boa parte dos ricos.

A carga tributária aqui ronda os 33% do Produto Interno Bruto, com variações a depender da metodologia. Em outras palavras, o setor público se apropria de um terço de toda a renda gerada por trabalhadores e empresas. Tal patamar é o maior da América Latina e similar aos 34% da média da OCDE, organização que reúne os países mais desenvolvidos.

Consideradas outras fontes de recursos, como juros, dividendos e concessões, a receita dos três níveis de governo no Brasil chega a 38,8% do PIB, em cálculo do FMI. No G20, que reúne as principais economias mundiais, superamos Argentina, Austrália, China, Índia, Indonésia, Japão, Coreia do Sul, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos.

Isso não quer dizer, é claro, que se devam esperar do setor público brasileiro serviços —educaçãosaúde, segurança pública— de qualidade comparável aos de países ricos, cujo PIB por habitante é muito maior. Num exemplo, o Reino Unido tem receita total quase equivalente à nossa (38,3% do PIB) e quase o triplo em renda per capita.

A questão é que o Estado aqui já dispõe de recursos vultosos para a realidade nacional. Se acumula déficits orçamentários que estão entre os mais altos do mundo, é sinal evidente de que seus gastos são incompatíveis com seus meios, isto é, com a capacidade contributiva dos cidadãos.

Não é difícil apontar despesas públicas que estão acima ou muito acima dos padrões internacionais. A Previdência Social consome algo em torno de 13% do PIB ou mais, nível de países com população bem mais idosa. O custo do sistema de Justiça (1,33%) não tem similar conhecido entre as principais economias. Os juros, que decorrem dos déficits fiscais, somam exorbitantes 7,7% do PIB.

Isso sem mensurar o peso de benefícios fiscais, supersalários, emendas parlamentares e outros fatores que corroem a eficiência dos programas e da economia.

Se o propósito maior do Estado desenhado pela Constituição de 1988 é combater a pobreza e a desigualdade, os resultados são insatisfatórios. As distorções começam, aliás, pela coleta de recursos por meio de uma carga não apenas elevada como injusta, baseada em tributos regressivos que oneram os mais pobres.

Avanço da educação é lento no país

Folha de S. Paulo

Taxas de analfabetismo e de matrículas em creches melhoram desde 2016, mas objetivos do Plano Nacional não são cumpridos

Mais um levantamento evidencia a dificuldade do poder público brasileiro em cumprir as metas das políticas que institui, sinalizando gestão ineficiente do dinheiro do contribuinte e precariedade dos mecanismos de monitoramento.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) no módulo educação do IBGE, divulgada na sexta (13), em 2024 a taxa de pessoas analfabetas com mais de 15 anos foi de 5,3% —queda de apenas 0,1 ponto ante 2023 e menor nível da série histórica, iniciada em 2016, quando a marca foi de 6,7%.

Mas o Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 fixou a erradicação em dez anos —ou seja, nenhuma pessoa acima dos 15 anos deveria ser analfabeta no país em 2024. Os 5,3% significam que 9,1 milhões de brasileiros, contingente maior do que a população do Pará, não conseguem ler ou escrever um bilhete simples.

É inegável o avanço no acesso à educação nas últimas décadas, favorecendo as novas gerações. Por isso, do total de analfabetos, 56,4% (5,1 milhões) têm 60 anos ou mais. Considerando apenas esse estrato, a taxa foi de 14,9% em 2024, ante 20,5% em 2016.

Apesar da bem-vinda queda, os dados mostram que governos precisam incrementar a Educação de Jovens e Adultos (EJA). De acordo com o Censo Escolar 2024, 1 em cada 5 municípios (1.092 de 5.568) não oferta vagas nesse programa.

As políticas de letramento e alocações de recursos também devem levar em conta discrepâncias regionais. Se a taxa de analfabetismo acima dos 15 anos no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste é de 2,7%, 2,8% e 3,3%, respectivamente, no Norte ela sobe para 6% e salta a 11% no Nordeste.

