Acordo sobre o Galeão traz boas perspectivas
O Globo
É louvável entendimento para manter
concessionária, mas é preciso preservar as restrições a voos no Santos Dumont
É bem-vindo o acordo, aprovado pelo Tribunal
de Contas da União (TCU), permitindo que a concessionária RIOgaleão continue à
frente do Aeroporto Internacional Tom Jobim/Galeão. O atual contrato, firmado
em 2014 com prazo até 2039, será reformulado, dando mais fôlego à operadora.
Mesmo assim, o terminal terá de passar por um processo simplificado de leilão
até março de 2026, e a RIOgaleão precisará apresentar ao menos uma proposta
pelo valor mínimo para participar do certame. De modo geral, o entendimento agradou
ao governo e à concessionária. Mas, para funcionar, é fundamental manter as
restrições de voos no Aeroporto Santos Dumont.
O acordo cria uma regra pela qual, dependendo do número de passageiros no Santos Dumont, haverá um acerto de contas entre a concessionária e o governo. No primeiro ano (2025), se for inferior a 8 milhões, a concessionária pagará ao governo um valor correspondente à diferença; se for superior, será o contrário. Esse patamar sobe para 9 milhões em 2026, 10 milhões em 2027 e daí para a frente dependerá da alta na demanda por voos. Como o movimento atual está em 6,5 milhões, há incentivo para o governo manter as restrições, pois receberá por isso. Mas poderá abrir mão do dinheiro se quiser aumentar o movimento até os 10 milhões. É isso que não pode acontecer.
O Santos Dumont é um terminal doméstico
encravado no centro do Rio. Suas dimensões lhe impõem limites óbvios. Foi
justamente o desequilíbrio entre os dois aeroportos que tornou insustentável a
concessão do Galeão. Em desafio ao bom senso, ampliou-se demasiadamente o
movimento no terminal doméstico, que ficou saturado, com filas e atrasos em
voos, enquanto o internacional ficava às moscas. Cogitou-se até implantar rotas
internacionais no Santos Dumont, um absurdo. A mobilização da sociedade levou o
governo a criar restrições a voos. Graças a essa medida, o Galeão vem se
recuperando (o movimento aumentou 83% em relação a 2023). Hoje, os dois
aeroportos funcionam de forma complementar, como deve ser. Mas há sempre o
risco de retrocesso na bem-sucedida restrição. O acordo não pode abrir espaço a
uma prática que não dá certo.
A permanência da RIOgaleão à frente do
negócio era defendida pelo governo. A própria concessionária manifestou
intenção de continuar, depois de ter anunciado a desistência em 2022. Uma das
reivindicações era a reformulação do contrato. Pelo acordo, em vez de um valor
fixo anual pela outorga, ela pagará 20% da receita. Também não terá de
construir uma terceira pista, pois essa exigência perdeu razão de ser com a
queda nos passageiros. Ficou acertado que a Infraero, detentora de 49% da
concessão, deixará o negócio e será indenizada em R$ 502 milhões. A RIOgaleão
também desistirá de disputas com a Anac, como o pedido de R$ 8 bilhões para
reequilíbrio financeiro.
É louvável o entendimento entre as várias
partes para viabilizar a concessão, uma vez que as condições previstas na época
do leilão, em 2013, não se confirmaram. Como mostrou reportagem do GLOBO, a
concessionária prevê investimentos de R$ 1,1 bilhão nos próximos três anos —
excelente notícia para os usuários, para a cidade e para o país. Mas
flexibilizar as restrições no Santos Dumont, independentemente da
justificativa, seria uma lástima. O Rio precisa ter seus aeroportos funcionando
de forma coordenada. De nada adiantaria consertar um e estragar o outro.
Pará dá exemplo ao criar modelo de
financiamento a iniciativas ambientais
O Globo
Estado destinará percentuais fixos de
impostos ao setor, facilitando gestão de longo prazo com metas objetivas
Sede da COP30, marcada para novembro em
Belém, o Pará acaba de estabelecer regras para financiar seu Fundo Estadual de
Meio Ambiente (Fema) que devem servir de exemplo a outros estados. Um conjunto
de três leis destina a ações ambientais parte dos recursos arrecadados por
taxas já existentes, cobradas sobre atividades que exploram recursos hídricos e
minerais. Estima-se que o estado contará com R$ 1 bilhão a mais para tentar
alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 das Nações
Unidas.
