quarta-feira, 16 de julho de 2025

Covardia - Nicolau da Rocha Cavalcanti


O Estado de S. Paulo

É preciso que o custo político da tarifa de 50% recaia integralmente sobre quem suscitou, incentivou e comemorou a sanção

Primeiro ato. Em março, um deputado, que recebeu mais de 700 mil votos nas eleições de 2022, pediu licença do mandato para mudar-se com sua família para os Estados Unidos, dizendo ser exilado político. Estando lá, seu objetivo declarado passou a ser a obtenção de alguma sanção do governo de Donald Trump contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator da ação penal na qual seu pai é réu. Ou seja, o parlamentar ignorou seus deveres públicos no Legislativo para tentar achacar integrantes do Judiciário. Abandonou seus eleitores para cuidar de interesses familiares.

Mas a iniciativa teve efeito muito diferente do pretendido. Ele não obteve a tão almejada sanção contra o ministro do STF, e sim uma sanção contra todos os brasileiros. Motivado pela desinformação difundida pelo parlamentar licenciado, o presidente Donald Trump anunciou que pretende impor uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros. Até então, o Brasil não era alvo do governo americano. No famoso anúncio de Donald Trump de 2 de abril, a tarifa para o Brasil era de 10%.

A situação é absurda, mas há um fato ainda mais constrangedor para o deputado eleito pelo Estado de São Paulo. A sanção americana atinge especialmente os cidadãos paulistas, seus eleitores. São Paulo é o Estado da Federação mais prejudicado com a ameaça de Donald Trump.

No entanto, em vez de pedir desculpas publicamente a seus eleitores, em vez de tentar imediatamente reverter a sanção contra o País – o que os brasileiros têm a ver com a situação penal de seu pai? Por que eles têm de pagar pelo fato de o seu pai ser réu na Justiça brasileira? –, o deputado comemorou a decisão de Donald Trump.

Uma observação. Ainda que os parlamentares não estejam sujeitos à tipificação própria dos crimes de responsabilidade, para se ter uma noção da gravidade dos fatos relatados, vale mencionar a Lei 1.079/1953. É crime de responsabilidade “entreter, direta ou indiretamente, inteligência com governo estrangeiro, provocando-o a (...) cometer hostilidade contra a República” (art. 5.º, caput e I). Ou seja, o que fez o parlamentar licenciado seria motivo suficiente para um presidente da República perder o seu cargo.

Segundo ato. Assim que o País recebeu a ameaça do governo americano, um senador comparou as sanções provocadas por seu próprio irmão, o tal deputado licenciado, com as bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos contra o Japão, sugerindo que a única medida sensata era a rendição incondicional aos pleitos de Donald Trump. Haja covardia. Haja tentativa de subjugar o interesse nacional aos interesses particulares da própria família.

Se o senador está convicto da gravidade da ameaça de Donald Trump, o primeiro a fazer é exigir que seu irmão desfaça a imensa lambança que fez. É de extrema covardia valer-se de uma fala falsamente prudente para obter exatamente o que a ameaça estrangeira estaria exigindo. Não se pode esquecer: a ameaça foi motivada por seu irmão. O senador alardeia, portanto, que os atos de sua própria família teriam colocado o Brasil na posição de refém de um país estrangeiro. Haja desfaçatez.

Não há dúvida de que, com essa atitude, o senador quebrou o decoro exigido de um parlamentar.

É preciso elevar o nível da política brasileira. É preciso banir da vida pública os covardes. É preciso que o custo político da tarifa de 50% recaia integralmente sobre quem suscitou, incentivou e comemorou a sanção contra o Brasil.

É falsa a narrativa de que a nova tarifa de 50% seria, em último termo, responsabilidade do governo atual. O presidente Lula estava há mais de dois anos no poder quando, em abril, Donald Trump fixou em 10% a tarifa de importação sobre os produtos brasileiros. A tarifa de 50% é responsabilidade da família que, a cada dia, torna-se mais notória por sua covardia, por sua insolência, por sua capacidade de continuar causando danos ao País.

Há uma circunstância agravante, que torna ainda mais deletérios os atos do deputado em seu exílio norte-americano. Ele recolocou o STF no papel de vítima, precisamente quando o Brasil começava a reunir, depois de anos, condições para discutir, com serenidade e maturidade, o papel e a atuação do Supremo. Veja, por exemplo, a criação pela OAB/SP, no mês passado, da Comissão de Estudos para a Reforma do Judiciário. Estávamos, enquanto sociedade, começando a dar passos, para então vir o deputado... A pressão de um país estrangeiro sobre a Justiça brasileira não contribui, para dizer o mínimo, com o debate interno sobre a atuação do STF.

Frente à tamanha irresponsabilidade, a nossa melhor resposta é a maturidade. Não precisamos de um país estrangeiro para resolver nossas questões internas. Não precisamos escalar disputas que prejudicam o Brasil e os brasileiros – e só interessam a uma família. Queremos paz e saberemos manter e fortalecer a paz, as boas relações com nossos países parceiros. Mas não transigiremos com os covardes, com aqueles que, para salvar a pele de familiares, causam danos a todo o País. Não passarão.

 

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