Outra área da educação que não cumpriu o objetivo firmado em 2014 é a base estruturante da formação escolar. No ano passado, o percentual de crianças de 0 a 3 matriculadas em creches foi de 39,8%, alta de 9,5 pontos em comparação dom 2016, mas abaixo da meta de 50% do PNE.

O principal motivo para não matricular os filhos é a opção dos pais (60%), mas merece atenção a falta de vagas ou de creches (33%). Em regiões mais ricas, como o Sudeste, a escolha dos pais sobe a 64,2% e a dificuldade de acesso diminui para 27%; já no Nordeste, mais pobre, são 54,7% e 39,8%, respectivamente.

Governos nas três esferas precisam atuar de forma integrada para cumprir as metas. Se elas ficam só no papel, os resultados são lentidão nos avanços e os pífios indicadores de aprendizagem apresentados pelo Brasil em avaliações domésticas e globais.

É tudo pelas emendas

O Estado de S. Paulo

Mudança brusca de comportamento de Motta sobre medidas apresentadas pelo governo evidencia disputa por pagamento de emendas e distância entre discurso e prática no Congresso

A disposição do Congresso para comprar briga com o governo deve refluir nos próximos dias por duas razões. O calendário é a primeira delas. Em meio às festividades juninas, numa semana com um feriado prolongado e a um mês do recesso parlamentar, a disputa entre Executivo e Legislativo sobre quem tem mais – ou menos – responsabilidade fiscal tende ao apaziguamento. A outra, mais importante e de ordem prática, diz respeito às emendas parlamentares. Tratar das emendas parlamentares pode parecer repetitivo, mas é impossível não falar do assunto quando tudo parece girar em torno disso no País.

Foi a expectativa de manter o poder sobre as emendas que levou Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP) ao comando da Câmara e do Senado, assim como seus antecessores Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG). É em razão das emendas que o cargo de relator do Orçamento é tão disputado pelos parlamentares. É, sobretudo, por causa das emendas que o Congresso está em pé de guerra com o Supremo Tribunal Federal (STF). E é em nome das emendas que o Legislativo cobra do governo que faça cortes estruturais de despesas.

Antes houvesse alguma convicção, da parte dos deputados e senadores, sobre a importância da responsabilidade fiscal para o controle da inflação, a redução da taxa básica de juros, o aumento dos investimentos, a geração de empregos e o crescimento econômico. Não parece ser o caso.

Afinal, a Mesa Diretora da Câmara, presidida por Motta, certamente não teria apresentado um projeto de lei para liberar o acúmulo de salários e aposentadorias para ex-deputados federais que ocupem cargos eletivos nos âmbitos federal, estadual e municipal, prática que é vedada desde 1997. Os parlamentares tampouco teriam aprovado, em maio, um projeto de lei complementar que aumenta o número de vagas de 513 para 531, a pretexto de adaptar a Casa aos resultados do Censo de 2022.

Há quem possa argumentar que os gastos adicionais, tanto no projeto que assegura o pagamento de salários e de aposentadorias quanto no que cria mais vagas na Câmara em vez de redistribuir as atuais entre os Estados que ganharam e os que perderam população, serão residuais diante do tamanho das despesas públicas.

Mas não é disso que se trata. A questão é que quem cobra corte de gastos precisa ter um mínimo de coerência entre o discurso e a prática. Do contrário, fica difícil explicar alterações tão bruscas de comportamento como a que Motta apresentou há alguns dias, entre a fatídica reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na noite de 8 de junho, e a manhã do dia seguinte.