Uma lei complementar, chamada Lei de
Responsabilidade Ambiental, determina “o adequado planejamento e transparência
das políticas públicas ambientais, de bioeconomia”, por intermédio da
“definição de metas, meios e resultados que assegurem a realização de ações e
serviços públicos de meio ambiente e sustentabilidade”. Discrimina 19 ações e
serviços a ser apoiados com os recursos — de capacitação de agentes públicos e
modernização da gestão ambiental a redução do desmatamento ilegal e emissão de
gases de efeito estufa no estado. O conjunto de leis abrange aspectos
específicos da conservação, mas também mira objetivos mais amplos. “O grande
mérito do pacote é que definitivamente apontamos uma solução de
autofinanciamento para a agenda ambiental do estado”, afirma o governador Helder
Barbalho (MDB). Tal solução está nas regras que asseguram percentuais
fixos de impostos ao setor, “independentemente de política de governo”.
Irão para projetos ambientais 50% da Taxa de
Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Exploração e
Aproveitamento de Recursos Hídricos (TFRH) e 10% da Taxa de Controle,
Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e
Aproveitamento de Recursos Minerários (TFRM). Terão o mesmo destino 30% das
Transferências de Compensação Financeira pelo Uso de Recursos Naturais,
royalties que a União paga a estados por projetos como a exploração mineral.
O mecanismo das taxas fortalece um princípio
correto: o agente poluidor deve financiar as políticas ambientais. Outro
aspecto positivo da destinação compulsória é permitir que os organismos
ambientais tenham previsibilidade orçamentária e independência para executar
ações de alcance duradouro, sem ficar restritos a problemas cotidianos. As leis
aprovadas no Pará estão em linha com modelos modernos de financiamento, que
buscam a sustentabilidade a longo prazo.
A fixação de metas para as diversas iniciativas, de acordo com lei complementar, é de grande importância para evitar a perda de foco. A vinculação de recursos ajuda na avaliação de resultados e na prestação de contas. Definidos os objetivos e garantidos os recursos, o governo do Pará precisará ter capacidade técnica e administrativa para formular políticas ambientais sólidas. A gestão pública continuará sendo fundamental.
Crédito e gastos dos Estados mantêm economia aquecida
Valor Econômico
Depois de perder o controle de parcela relevante para o Legislativo, com as emendas impositivas, a União perdeu também parte do controle da execução da política econômica
O ritmo de crescimento do crédito é
incompatível com a desaceleração da economia em grau suficiente para reduzir a
inflação. Os dados de abril divulgados pelo Banco Central (BC), os últimos
disponíveis, indicam um vigor que torna praticamente invisíveis os sinais
“incipientes” mencionados pelo Comitê de Política Monetária na ata de sua
última reunião, quando os juros subiram mais 0,5 ponto percentual, para 14,75%.
A economia brasileira entra em seu quadragésimo mês suportando um juro superior
a 10% e com a perspectiva traçada pelo BC de manter juros altos por um período
de tempo prolongado. No entanto, a inflação prevista é de 5,46% para o ano
corrente e de 4,5%, no teto da meta, em 2026.
O Comitê de Estabilidade Financeira do BC
(Comef), em reunião no fim de maio, resumiu a situação do crédito e os riscos
de sua ampliação diante de taxas reais de juros muito elevadas, em torno de 9%.
O crédito amplo, segundo o Comef, continua com “forte crescimento” em um
ambiente de “alto endividamento de famílias e empresas”, e, entre as empresas,
com riscos maiores de inadimplência para as pequenas e médias companhias. As
famílias, por seu lado, estão assumindo créditos nas modalidades de maior risco,
que crescem “em ritmo superior ao das modalidades de menor risco, observando-se
ainda leve piora na qualidade das concessões de crédito consignado e de cartão
de crédito”.
Apesar disso, os bancos não refrearam a
oferta de crédito e há alguma desaceleração nos empréstimos para as pessoas
jurídicas. Ainda assim os números continuam robustos. As concessões totais,
sazonalmente ajustadas, cresceram 14% nos 12 meses encerrados em abril. No mês,
o avanço foi de 3,1%. Novos créditos com recursos livres subiram 14,9%,
enquanto o crédito direcionado, com taxas controladas e substancialmente
menores, evoluíram 7,8% no mesmo período, porém com aceleração na ponta. Em
abril, cresceram 17%.
Ao longo de 12 meses, as concessões foram
maiores para as empresas (17,8%), mas as destinadas às famílias não caíram
abaixo dos dois dígitos (11,3%). As pessoas jurídicas pagaram pelos novos
empréstimos no crédito livre juros de 26% ao ano, e as pessoas físicas, mais
que o dobro, 57,4%. Nem todos os aumentos dos juros chegaram ainda ao varejo do
crédito, e cresceu a possibilidade de que o BC faça uma nova elevação marginal
da taxa de 0,25 ponto percentual.
