Valor Econômico
Dados legislativos ajudam a investigar se a
profecia de Ulysses Guimarães se cumpriu
“Está achando ruim este Congresso? Então
espera o próximo: será pior. E pior, e pior” A frase, atribuída a Ulysses
Guimarães (1916-1992), teria sido dita ao final da Assembleia Nacional
Constituinte, presidida por ele.
O “Senhor Diretas” tinha visão. Deputado
federal por onze mandatos consecutivos e presidente da Câmara em três ocasiões
(1956-1958, 1985-1987 e 1987-1989), doutor Ulysses já antevia ao que levaria o
sistema eleitoral previsto na nova Constituição.
Nos últimos anos, com a intensificação das
crises entre os Poderes, o vaticínio de Ulysses vem sendo repetido.
Em parte, essa sensação pode estar associada a uma mudança geracional e, como decorrência, também a um novo estilo de se fazer política no Brasil.
Vimos nos últimos anos o ocaso - por morte,
aposentadoria ou escândalos - dos grandes nomes da redemocratização brasileira.
Saíram de cena figuras como o próprio Ulysses, José Sarney, FHC, José Serra,
Ramez Tebet, Pedro Simon, Tasso Jereissati, José Genoíno, José Dirceu, entre
tantos outros. Gostemos ou não deles, eram políticos que entendiam o jogo,
sabiam ceder no momento certo e negociavam acordos.
Embora ainda existam herdeiros dessa
linhagem, os holofotes hoje recaem sobre personagens midiáticos como Nikolas
Ferreira, Eduardo Bolsonaro, Cleitinho Azevedo, André Janones, Érika Hilton,
Guilherme Boulos, entre outros campeões de seguidores nas redes sociais.
Com um estilo agressivo, guiados pela
denúncia e a lacração, esses parlamentares - gostemos ou não deles - transmitem
a percepção de que temos um Congresso mais voltado para gerar impasses do que a
construção de consensos.
Na última semana eu tive a honra de
participar da banca de examinação da tese de doutorado da cientista política
Lílian Barros Carvalho, orientada pela professora Mariana Batista (UFPE). A
nova doutora analisou o destino de 50.320 proposições apresentadas por
deputados federais entre 1995 e 2024 e demonstrou estatisticamente que os
parlamentares mais experientes (com passagem prévia pelas Assembleias
Legislativas estaduais ou que exerceram mais de um mandato no Congresso) e
níveis de escolaridade mais altos são mais bem-sucedidos na tramitação de suas
agendas.
O trabalho de Lílian Carvalho me fez lembrar
da frase de Ulysses e me levou a refletir: será que temos realmente um
Congresso com uma das piores composições desde o fim da ditadura militar?
Embora essa avaliação sempre tenha um grau
elevado de subjetividade, a literatura estrangeira e nacional, revisada na tese
de Carvalho, aponta que, na média, idade, escolaridade, experiência política
prévia e presença feminina influenciam positivamente a qualidade do parlamento.
Para investigar se a percepção do senso comum
se confirma, mergulhei então nos dados.
Em termos de maturidade, a Câmara atual tem
idade média de 50,6 anos, um pouco superior à verificada desde 1987 (50,2 anos)
e maior do que a do tempo em que Ulysses comandou aquela Casa (48 anos).
Quanto à experiência prévia, na composição
atual 56,5% dos deputados já exerceram um mandato anterior na Câmara, média um
pouco inferior à de todo o período da Nova República (58,9%), mas ainda assim
maior do que no período de Ulysses (49,7%).
No que diz respeito à escolaridade, 82,7% dos
deputados atuais têm ensino superior completo, maior índice da série histórica.
A presença feminina na Câmara atualmente
(18,4%) também é a maior da Nova República (em 1987-1991 era de apenas 4,4%),
mas ainda estamos num constrangedor 133º lugar em representatividade de
mulheres no Parlamento, segundo o ranking do Inter-Parliamentary Union.
Os dados acima, portanto, indicam que a
Câmara de hoje (é preciso analisar o Senado também) não tem um perfil pior do
que a de outras legislaturas, segundo as características às quais a ciência
política associa um melhor nível político - muito pelo contrário.
Em termos de produção tampouco os
parlamentares atuais fazem feio. Embora o número de PECs tenha caído muito na
atual legislatura (21 por ano, frente a uma média de 100,3 desde 1987), a
Câmara atual é bastante profícua na produção de novos projetos de lei ordinária
(4.992 por ano, comparado com a média de 2.246,5) e complementar (218,5,
comparado com uma tendência histórica de 111,4).
Mas uma coisa que este Congresso não se
mostra, definitivamente, é colaborativo com o presidente da República. Foram
rejeitadas, tácita ou diretamente, 81,7% das medidas provisórias editadas por
Lula. Esse número é quase o dobro do índice de derrotas de Bolsonaro (42,6%) e
não tem nem comparação com o primeiro (9,6%) e o segundo (16,8%) mandatos do
petista.
A se pautar pelos dados, podemos atualizar a profecia de Ulysses Guimarães. Se em termos de perfil e produção legislativa o Congresso atual não foge do padrão da Nova República - em muitos casos é até melhor do que a média -, em termos de postura, os petistas têm toda a razão em reclamar: este é o pior Congresso da história, pelo menos para Lula.
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