Ao longo da semana, ficou mais claro por que Motta mudou de ideia. Além da pressão dos setores diretamente impactados pelo aumento de impostos proposto pela equipe econômica, pesou o fato de que o Executivo, em pleno mês de junho, praticamente não empenhou valores para pagar emendas parlamentares neste ano, que somam mais de R$ 50 bilhões. Isso se deve tanto ao atraso na apreciação do Orçamento de 2025 – aprovado em março pelo Legislativo e sancionado em abril por Lula da Silva – quanto às exigências que o ministro Flávio Dino, do STF, estabeleceu para liberar as emendas.

A derrubada do decreto que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) vai depender de acertos que ocorrem ao longo dos próximos dias. Mas a entrevista que a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, concedeu ao jornal Valor já deu o tom desse debate.

O arcabouço fiscal, segundo ela, vale para o Executivo e o Congresso, de forma que sustar o decreto presidencial reduzirá a previsão de receitas e, portanto, exigirá um contingenciamento de recursos ainda maior que o anunciado no mês passado. Um contingenciamento maior vai mirar as despesas discricionárias – e, por óbvio, não poupará as emendas parlamentares.

“Ninguém quer votar medida impopular. Da esquerda à direita”, acrescentou a ministra. A menos de um ano e meio das próximas eleições, o que todos parecem querer, tanto no Executivo quanto no Legislativo, da direita à esquerda, passando pelo Centrão, é manter tudo como está.

PT mira em Galípolo

O Estado de S. Paulo

Indicado por Lula como aposta para mudar os rumos da política monetária e disfarçar a gastança do governo, presidente do BC vira alvo do lulopetismo, prova de que o PT é incorrigível

Está declarado o fim da lua de mel entre o PT de Lula da Silva e o presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo. Indicado pelo presidente como uma aposta para dar um cavalo de pau nos rumos da política monetária, como se isso fosse viável e o melhor para o Brasil, Galípolo começa aos poucos a se converter em alvo do lulopetismo. Os sinais do rompimento podem ainda não ter aparecido sob a forma dos apopléticos documentos do partido, com os quais invariavelmente petistas põem o dedo em riste contra aqueles que consideram inimigos, mas são cada vez mais barulhentas as críticas que até aqui se restringiam a murmúrios internos.

O episódio do aumento do IOF escancarou uma divergência entre Galípolo e o outrora amigo próximo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O redivivo ex-ministro José Dirceu escreveu um artigo no qual, ao atacar o rentismo, o mercado financeiro, a “Faria Lima” e os juros altos, ironiza um Galípolo que, “tão cioso de sua independência”, se reúne com empresários e o setor financeiro – é como se o presidente do BNDES fosse criticado, num evidente disparate, por se encontrar com representantes da indústria. Antes, em carta aberta à militância, o antigo amigo de Fidel Castro propôs à esquerda uma “revolução social” capaz de “pôr fim à apropriação e expropriação da renda nacional pelo capital financeiro e agrário, num circuito entre o Banco Central e a Faria Lima”.

Houve mais. Três dos quatro candidatos à presidência do PT não só fizeram críticas ao capitalismo, como foram explícitos no ataque ao Banco Central e sua preocupação com a inflação, a (má) percepção dos agentes econômicos e seus efeitos sobre a política monetária e a estabilidade da moeda. Um dos poucos governadores de Estado do partido, o cearense Elmano de Freitas, cobrou de Galípolo – “agora que indicamos o presidente do Banco Central” – a redução da taxa básica de juros (Selic), como se isso dependesse de uma canetada. A cisão se completa com o debate sobre a proposta que prevê autonomia financeira do BC.

O problema de fundo é o vício petista de enxergar o Banco Central como um instrumento do mercado para favorecer o rentismo, em detrimento do crescimento do País. É uma versão conveniente para uma verdade inconveniente: a incapacidade do lulopetismo de enfrentar a realidade da alta da inflação e o papel dos gastos do governo nessa escalada. A grita petista mostra que Galípolo pode estar fazendo o certo: como presidente do BC, cabe a ele ser o zelador prudente do poder de compra da moeda, e não o irresponsável sabujo de um presidente perdulário, como o PT desejaria. Mas, para os petistas, Galípolo apenas se rendeu à lógica do mercado.