Uma parcela significativa da captação de
crédito para as empresas não depende diretamente dos bancos, mas de captações
privadas e empréstimos obtidos no exterior, que também impulsionam a economia.
Apesar de as captações externas terem desacelerado recentemente, diante da
enorme instabilidade dos mercados causada pela guerra tarifária de Donald
Trump, o acesso ao mercado de capitais é relevante. “O mercado de capitais
segue crescendo em ritmo significativamente superior ao do crédito bancário”,
indicou o Comef. Em 12 meses encerrados em abril, os empréstimos obtidos junto
ao sistema financeiro nacional avançaram 8,7%, mas a obtenção de recursos via
títulos de dívida aumentou 22,6%, e os empréstimos externos, 11%.
Nada se compara, no entanto, ao crédito ao
maior tomador, o governo federal. O saldo de todo o crédito que percorre a
economia (ampliado) atingiu R$ 19 trilhões em abril, ou 157,6% do PIB. O do
governo foi de R$ 8 trilhões (66,1% do PIB), com expansão de 13,9% em 12 meses.
Parte dele é para pagar o custeio da máquina pública e investimentos e outra,
para rolar os títulos que vencem e quitar juros cuja carga ultrapassará R$ 1
trilhão em 2025.
O governo busca fechar o ano no piso de sua
meta fiscal, com déficit de R$ 31 bilhões. Para isso, não pode gastar como
antes, e o impulso fiscal dado à economia, preponderante em 2023, caiu para
perto de zero. Tem se dedicado agora, para manter as atividades econômicas em
bom ritmo, a ativar as torneiras do crédito. No entanto, enquanto todos os
olhos se voltam para o déficit fiscal da União, não foi devidamente notada a
grande expansão de gastos e investimentos dos Estados e municípios.
Enquanto a média trimestral dos gastos
primários da União entre 2019 e 2024 aumentou 5%, de R$ 484 bilhões para R$
508,2 bilhões, descontada a inflação, a de Estados e municípios teve alta real
de 26,4% e saltou de R$ 510,3 bilhões para R$ 645 bilhões em 2024,
ultrapassando os dispêndios do governo federal (Valor, ontem). Os cálculos são de Manoel Pires e
Bráulio Borges, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação
Getulio Vargas (FGV Ibre). O impulso fiscal dos gastos dos governos regionais
chegou em 2024 a R$ 194 bilhões, quase a metade dos R$ 406 bilhões de variação
real do PIB.
Essa “descentralização fiscal silenciosa”,
com crescimento das transferências federais, como a chama Manoel Pires,
dificulta a coordenação da política monetária e fiscal. Enquanto o governo
federal pode estar sendo obrigado a apertar os cintos, os governos regionais
estão estimulando a economia. “O equilíbrio macroeconômico é ruim”, conclui
Pires. Depois de perder o controle de parcela relevante para o Legislativo, com
as emendas impositivas, a União perdeu também parte do controle da execução da
política econômica.
Bolsonarismo seguirá contaminando a direita
nacional
Folha de S. Paulo
Recusa de Zema em reconhecer ditadura reflete
peso de Bolsonaro na eleição; cortejo ao ex-presidente tem consequências
Quando o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), declara
à Folha que é "questão de interpretação" chamar
de ditadura militar
o revezamento de generais no comando do país entre 1964 e 1985, a menos ruim
das hipóteses é que ele busca herdar votos a Jair
Bolsonaro (PL),
apologista daquele período, em uma eventual candidatura à Presidência.
Pior seria se Zema de fato acreditasse na
estultice de que um regime desse naipe, que cassou, torturou e matou
oposicionistas e críticos, não deva ser qualificado como autoritário.
Sem ter chegado a absurdos desse calibre, o
governador de São Paulo, Tarcísio
de Freitas (Republicanos), depôs como testemunha de defesa no processo
em que Bolsonaro é acusado de ter tramado um golpe de Estado em 2022. Não
apenas Tarcísio negou ter ouvido do ex-presidente qualquer plano nesse sentido,
o que em tese é plausível, como elogiou
sua passagem pelo Planalto.
Os dois governadores são potenciais
postulantes ao cargo no próximo ano, bem como os de Goiás, Ronaldo
Caiado (União Brasil),
do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), e do Rio
Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD).
