O Estado de S. Paulo
É preciso que o custo político da tarifa de 50% recaia integralmente sobre quem suscitou, incentivou e comemorou a sanção
Primeiro ato. Em março, um deputado, que
recebeu mais de 700 mil votos nas eleições de 2022, pediu licença do mandato
para mudar-se com sua família para os Estados Unidos, dizendo ser exilado
político. Estando lá, seu objetivo declarado passou a ser a obtenção de alguma
sanção do governo de Donald Trump contra o ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Alexandre de Moraes, relator da ação penal na qual seu pai é réu. Ou
seja, o parlamentar ignorou seus deveres públicos no Legislativo para tentar
achacar integrantes do Judiciário. Abandonou seus eleitores para cuidar de
interesses familiares.
Mas a iniciativa teve efeito muito diferente do pretendido. Ele não obteve a tão almejada sanção contra o ministro do STF, e sim uma sanção contra todos os brasileiros. Motivado pela desinformação difundida pelo parlamentar licenciado, o presidente Donald Trump anunciou que pretende impor uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros. Até então, o Brasil não era alvo do governo americano. No famoso anúncio de Donald Trump de 2 de abril, a tarifa para o Brasil era de 10%.
A situação é absurda, mas há um fato ainda
mais constrangedor para o deputado eleito pelo Estado de São Paulo. A sanção
americana atinge especialmente os cidadãos paulistas, seus eleitores. São Paulo
é o Estado da Federação mais prejudicado com a ameaça de Donald Trump.
No entanto, em vez de pedir desculpas
publicamente a seus eleitores, em vez de tentar imediatamente reverter a sanção
contra o País – o que os brasileiros têm a ver com a situação penal de seu pai?
Por que eles têm de pagar pelo fato de o seu pai ser réu na Justiça brasileira?
–, o deputado comemorou a decisão de Donald Trump.
Uma observação. Ainda que os parlamentares
não estejam sujeitos à tipificação própria dos crimes de responsabilidade, para
se ter uma noção da gravidade dos fatos relatados, vale mencionar a Lei
1.079/1953. É crime de responsabilidade “entreter, direta ou indiretamente,
inteligência com governo estrangeiro, provocando-o a (...) cometer hostilidade
contra a República” (art. 5.º, caput e I). Ou seja, o que fez o parlamentar
licenciado seria motivo suficiente para um presidente da República perder o seu
cargo.
Segundo ato. Assim que o País recebeu a
ameaça do governo americano, um senador comparou as sanções provocadas por seu
próprio irmão, o tal deputado licenciado, com as bombas atômicas lançadas pelos
Estados Unidos contra o Japão, sugerindo que a única medida sensata era a
rendição incondicional aos pleitos de Donald Trump. Haja covardia. Haja
tentativa de subjugar o interesse nacional aos interesses particulares da
própria família.
Se o senador está convicto da gravidade da
ameaça de Donald Trump, o primeiro a fazer é exigir que seu irmão desfaça a
imensa lambança que fez. É de extrema covardia valer-se de uma fala falsamente
prudente para obter exatamente o que a ameaça estrangeira estaria exigindo. Não
se pode esquecer: a ameaça foi motivada por seu irmão. O senador alardeia,
portanto, que os atos de sua própria família teriam colocado o Brasil na
posição de refém de um país estrangeiro. Haja desfaçatez.
Não há dúvida de que, com essa atitude, o
senador quebrou o decoro exigido de um parlamentar.
É preciso elevar o nível da política
brasileira. É preciso banir da vida pública os covardes. É preciso que o custo
político da tarifa de 50% recaia integralmente sobre quem suscitou, incentivou
e comemorou a sanção contra o Brasil.
É falsa a narrativa de que a nova tarifa de
50% seria, em último termo, responsabilidade do governo atual. O presidente
Lula estava há mais de dois anos no poder quando, em abril, Donald Trump fixou
em 10% a tarifa de importação sobre os produtos brasileiros. A tarifa de 50% é
responsabilidade da família que, a cada dia, torna-se mais notória por sua
covardia, por sua insolência, por sua capacidade de continuar causando danos ao
País.
Há uma circunstância agravante, que torna
ainda mais deletérios os atos do deputado em seu exílio norte-americano. Ele
recolocou o STF no papel de vítima, precisamente quando o Brasil começava a
reunir, depois de anos, condições para discutir, com serenidade e maturidade, o
papel e a atuação do Supremo. Veja, por exemplo, a criação pela OAB/SP, no mês
passado, da Comissão de Estudos para a Reforma do Judiciário. Estávamos,
enquanto sociedade, começando a dar passos, para então vir o deputado... A
pressão de um país estrangeiro sobre a Justiça brasileira não contribui, para
dizer o mínimo, com o debate interno sobre a atuação do STF.
Frente à tamanha irresponsabilidade, a nossa
melhor resposta é a maturidade. Não precisamos de um país estrangeiro para
resolver nossas questões internas. Não precisamos escalar disputas que
prejudicam o Brasil e os brasileiros – e só interessam a uma família. Queremos
paz e saberemos manter e fortalecer a paz, as boas relações com nossos países
parceiros. Mas não transigiremos com os covardes, com aqueles que, para salvar
a pele de familiares, causam danos a todo o País. Não passarão.
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