Folha de S. Paulo
Bolsonaro, Trump e Musk só defendem a
liberdade de expressão enquanto ela os favorece, mas isso não é motivo para
relativizar liberalismo
Gosto do que Celso Rocha
de Barros escreve, mas não gostei de sua coluna
de sábado (31), em que ele diz ou pelo menos sugere que, no embate com a
direita radical, não precisamos ser ciosos de princípios como a liberdade de
expressão.
Comecemos pelo ponto em que eu concordo com
Celso. A defesa que Bolsonaros, Trump ou Musk fazem da liberdade de expressão
pode ser qualificada como insofismavelmente falsa. Eles não estão nem um pouco
interessados na manutenção da ordem liberal. E só ver como agem.
Bolsonaro passou décadas defendendo a ditadura militar para o Brasil e, quando chegou ao poder, tentou instalar uma. Trump usa toda a força da Presidência dos EUA para calar críticos.
Eles invocam a liberdade de expressão
enquanto ela os favorece, mas a atropelam quando vai contra seus interesses.
Não é uma defesa principiológica, mas instrumental. E não é só da liberdade de
expressão que a direita radical faz uso instrumental. Ela faz o mesmo com a
própria democracia. É do autocrata turco Recep
Erdogan um dos sincericídios mais reveladores das últimas décadas:
"A democracia é como um trem; quando chegamos a nosso destino,
descemos".
Se aplicarmos o raciocínio de Celso à
sucessão democrática, liberais e progressistas estariam autorizados a não
entregar o poder quando é um candidato de direita com tendências antissistema
que vence a eleição. O problema de agir assim é que aí seriam liberais e
progressistas, não o protofascista, que estariam melando a democracia.
O núcleo da revolução liberal, que permitiu o
surgimento de democracias estáveis e uma longa era de prosperidade material nos
países que a abraçaram, é a noção de que as regras valem para todos. Princípios
importam.
Até existem situações agudas em que a democracia precisa recorrer à força para defender-se, mas elas são excepcionais, não podendo jamais converter-se em nova normalidade. Fora do poder, Bolsonaro não representa mais ameaça de golpe. O STF já não precisa recorrer a heterodoxias para processá-lo e enjaulá-lo.
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