Todos buscam os votos à direita, aliás abundantes em seus estados, embora com a
preocupação de não espantar eleitores mais moderados.
Nenhum deles reproduz, na prática política, o
pior do bolsonarismo —isto é, a hostilidade às instituições democráticas e a
intolerância com a divergência. Entretanto o cortejo ostensivo a Bolsonaro, do
qual apenas Leite não participa, tem consequências que podem não se limitar a
um discurso pernicioso.
Um exemplo imediato é o apoio conjunto
anunciado por Tarcísio, Zema, Caiado e Ratinho à anistia para os condenados
pelos ataques às sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023. Essa posição
naturalmente evoluirá para compromissos de perdão a Bolsonaro, como o já
assumido por Zema, em caso
nada improvável de condenação por golpismo pelo Supremo Tribunal Federal.
Mesmo já tornado inelegível, o ex-presidente
indica que manterá enquanto for possível a intenção declarada de participar da
próxima disputa presidencial, como fez Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) em 2018 —e todos os que desejarem seu endosso precisarão coonestar a farsa
até o fim.
O bolsonarismo decerto vive dias difíceis com
o julgamento de seu líder no Supremo —além de episódios laterais como a fuga da
deputada condenada Carla
Zambelli (PL-SP) para a Itália. Ainda
dispõe, porém, de vasto capital eleitoral, reforçado pela baixa popularidade de
Lula, que lhe permite manter a influência nos rumos da direita do país.
Já é ruim o bastante seus possíveis herdeiros
abraçarem, em nome da ideologia, políticas equivocadas. Que ao menos as
lideranças conservadoras mostrem disposição e capacidade de expurgar pendores à
arruaça e ao autoritarismo das franjas radicais insufladas por Bolsonaro.
Riso preso
Folha de S. Paulo
Mesmo que piadas de Leo Lins possam ser
execráveis, a pena de 8 anos de prisão que recebeu é típica de ditaduras
Encarcerar um humorista por causa de suas
piadas é medida típica de ditaduras. É deplorável que tal decisão tenha sido
tomada pela Justiça no Brasil, onde desde 1985 vigoram liberdades democráticas.
Na terça-feira (3), o comediante Leo Lins foi
condenado pela 3ª vara Criminal Federal de São Paulo a
mais de oito anos de prisão e multa de R$ 303,6 mil.
Em 2023, o Ministério
Público Federal acusou Lins de propagar discursos discriminatórios na
internet contra grupos de minorias —como negros, pessoas com deficiência e
nordestinos. Os vídeos eram de um show que o
artista apresentara em teatros em 2022.
Para a juíza Barbara de Lima Iseppi, o
humorista cometeu crimes
descritos nas leis 7.716, de 1989, e 13.146, de 2015: praticar, induzir ou
incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião e
procedência nacional e —no caso da segunda lei— de pessoa com deficiência.
A magistrada se baseia em um voto da ministra
Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para quem o
animus jocandi —a intenção de causar riso, que é excludente de tipicidade do
crime de injúria— seria um recurso ultrapassado no direito e contrário à
dignidade da pessoa humana.
Em novembro do ano passado, contudo, a Quinta
Turma do mesmo tribunal suspendeu um inquérito contra o comediante Bruno
Lambert por uma piada sobre cadeirantes. Dado o animus jocandi, não haveria
evidência de intenção (dolo) de discriminar.
Em 2018, no julgamento de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), o
ministro Alexandre
de Moraes afirmou em seu voto, seguido pela corte, que o direito à
liberdade de expressão protege opiniões "que são duvidosas, exageradas,
condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas
maiorias".
O inciso IX do artigo 5º da Constituição diz
que é livre a expressão da atividade artística. Um show de stand-up comedy é
uma performance desse tipo e, por ser do gênero humorístico, tende a se valer
de estereótipos e a esgarçar limites morais da sociedade.
Em 2023, porém, o Congresso
Nacional caminhou em sentido diverso, ao aumentar a pena para
discriminação no contexto de atividades artísticas destinadas ao público.
As piadas de Lins podem ser consideradas
execráveis. Assim como são apreciadas por seus fãs, também sofrem forte
desaprovação na esfera do debate público —que, nas democracias, é o setor mais
indicado para lidar com disputas discursivas, justamente para evitar o
punitivismo de regimes arbitrários.
