O Globo
A reflexão sobre os 100 anos do jornal tem
sido um esforço de pensar o mundo, o Brasil, as mudanças da sociedade e o
futuro
O jornal tinha 66 anos quando eu comecei a
trabalhar aqui em 1991. Na terça, ele completa 100 anos. Nesses 34 anos a
população brasileira aumentou em 66,6 milhões de pessoas. O centenário tem sido
para nós um mergulho. A natureza do ofício impede um olhar só para dentro. A
matéria-prima do jornal é aquilo que está fora da empresa, as notícias, os
inesperados. A reflexão sobre o jornal tem sido esse esforço de pensar o mundo,
o Brasil, as rupturas da comunicação, a sociedade brasileira em mutação, o futuro.
Em 1925, o país estava em ebulição. Segundo o embaixador Rubens Ricupero aquele foi um ano em que todas as contradições do país estavam à mostra porque era o início da “agonia e crepúsculo da República Velha”. Havia crise política e econômica. O jornal chega ao seu primeiro século na semana mais decisiva do pior conflito na relação bicentenária do Brasil com os Estados Unidos. A estranha contagem regressiva imposta pelo presidente Donald Trump faz a semana começar tensa.
Em 1991, quando estreei a coluna, o país
vivia ainda os reflexos da forte queda do PIB do ano
anterior provocada pelo sequestro dos ativos financeiros de famílias e empresas
decretado pelo Plano Collor. A economia estava no chão, tentando sair do clima
recessivo. O registro do IpeaData dá 1% de crescimento. A inflação, que
havia sido tratada com imperícia pelo pior dos planos econômicos, voltara a
subir e fechou o ano em 473%. Subiria muito mais nos dois anos seguintes até
o Plano
Real de 1994, que inaugurou uma nova era no Brasil.
Para resumir o imenso da vida e da História,
digo que durante esses 100 anos, o país buscou a institucionalidade política e
econômica em terreno acidentado. Saiu de um governo oligárquico para uma
democracia de massas. Superou a tolerância com a inflação alta e derrotou a
hiperinflação. Hoje, o índice é olhado em minúcias. O segundo número depois da
vírgula importa. Na sexta, o IBGE informou
que o IPCA-15
deu 0,33% em julho e, em julho do ano passado, havia sido de 0,30%. A
taxa que seria um sonho em 1991 é o cotidiano. E não estamos satisfeitos, pelo
contrário. A inflação em doze meses está em 5,30%, apesar de a meta ser 3%.
Continuamos com problemas sérios com os
gêmeos déficit-dívida, com a manutenção do crescimento e com dificuldade de
entender que desenvolvimento tem que ser com a proteção do meio ambiente. A
desigualdade permanece sendo o centro dos nossos defeitos. Apesar dos
problemas, no combate à inflação há um ponto para marcar o antes e o depois,
que foi 1994.
Na busca pela democracia, o Brasil passou por
tumultos nesse um século. Duas ditaduras, muitas tentativas de golpe de Estado,
militares sempre à espreita. Mesmo assim há também uma data relevante para o
antes e o depois na institucionalidade política. O ano de 1988 da promulgação
da nova Constituição. Só que o fantasma, que pensávamos exorcizado, reapareceu
durante o governo Bolsonaro.
É simbólico que na semana passada o país
tenha ouvido um general dizer ao STF que,
sim, ele pensou em matar presidente, vice presidente e um ministro do STF. O
general Mário Fernandes deu a seguinte resposta ao confessar a autoria do
documento “Punhal Verde e Amarelo”, impresso no Palácio do Planalto: “Esse
arquivo digital, que retrata um pensamento meu que foi digitalizado, é um
estudo de situação. Uma análise de risco que fiz e, por costume próprio,
resolvi digitalizar. Esse pensamento digitalizado não foi compartilhado com
ninguém”.
Em que conjuntura política um general com
cargo na sede da presidência se dá a liberdade de fazer tal devaneio? O
“pensamento digitalizado” era matar três autoridades da República e romper com
a ordem democrática. É esse fantasma que o Supremo enfrenta na Ação Penal 2668.
Haverá sempre pontos de dúvida em votos dos ministros ou em decisões do
relator. Mas é importante o país não perder o foco. O Brasil está enfrentando o
cerne da questão democrática. Depois de três décadas, o autoritarismo tentou
retomar o controle.
O futuro promete muitas emoções e delas
daremos notícia em todas as plataformas impressas, eletrônicas, digitais. O que
era um vespertino que, em dias tensos, rodava várias edições, hoje é um fluxo
contínuo de informações que pode ser acessado em qualquer hora, meio e lugar. A
travessia do tempo adiante de nós também precisará do indispensável: a
companhia das leitoras e dos leitores.
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