O que é ilógico, contudo, é que mais de 15 anos de poder foram insuficientes para que o PT entendesse a dinâmica do mercado. Lula e seu partido nunca esconderam o desconforto com o modelo estabelecido em lei para o Banco Central. Antes disso, nos seus dois primeiros mandatos, o demiurgo petista até deixou o então presidente do BC, Henrique Meirelles, trabalhar de forma autônoma. Era uma autonomia que lhe convinha. Precisando conquistar a confiança dos agentes econômicos, ele permitiu uma maior complementaridade entre as políticas fiscal e monetária – foi a maior disciplina fiscal no primeiro mandato, aliás, que permitiu o crescimento robusto no segundo mandato, ainda que, como se sabe, com alto custo futuro. Mas não sem uma no cravo e outra na ferradura: morubixabas petistas ou o próprio Lula esbravejavam publicamente contra os “juros altos” do BC, enquanto nos bastidores o presidente trocava mesuras com Meirelles.

Funcionou enquanto Lula e o PT tinham capital político para brigar contra o mercado e a realidade. Não é o caso de agora. Ocorre que a independência institucional garantida por lei ao BC e algum zelo demonstrado pela autoridade monetária para compensar a expansão fiscal do terceiro mandato são vistos pelo PT como forças malignas. A torpeza de sentido tem um vício de origem: a incapacidade do lulopetismo de lidar com a dinâmica do setor privado, e é assim que o mercado financeiro é o Tinhoso, empresário bom é só aquele que favorece a companheirada e a autonomia do Banco Central só é bem-vinda pela metade, isto é, que o BC seja autônomo em relação ao mercado, afugentando investidores, mas não ao governo e sua gastança.

O acordo que só Trump viu

O Estado de S. Paulo

Ao alardear acordo ‘excelente’ com a China, presidente expõe o quanto está vulnerável

O presidente dos EUA, Donald Trump, alardeou em letras maiúsculas na Truth Social, rede social da qual é dono, ter chegado a um acordo comercial “excelente” com a China, o que seria fruto de dois dias de negociações em Londres. Segundo o republicano, a China voltará a fornecer aos EUA terras raras, insumos críticos para indústrias como a de tecnologia, enquanto as universidades norte-americanas continuarão recebendo estudantes chineses. Além disso, Trump afirmou que as tarifas sobre importações chinesas totalizarão 55%, enquanto exportações norte-americanas serão taxadas em 10% pelo gigante asiático. Mas tudo ainda depende de aprovação do próprio Trump e do presidente chinês, Xi Jinping.

Ao comentar as negociações de Londres, os asiáticos adotaram tom bem mais vago que o de Trump. Um porta-voz do Ministério do Comércio chinês afirmou que as duas partes concordaram com uma “estrutura de medidas para consolidar os resultados das negociações econômicas e comerciais de Genebra”. Em relação às terras raras, os chineses foram protocolares ao afirmar que continuarão aprimorando o processo de revisão e de aprovação de licenças de exportação.

A verdade é que, após acusar a China de descumprir trégua acordada no início de maio em Genebra, quando os dois países pausaram tarifas de mais de três dígitos um contra o outro por 90 dias, o que os EUA conseguiram agora foi, com muita benevolência, retomar o que já havia sido estabelecido anteriormente.

Acostumado a humilhar países menos poderosos, Trump adotou a única estratégia que realmente domina, a bravata, e foi para cima dos chineses, que, provocados, passaram a jogar o jogo tal como oferecido pelo republicano.

Ocorre que os EUA dependem bem mais das importações chinesas que o contrário. A China impôs tarifas igualmente proibitivas sobre os produtos norte-americanos, o que potencialmente eliminaria o comércio entre os dois países. No meio do fogo cruzado, empresas dos EUA, sobretudo as pequenas, viram-se num caos. Trump, então, foi forçado a concordar com a pausa nas tarifas. Agora, ao insinuar que a taxação total sobre a China pode ser de 55%, o republicano apenas demonstra que, ao contrário do que prega, segue agindo de modo a estrangular a classe média norte-americana, que provavelmente será forçada a lidar com escassez de bens e com inflação.