Quando piada dá cadeia, salve-se quem puder
O Estado de S. Paulo
Punir piadas é sinal de fraqueza
institucional, e não de justiça. O humor é parte da liberdade que protege o que
nos incomoda, e uma sociedade plural não sobrevive à criminalização do riso
A condenação de um comediante à prisão marca
um ponto de inflexão alarmante na trajetória democrática brasileira. Mais do
que um veredicto equivocado, é a expressão mais grotesca de uma tendência
crescente: a criminalização do discurso incômodo sob o pretexto de proteger os
vulneráveis. A toga virou armadura ideológica, e o Código Penal, instrumento de
censura.
Léo Lins foi condenado a oito anos de cadeia
e quase R$ 2 milhões em multas e indenizações, não por incitar violência ou
praticar atos concretos de discriminação, mas por satirizar grupos sociais. Seu
humor seria “preconceituoso”, “humilhante”, perigoso. Nada mais perigoso, no
entanto, do que essa nova ortodoxia judicial que confunde o direito de não ser
agredido com um suposto direito de não se sentir ofendido – e que torna o
Judiciário tribunal moral, e o artista, réu político.
Uma das bases da condenação – a Lei
14.532/2023, apelidada “antipiada” – escancara o desatino. Ao prever aumento de
pena quando a ofensa ocorre “com intuito de descontração, diversão ou
recreação”, inverte um princípio liberal elementar: que o contexto artístico
deve ser protegido, e não punido com mais rigor. Pior: cria uma categoria penal
contra a liberdade artística. Uma aberração jurídica, incompatível com qualquer
concepção madura de pluralismo.
Libertar o humor do arbítrio estatal não é
capricho. É condição da liberdade. Desde Aristófanes até os criadores do Monty
Python, Casseta & Planeta ou Porta dos Fundos, o humor sempre foi uma
linguagem transgressora, perturbadora, essencial à crítica cultural, social e
política. Como a arte, o humor lida com ambiguidades, exageros e contradições.
Suprimir esse campo da linguagem é mutilar parte do espírito humano. Não cabe
ao Estado decidir o que é engraçado – nem o que é tolerável.
As piadas de Lins são preconceituosas? E daí?
A liberdade de expressão não existe para proteger discursos populares ou
elegantes que não precisam de proteção, mas sim aquilo que desagrada, desafia
convenções, irrita e até fere sensibilidades. Como ensinou Ronald Dworkin,
reconhecer a liberdade de expressão é tratar os cidadãos não como crianças a
serem tuteladas pelo Estado, mas como agentes morais autônomos, capazes de
julgar ideias por si. Como advertiu John Stuart Mill, silenciar a opinião
minoritária – mesmo quando absurda ou repulsiva – é roubar da sociedade a
chance de confrontá-la, refutá-la e amadurecer com o embate.
O caso não é isolado. O Judiciário condenou
jornalistas por divulgar com “linguagem sarcástica” dados públicos sobre
salários de magistrados. Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) mandou
destruir livros com “conteúdo preconceituoso”. A Corte ameaça reescrever o
Marco Civil da Internet, enquanto o governo Lula a pressiona a punir as redes
sociais, atropelando o Legislativo. Tudo sob a retórica de proteção da
democracia. Mas uma democracia que precisa censurar para se proteger não é uma
democracia – é um simulacro.
Sob o manto das boas intenções, a sociedade
brasileira flerta com duas tentações iliberais: a do Estado paternalista, que
infantiliza o cidadão em nome de sua proteção, e a judicialização da vida
moral, estética e cultural – como se todo dissenso precisasse ser solucionado
pelo martelo do juiz criminal.
O Brasil precisa resistir a esse impulso
regressivo e repressivo. Piadas ruins devem ser criticadas, e não
criminalizadas. Discursos odiosos devem ser desmoralizados, e não aniquilados
com prisão. O riso – inclusive o cruel, ácido, perturbador – é uma válvula
essencial das sociedades livres. Retirá-lo do espaço público é sufocar a
liberdade.
Como disse o historiador da liberdade de
expressão Jacob Mchangama: “Combater ideias iliberais com leis iliberais só
perpetua o iliberalismo”. A sentença contra Lins não protege os vulneráveis. Só
os infantiliza. Não fortalece a democracia. Só expõe suas debilidades.
É hora de desfazer essa caricatura de Justiça
e de revogar as leis grotescas que a sustentam. É hora de reafirmar que uma
democracia em que o humor é tratado como crime não é uma democracia. Porque, no
fundo, onde o riso é proibido, o pensar também está em risco.
