domingo, 1 de junho de 2025

Treze dias que abalaram o país - Bernardo Mello Franco

O Globo

Da renúncia de Jânio à solução parlamentarista, Brasil esteve à beira de uma guerra civil

Em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros chocou o país ao renunciar à Presidência. Sem maiores explicações, alegou que “forças terríveis” o impediam de governar. O vice-presidente João Goulart estava no exterior, e os ministros militares avisaram que ele não tomaria posse. No Rio Grande do Sul, o governador Leonel Brizola distribuiu armas à população e prometeu resistir em nome da legalidade.

“A renúncia de Jânio quase leva o país a uma guerra civil”, resume a socióloga Maria Victoria Benevides em depoimento à nova série documental “1961”, de Amir Labaki. Em três capítulos, a produção reconstitui a crise que terminou sem derramamento de sangue, mas pavimentou o caminho para o golpe de 1964.

“Foram 13 dias que abalaram o Brasil”, diz Labaki, numa referência ao livro de John Reed sobre a Revolução Russa. “Os militares foram pegos de surpresa pela renúncia. Ninguém sabia direito o que estava acontecendo”, conta o diretor.

O primeiro capítulo da série discute a obscura personalidade de Jânio, definido por seu ministro Afonso Arinos como “a UDN de porre”. Eleito com a promessa de varrer a corrupção, ele se ocupou com medidas exóticas, como a proibição do biquíni e das rinhas de galo. A ex-primeira-dama Maria Thereza Goulart confidencia que sempre o achou “uma figura meio estranha”. A atriz Fernanda Montenegro é mais direta: “um desajustado mental”.

Ninguém diverge da visão de que a renúncia foi uma tentativa desastrada de autogolpe. Jânio sabia que os militares não aceitavam seu vice e esperava voltar ao Planalto com superpoderes. Faltou combinar com o Congresso, que percebeu a jogada e correu para empossar o deputado Ranieri Mazzilli como presidente interino.

O embaixador Rubens Ricupero, na época um jovem diplomata, saiu de Brasília preocupado. “Lembrei daquele soneto do Carlos Drummond de Andrade: ‘Perdi o bonde e a esperança / Volto pálido para casa’. Desde aquele dia, senti que o golpe era inexorável”, afirma.

Para o governador gaúcho, a batalha estava só começando. Cunhado de Jango, ele apostou na mobilização popular para garantir sua posse. “A grande arma do Brizola foi o rádio”, diz o jornalista Flávio Tavares, que acompanhou a Campanha da Legalidade. O ministro da Guerra chegou a dar ordens para bombardear o Palácio Piratini, que era protegido por milhares de civis. A carnificina foi evitada por sargentos da FAB que furaram os pneus dos aviões para impedi-los de decolar.

Para desgosto de Brizola, Jango fez acordo com os militares e aceitou tomar posse com poderes reduzidos, num arremedo de parlamentarismo que teria vida curta. “O que aconteceu foi um trailer, um ensaio teatral para 1964”, analisa o ex-ministro Ricupero. “A vassoura de Jânio abriu caminho para a espada do golpe”, sintetiza a professora Benevides.

Além das entrevistas e imagens de arquivo, “1961” apresenta informes da CIA recém-liberados pela Casa Branca e trechos inéditos do depoimento do general Ernesto Geisel ao colunista Elio Gaspari. O primeiro capítulo vai ao ar quinta-feira às 21h30, no Canal Brasil e no Globoplay.

Labaki baseou o roteiro em seu primeiro livro: “1961 —A crise da renúncia e a solução parlamentarista”, lançado há 39 anos pela editora Brasiliense. Para o diretor, a história narrada na série contém uma lição bem atual: é preciso punir quem ataca a democracia e tenta dar golpe de Estado. “Os golpistas de 1961 foram anistiados, voltaram a conspirar e derrubaram o governo três anos depois”, alerta.

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