Obcecado com tarifas calculadas sabe-se lá como, Trump ignorou que a China estava diversas casas à frente dos EUA em áreas como a produção de terras raras e que também teve avanços significativos no desenvolvimento de tecnologias diversas. Sem acesso às terras raras, a indústria norte-americana corre o risco de paralisação. Já as restrições dos EUA a exportações de tecnologia para a China não surtiram o efeito desejado.

Tudo combinado, os norte-americanos ficaram sem algo essencial – a China responde por 70% da produção de terras raras do mundo –, enquanto os chineses desenvolveram seus próprios chips e semicondutores.

Autodeclarado mestre da negociação, Trump tem sido desmoralizado pelos chineses num jogo em que ele mesmo deu as cartas.

Proteção dos oceanos desemboca na COP30

Correio Braziliense

Se o Brasil quer mesmo uma COP integrada, como afirma o presidente Lula, não poderá abrir mão de embates ligados à preservação dos mares

A primeira Conferência dos Oceanos das Nações Unidas terminou em 9 de junho de 2017, em Nova York, com um "chamado para a ação": estados-membros deveriam unir esforços em uma década (de 2021 a 2030) considerada decisiva para a promoção da sustentabilidade marinha. O período estratégico entra agora em sua segunda metade, as Nações Unidas acabam de encerrar a terceira conferência — em Nice, França, na última sexta-feira —, e a sensação é de que ainda falta agilidade para impulsionar a proteção oceânica. Tal cenário acaba por desembocar as atenções para o Brasil, anfitrião da próxima conferência do clima, a COP30, em novembro.

São agendas administrativamente distintas, é bem verdade. Trabalha-se, por exemplo, com a possibilidade de realização de uma grande COP dos Oceanos no próximo ano, novamente nos Estados Unidos. Mas no dia a dia da crise ambiental não há separações. Basta acompanhar a situação de alerta extremo enfrentada por comunidades ribeirinhas e países insulares em razão do aumento das temperaturas dos oceanos. São também os ecossistemas marinhos o grande "ar-condicionado" da Terra, absorvendo 91% do calor gerado pelos gases de efeito estufa.

Presente na Conferência dos Oceanos em Nice, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu a urgência em convergir as pautas e a responsabilidade do país em alavancar esse propósito. "É impossível falar de desenvolvimento sustentável sem incluir o oceano. Sem protegê-lo, não há como combater a mudança do clima (...) O Brasil dará ênfase à conservação e ao uso sustentável do oceano na COP30, assim como fizemos em nossa Contribuição Nacionalmente Determinada", discursou na sessão de abertura. 

O Brasil avança em atualizar a sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), incluindo, pela primeira vez, medidas de proteção aos oceanos, em 2024. Porém, é criticado por não ter assinado o chamado "Apelo de Nice", um pacto de combate à poluição plástica, nem ter ratificado o Tratado do Alto Mar, o marco legal para proteção "imediata e a longo prazo" dos oceanos.

As NDCs são as promessas de cada país, atualizadas a cada cinco anos, para mitigar as mudanças climáticas. O governo brasileiro e o francês lançaram, na terceira Conferência dos Oceanos, a NDC Azul, convidando os países a incorporarem a proteção aos oceanos em suas novas metas. Apenas oito aderiram à iniciativa, e a maioria sequer atualizou a "NDC tradicional" para a COP30, incluindo a União Europeia. 