Andando em círculos na área fiscal
O Estado de S. Paulo
Medidas para ampliar receitas e cortar gastos
voltam ao cardápio da equipe econômica, mas falta convencer o Congresso e
combinar com Lula, que não parece nem um pouco interessado no tema
Bastou a ameaça de derrubada do decreto que
elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pelo Congresso para que o
governo surgisse com um leque de opções para cumprir a meta fiscal. Pululam
propostas da equipe econômica e de outras áreas do Executivo para substituir a
medida que, até a semana passada, era a única alternativa, segundo o ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, capaz de impedir um congelamento de despesas ainda
maior que os R$ 31,3 bilhões anunciados no dia 22 de maio.
No curto prazo, de acordo com o Estadão/Broadcast,
a equipe econômica conta com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), que pode repassar até 60% de seu lucro à União.
Ainda sob a ótica das receitas, o Executivo cogita mudar a metodologia para
definição do Preço de Referência do Petróleo (PRP), utilizado como base para o
cálculo de compensações financeiras pagas por empresas.
Na área de despesas, calcanhar de Aquiles do
governo, as propostas da Fazenda são mais ousadas – portanto, difíceis de
emplacar. Uma das ideias é travar a complementação da União ao Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb) nos atuais 21%. Sem essa mudança, a
contribuição subirá a 23% em 2026. Outra sugestão é rever os pisos
constitucionais de Saúde e Educação, hoje com regras próprias vinculadas a
receitas, e submetê-los ao limite de despesas do arcabouço fiscal.
A equipe econômica também pretende investir
na pauta de revisão dos benefícios fiscais para reduzir o gasto tributário, no
projeto de lei que estabelece um limite aos supersalários como parte da reforma
administrativa, além de taxar criptomoedas e elevar a tributação sobre bets.
Como se vê, nada de essencialmente novo no front. As medidas devem ser
discutidas no próximo domingo, entre ministros e lideranças da Câmara e do
Senado.
Sobre a receptividade do Congresso, será
difícil convencer os parlamentares a rever o Fundeb, que levou anos para ser
regulamentado e que foi aprovado por ampla maioria de deputados e senadores há
pouquíssimo tempo, em 2020. Trata-se de tema sensível, ao qual parlamentares
petistas certamente vão se opor, assim como à desvinculação dos pisos
constitucionais da Saúde e da Educação.
A revisão dos subsídios também encontra muita
resistência por parte do Legislativo. Basta lembrar o impasse em torno da
desoneração da folha de pagamento, que levou o Senado a devolver parte de uma
medida provisória por meio da qual o Executivo pretendia dar fim ao benefício
de um dia para o outro. Investidores de criptomoedas e empresas de bets rapidamente
atuarão para convencer os deputados e senadores a manter tudo como está.
Ainda que nada disso aconteça e que o
Congresso realmente esteja disposto a encampar a agenda da equipe econômica, o
problema de fundo permanece o mesmo. O presidente Lula da Silva já demonstrou
diversas vezes ser contra um ajuste fiscal. “Se depender de mim, não tem”,
disse ele, em janeiro.
Nada parece ter mudado desde então. Nesta
semana, em entrevista coletiva, Lula disse que não teve tempo de discutir o
decreto sobre o IOF que ele mesmo assinou e evitou, mais uma vez,
comprometer-se com quaisquer das medidas em estudo. “Se aparece alguém com
ideia melhor e ele (Haddad) topa discutir, vamos discutir”, afirmou.
A prioridade de Lula, segundo ele mesmo, é
viabilizar a ampliação do Gás para Todos, um programa para reforma de
residências e uma linha de crédito para motociclistas que trabalham com
entrega. Para ele, o governo está na fase da “colheita”, o que, por óbvio,
exclui a possibilidade de trabalhar por medidas fiscais que possam render
frutos no futuro, mesmo aqueles que ele diz desejar, como a redução da taxa
básica de juros.
Difícil ter algum otimismo em relação aos
resultados da reunião de domingo tendo em vista a sensibilidade das medidas,
sobretudo quando o presidente não parece nem um pouco interessado nesse tema.
Espetáculo não combate corrupção
O Estado de S. Paulo
‘Punição’ de Bretas no CNJ simboliza
degradação de uma causa nobre por juízes justiceiros
A aposentadoria compulsória do juiz federal
Marcelo Bretas, decidida por unanimidade pelo Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) na terça-feira passada, encerra de forma melancólica um capítulo sombrio
da história do Poder Judiciário nacional. Como então juiz titular da 7.ª Vara
Federal do Rio de Janeiro, o sr. Bretas foi um dos mais espalhafatosos
expoentes da Operação Lava Jato, um dos magistrados que fizeram da toga uma
capa de super-herói e exerceram o poder de que foram investidos pelo Estado
confundindo justiça com justiçamento. Deu no que deu.
