segunda-feira, 30 de junho de 2025

Razões do mal-estar em relação à democracia brasileira - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Quando os parceiros de coalizão são rejeitados pelos seus apoiadores, a avaliação do sistema piora 

Cresce a percepção de que há algo errado em nossas instituições. Diria até que é quase consensual na opinião pública que as relações entre os três Poderes são disfuncionais. Isto se estende ao próprio funcionamento da democracia no país. Não temos dados para 2025, mas, segundo pesquisa sobre a satisfação com a democracia do Pew Research Center em setembro de 2024, o Brasil está ligeiramente abaixo da mediana global que é 45%.

Apenas 44% da população declara estar satisfeita com o funcionamento da democracia no país, enquanto 54% manifestam algum grau de insatisfação, dos quais 30% afirmam estar "nada satisfeitos". Paradoxalmente, vemos um aumento e não declínio de 7 pontos percentuais em relação a 2023. O Brasil opera na tendência oposta das democracias de alta renda, nas quais se observa queda acentuada nos últimos anos (de 49% em 2021 para 36% em 2024) na satisfação com a democracia.

Mas o mais instigante para analisarmos o "malaise" na conjuntura atual sobre a democracia é como ela varia entre grupos de eleitores. Esta variação nos dá a chave para o consenso negativo atual sobre o funcionamento da democracia. A percepção sobre como o funcionamento das instituições é moldada por vários fatores já identificados em pesquisas sobre o assunto. Um fator decisivo é que ela difere entre os ganhadores e perdedores das eleições (o "winner-loser gap", no jargão).

Há também fortes clivagens ideológicas: entre eleitores de esquerda, 56% estão satisfeitos; entre os de direita, apenas 35%. O fator mais determinante, porém, é o alinhamento com o governo: apoiadores da coalizão governista relatam níveis de satisfação 25 pontos percentuais mais altos que os opositores.

Esses dados revelam um padrão comum em democracias polarizadas: a legitimidade das instituições passa a ser filtrada pelo vínculo partidário, e a percepção de responsividade política se torna mais volátil. A democracia é vista com mais confiança quando o "meu lado" está no poder, e com mais desconfiança quando está na oposição.

O que parece estar ocorrendo no momento é a queda da satisfação com a democracia entre os ganhadores, ou seja, entre os apoiadores da coalizão governista. Em "Strange Bedfellows: Coalition Make-up and Perceptions of Democratic Performance Among Electoral Winners", Electoral Studies, 2016 (Estranhos parceiros: composição da coalizão e percepção de desempenho da democracia entre eleitores vitoriosos), os autores utilizam microdados de pesquisas com 18 mil eleitores de 46 países para testar a clivagem vencedor-perdedor em governos de coalizão.

Concluem que os parceiros da coalizão importam para a satisfação com a democracia. Nos casos em que há o que os autores chamam de "ambivalência de coalizão" —ou seja, se os parceiros de coalizão são rejeitados—, a avaliação do governo e do funcionamento da democracia piora.

O infortúnio faz estranhos companheiros de cama (Shakespeare, "A Tempestade"). Quando o Executivo se enfraquece, eles lhes dão as costas. Assim, entre os eleitores, os vencedores se veem como perdedores. Governar com más companhias cobra um preço entre vitoriosos. Mas mitiga a insatisfação entre os perdedores.

*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.