Quanto ao Apelo de Nice, 95 países assinaram o acordo para combater o que é considerado um dos problemas mais graves para a saúde dos oceanos. O presidente Lula admitiu a gravidade do assunto, mas ficou só no discurso. Um dos argumentos é que países desenvolvidos ignoram os impactos econômicos da proposta sobre os países produtores. O Brasil é um deles, mas também é o oitavo do mundo e o primeiro da América Latina em descarte de plástico nos oceanos. Agrava as críticas à não adesão brasileira o fato de  Noruega, Canadá e México — três grandes produtores de petróleo, matéria-prima do plástico  — terem respondido ao chamado.

A inclusão no Tratado do Alto Mar parece mais encaminhada. Lula se comprometeu a ratificá-lo ainda neste ano, acompanhando os 19 países que anunciaram a decisão durante a conferência francesa. Após Nice, há 51 adesões (50 países e a UE). Com 60, o marco legal entra em vigor. Chegar a esse patamar, porém, exige vencer pontos polêmicos, como o financiamento para a preservação dos mares e o controle de atividades de risco — passagem de navios e mineração, por exemplo. Se o Brasil quer mesmo uma COP integrada, não poderá abrir mão desses embates. Trata-se de oportunidade ímpar para viabilizar um desfecho exitoso para a Década dos Oceanos.

É preciso reduzir a fila de transplantes

O Povo (CE)

Exige explicação mais convincente o dado que aponta um aumento expressivo na quantidade de gente à espera de um transplante pediátrico no Ceará. Falamos, portanto, de crianças e adolescentes que, em muitos casos, precisam de uma intervenção do tipo para lidarem com quadros críticos de saúde. É de perspectiva de vida que estamos falando.

O ano de 2024 fechou com 24 crianças na fila, o que representa um salto em relação aos 10 que compunham a lista no exercício anterior contabilizado. É o controle oficial exposto no Relatório Brasileiro de Transplantes (RBT) que aponta a preocupante situação, ou seja, ninguém apareça com argumento de que se trata de uma fumaça eleitoral, coisa de oposição ou algo que valha. A estatística oficial indica o quadro preocupante e que exige uma ação do governo.

A saúde, deve-se admitir, concentra uma boa parte dos desafios que enfrentam, em seu cotidiano marcado por carências, os gestores públicos brasileiros, de todas as instâncias. O volume de demandas nunca parece alcançável pelos programas e os recursos disponibilizados pelos governos. Aliás, um dos argumentos oficiais utilizados como justificativa para o aumento na fila de transplantes tenta apontá-lo como efeito do sucesso da política desenvolvida no Ceará.

É o que explicaria o fato de 70% dos casos registrados em 2024, quanto à fila de espera, dizerem respeito a transplantes de rim. A questão é que o sistema do Ceará contempla a cirurgia, quando vários outros estados a excluem de suas possibilidades. Pacientes de fora, portanto, ajudariam a alimentar os nossos dados, de alguma forma inflando-os.

O que acontece, e isso precisa ser considerado, é que qualquer tentativa de explicar o quadro pelo aspecto da procura, de alguma forma buscando responsabilizá-la, não atende à expectativa de quem espera das autoridades que elas sejam capazes de apresentar soluções. O modelo do sistema brasileiro, inclusive, deveria absorver melhor as situações para evitar que políticas diferentes entre estados gerem distorções como a que parece estar representada no caso.

De outra parte, aponta-se a queda no número de doadores de órgãos como um dos fatores determinantes do aumento expressivo na fila. Um dado da RTB indica que 41% das pessoas consultadas no ano passado optaram por recusar a iniciativa, sob alegativas as mais diversas. Por razões religiosas ou culturais, fragilidade emocional diante da perda de um ente querido e até a simples vontade de preservar o corpo por inteiro.

É um quadro complexo, que envolve problemas de várias naturezas e que somente uma política pública de caráter integrado pode ser capaz de levar ao encaminhamento de soluções que devolvam a confiança à sociedade num gesto que, de caráter humano, oferece a perspectiva de proteger melhor a vida de nossas crianças e adolescentes. 

 

 

 

 

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