Em sua essência, a Lava Jato nasceu do
legítimo anseio da sociedade brasileira por um Brasil mais íntegro e menos
tolerante com a corrupção. Tratava-se, afinal, de ver materializado o princípio
republicano fundamental, qual seja, a igualdade de todos perante a lei. Mas
logo esse desejo de ver qualquer criminoso responder por seus atos,
independentemente de seu status político e financeiro, foi traído
pela personalidade vaidosa, pela sanha purgadora e pela parcialidade de
autoridades como o sr. Bretas, mais do que em boa hora afastado da judicatura.
Do ponto de vista particular, o destino
profissional de Marcelo Bretas é absolutamente irrelevante, em que pese o fato
de ser uma vergonha para qualquer república digna do nome haver um Poder que
“pune” seus membros malfeitores com o ócio remunerado. Entretanto, seu caso é
exemplar não apenas pelo que revela sobre o mau juiz, mas pelo que diz sobre a
erosão institucional causada por uma cruzada moral personalista. E quando a
vaidade e os interesses pessoais de um magistrado se sobrepõem a seu compromisso
com as leis e a Constituição, o Estado Democrático de Direito é a maior vítima.
A esta altura, com a Lava Jato morta e
sepultada, já está mais do que comprovado que a espetacularização do combate à
corrupção pode até servir para enriquecer alguns e alavancar a carreira
política de outros, mas não presta para o País. Violações de direitos e
garantias fundamentais praticadas por esses juízes justiceiros só produziram
uma legião de condenados que hoje sentem-se autorizados a posar de vítimas
diante de uma nação estupefata com a desfaçatez. Se jamais será eliminada, a
corrupção pode muito bem ser reduzida com inteligência, estratégia, serenidade
e espírito público – sem falar, evidentemente, no estrito cumprimento das leis.
O País precisa de instituições fortes, não de
heróis, muito menos de heróis togados. De magistrados se espera seriedade e
serenidade. O combate à corrupção é tarefa árdua e permanente que exige
firmeza, técnica e compromisso inarredável com o devido processo legal. Quando
essa missão é apropriada por atores movidos por ambições pessoais e sede de
glória, não se fortalece a Justiça – perverte-se.
Ao fim e ao cabo, a conta desses desmandos recai sobre a legitimidade de todo o Poder Judiciário. E os cidadãos apenas assistem, atônitos, à desmoralização de causas que deveriam unir a sociedade de modo a propiciar a construção de um Brasil mais justo para todos, como o devido combate à corrupção.
Combate à obesidade é desafio complexo
Correio Braziliense
Em um país em que o ganho de peso da
população tem se tornado um problema crônico — dados mais recentes indicam que
59% dos brasileiros estão acima do peso e que quase metade dos adultos (48%)
terá obesidade até 2044 —, diversificar e facilitar as alternativas para o
enfrentamento da doença precisa ser prioridade
A obesidade é, sem dúvidas, um dos maiores
desafios da saúde pública: crônica, progressiva, recidivante e ligada ao
surgimento de uma série de outras doenças. Trata-se de porta de entrada para
diabetes, hipertensão, cânceres, problemas respiratórios, cardiovasculares,
entre outras enfermidades. A Organização Mundial da Saúde (OMS) fala em mais de
2,3 bilhões de adultos acima do peso no mundo atualmente, dos quais 700 milhões
com obesidade.
Em maio, médicos, nutricionistas, biomédicos,
educadores físicos e outros profissionais de saúde foram apresentados à nova
Diretriz Brasileira para o Tratamento Farmacológico da Obesidade, durante o 21º
Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica. O documento, destacado
pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica
(Abeso), foi baseado em evidências científicas a partir de um consenso que
reuniu 15 sociedades médicas.
Basicamente, a nova diretriz passa a
recomendar prioritariamente medicamentos considerados de alta ou moderada
eficácia para o tratamento da obesidade: os análogos de GLP-1. São remédios
como a semaglutida, princípio ativo do Ozempic e do Wegovy; a tirzepatida, do
Mounjaro; e a liraglutida, do Saxenda.
Estudos têm mostrado benefícios dessas
substâncias para além da perda de peso. A semaglutida reduziu em até 20% os
eventos cardiovasculares em pacientes com obesidade e histórico de doença
cardíaca. A tirzepatida, por sua vez, diminuiu a incidência de diabetes tipo 2
em 99% dos pacientes que estavam com pré-diabetes.
