sexta-feira, 6 de junho de 2025

Zema nega ditadura em dias de pânico bolsonarista - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Entrevista do governador de Minas à Folha é sinal da movimentação errática do bolsonarismo, que se vê às portas da condenação por golpismo

Um dos mais medíocres políticos bolsonaristas —se é que essa escala faz algum sentido–, o governador de Minas, Romeu Zema, declarou em entrevista à Folha que a existência da ditadura militar no Brasil é "uma questão de interpretação". A declaração vem em momento de grande alvoroço no bolsonarismo, causado pelo julgamento da trama golpista.

O naufrágio do projeto de anistia, as evidências do envolvimento militar, a proximidade da convocação de Jair Bolsonaro para depor e a firmeza do STF provocam pânico e nervosismo.

Eduardo Bolsonaro já fugiu e foi seguido pela periférica Carla Zambelli. Ambos se comprometem com a delirante tentativa de conspiração internacional para deter o que seria a "ditadura" do Supremo.

Há também aqueles, como Zema, que lambem as botas do capitão inelegível na expectativa de, na sua falta, se apresentar como alternativa para liderar esse Brasil aparvalhado, de fanfarras militares, berrantes, motosserras, negacionismo, homofobia e assombrações religiosas. Gente que esconjura o "comunismo", mas adora pingar dinheiro em blusinhas de sites chineses.

A condenação do golpismo bolsonarista, com seu saudosismo autoritário, a passar pano para a ditadura militar e a tramar contra as instituições, está aí a caminho, para a infelicidade dos simpatizantes e de certos setores de elite da direita —aqueles que, incapazes de formular uma alternativa eleitoral liberal democrática competitiva, preferem uma carona no atraso a enfrentar o desafio inadiável de superação do fosso social e da reformulação das bases econômicas em tempos de crise climática.

O fenômeno, sabemos, não é exclusivo do Brasil. A ascensão do populismo de ultradireita é fato mais do que conhecido mesmo em países como os EUA, que em outros tempos eram referências estruturadas de princípios democráticos.

A cruzada antiliberal de Trump vai erodindo valores básicos do convívio democrático e colocando no tabuleiro internacional o projeto de uma nova ordem autocrática na qual a guerra tarifária comercial coabita com o reconhecimento do controle geopolítico de zonas de influência por Estados e líderes com poderio militar, a exemplo de Putin e Xi Jinping.

Ao mesmo tempo que sabota o projeto social-democrata europeu, Trump apoia a matança em massa e a limpeza étnica de Netanyahu, que ainda poderá levar Israel até a se associar à monarquia sanguinária da Arábia Saudita, velha aliada da América, num cenário assustador.

Está claro que vivemos um momento de entropia em escala global, com a quebra de referências e um rearranjo de forças.

Os EUA têm sentido o golpe da perda de terreno para a China, contra a qual trava uma corrida pelo domínio da inteligência artificial. É o objetivo estratégico da pauta do grupo de bilionários do Vale do Silício que apoia Trump.

É um exagero dizer que a maior potência ocidental está em plena decadência, que a democracia já está condenada e que a China vai ganhar a disputa.

Nada disso, porém, está fora do horizonte. Alguma decadência está em curso, tanto quanto investidas contra a ordem liberal democrática. Da mesma forma, a resposta chinesa às restrições a seu setor de IA já foi capaz de assombrar os americanos –e sua crescente influência internacional é evidente por si só.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.