Começam a surgir também pesquisas indicando
pontos de alerta. Como o estudo publicado, nesta semana, na revista científica
Jama Ophthalmology, relacionando o uso das famosas canetas a um risco dobrado
de desenvolvimento de degeneração macular, que pode levar à cegueira, em
idosos.
Há outras questões a serem consideradas, como
a dificuldade para a aquisição desses medicamentos — os preços variam de R$ 900
a R$ 2.400. Começa-se a se falar, inclusive, em uma espécie de exclusão de
pacientes que, de fato, precisam das chamadas canetas emagrecedoras, pela falta
de condições financeiras para adquiri-las.
Outro aspecto diz respeito à falta de
fiscalização de farmácias e até mesmo dos profissionais da saúde. As poucas
iniciativas envolvem a Polícia Federal, que atua em aeroportos e faz algumas
apreensões de canetas emagrecedoras contrabandeadas. Há uma expectativa de que,
com a obrigatoriedade da apresentação da receita, estipulada pela Anvisa em
abril último, alguns desses problemas sejam amenizados.
É certo, hoje, que o acesso e a disseminação
das novas opções terapêuticas contra a obesidade são tão complexos quanto a
doença em si. Em um país em que o ganho de peso da população tem se tornado um
problema crônico — dados mais recentes indicam que 59% dos brasileiros estão
acima do peso e que quase metade dos adultos (48%) terá obesidade até
2044 —, diversificar e facilitar as alternativas para o enfrentamento da doença
precisa ser prioridade.
Impasse em Jericoacoara
O Povo (CE)
O conflito em torno da propriedade de terras
cria uma situação de instabilidade, impactando moradores e a economia local
A polêmica em torno da propriedade de terras
na Vila de Jericoacoara, que parecia caminhar para um acordo, está prestes a
tomar o caminho da judicialização. Se isso acontecer, a perspectiva é que o
processo se arraste por anos a fio, devido à complexidade do assunto e também
pelo tempo do Judiciário, nem sempre conforme a velocidade exigida em algumas
situações.
A parte mais recente da história começa
quando a empresária Iracema Correia Santiago apresenta uma escritura de
propriedade de uma área de 73,5 hectares, a fazenda Junco I, com um trecho de
55 hectares superpostos à Vila de Jeri, localizada na cidade de Jijoca de
Jericoacoara.
A Procuradoria Geral do Estado (PGE) chegou a
fazer um acordo com a empresária para que ela ficasse com uma área menor, com a
garantia de que não seriam afetadas residências e empreendimentos na vila. No
entanto, houve protestos de moradores e comerciantes e o acerto foi suspenso.
Em reportagem na edição de ontem, o
jornalista Cláudio Ribeiro retomou o assunto, que veio a público em meados do
ano passado, informando que novas negociações haviam chegado a um impasse.
Agora, duas investigações correm em paralelo
para verificar quais são as medidas originais da fazenda Junco e a suposta
sobreposição à Vila de Jeri. Uma das investigações é mediada pela PGE; a outra
está sob a responsabilidade do Ministério Público Estadual (MPCE), por meio da
promotoria da comarca da cidade de Jijoca.
O melhor seria que o impasse fosse resolvido
de forma negociada, pois uma disputa judicial seria por demais negativa, devido
ao impacto que causaria em uma região conhecida por ser um dos principais
destinos turísticos do País, atraindo visitantes nacionais e estrangeiros.
O confronto criaria uma situação de
instabilidade para moradores, empreendedores e comerciantes, impactando
diretamente a economia local. Além disso, poderia haver prejuízos para as
partes em litígio, pois uma decisão judicial nem sempre agrada todos os litigantes,
porém, um bom acordo pode chegar a uma situação equilibrada.
A importância do turismo para a região fica
explícita no levantamento do Instituto Chico Mendes de Conservação e
Biodiversidade (ICMBio), mostrando que, em 2024, o Parque Nacional de
Jericoacoara recebeu mais de 1,2 milhão de visitas, o terceiro parque nacional
mais visitado no ano, tornando-se um dos principais destinos de natureza do
País.
O recomendável agora seria esperar o
levantamento que está sendo realizado pela PGE e pelo MPCE para chegar às
medidas originais da fazenda Junco, com a verificação dos documentos
apresentados.
Cumprida essa etapa seria de se esperar a boa
vontade das partes envolvidas para se chegar a um acordo, que preserve o
direito à propriedade, se for o caso, sem prejudicar o interesse público.
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