O Globo
Foi bastante arrojada a estratégia de Eduardo
Bolsonaro de fazer gestões junto ao Partido Republicano e à Casa Branca para
conseguir que os Estados Unidos interviessem
na política brasileira e reequilibrassem o jogo de poder institucional, que
hoje parece desfavorável aos bolsonaristas.
Quando os frutos desse trabalho se expressaram na forma não de sanções individuais contra ministros do Supremo, mas de duríssimas tarifas contra os produtos brasileiros, os bolsonaristas se viram com um problema: a reação americana não atingia apenas os atores que prejudicam a direita, mas um número grande de empresários e trabalhadores brasileiros.
Logo depois que Trump anunciou as tarifas, a
situação, já complicada para a direita, ficou ainda mais difícil quando Eduardo
Bolsonaro, em carta com Paulo Figueiredo, explicitamente assumiu a
paternidade da medida, talvez por vaidade:
— Nos últimos meses, temos mantido intenso
diálogo com autoridades do governo do presidente Trump, sempre com o objetivo
de apresentar, com precisão e documentos, a realidade que o Brasil vive hoje. A
carta do presidente dos Estados Unidos apenas confirma o sucesso na transmissão
daquilo que viemos apresentando com seriedade e responsabilidade.
Com esse documento reivindicando protagonismo
na medida, a direita teria dificuldade de, se não criticar, ao menos se afastar
da ação de Donald Trump,
já que isso implicaria também tomar distância da movimentação de um preeminente
integrante da família Bolsonaro.
A primeira reação dos bolsonaristas foi
atribuir a Lula a
culpa pela medida. O argumento era que os desmandos de Lula haviam provocado a
reação dura de Trump em defesa da democracia brasileira. Caberia, portanto, a
Lula reorientar o seu governo e sentar-se à mesa para negociar com Trump a
suspensão das tarifas.
Mas havia muitos buracos nessa linha de
argumentação. Em primeiro lugar, era preciso esquecer que Trump, o secretário
de Estado, Marco Rubio e os políticos republicanos não se manifestaram
espontaneamente, mas foram insistentemente instados a agir por ativistas
brasileiros radicados nos Estados Unidos. Era preciso também confundir a
audiência, atribuindo a Lula uma responsabilidade que obviamente era do
Supremo. A carta de Trump condena o indiciamento de Bolsonaro e a suspensão de
contas em mídias sociais, todas ações tomadas independentemente pelo STF.
Por fim, era preciso minimizar o impacto das medidas, que não recai apenas
sobre os inimigos dos bolsonaristas, mas sobre largas parcelas da população.
Era preciso fazer o público esquecer que um dos principais prejudicados é o
agronegócio.
Nas redes bolsonaristas, vimos um
bate-cabeças. O governador Romeu Zema disse,
primeiramente, que “as empresas e os trabalhadores brasileiros vão pagar, mais
uma vez, a conta do Lula, da Janja e do STF”. A reação foi tão forte que em
seguida ele se reposicionou, dizendo mais claramente que a tarifa de Trump “é
uma medida errada e injusta que precisa ser revista porque penaliza todos os
brasileiros — gente que votou contra e a favor do Lula”.
Tarcísio disse primeiramente que “Lula
colocou sua ideologia acima da economia, e esse é o resultado”. Depois, foi
obrigado a corrigir a rota e afirmar que “as pessoas não querem saber de
narrativa, querem ver o trabalho acontecendo para melhorar a vida delas”.
O pastor Silas
Malafaia e o deputado Nikolas
Ferreira seguiram o mesmo caminho e tiveram de suportar nos
comentários a irritação de seguidores protestando contra manifestações que
pareciam tomar o partido de quem havia agredido o Brasil.
A medida impopular de Trump veio em bom
momento para o governo, cuja base vinha sendo reenergizada com o discurso pela
justiça tributária. A manifestação na Avenida Paulista pela taxação dos mais
ricos foi renomeada como “Brasil para os brasileiros” e atraiu público
expressivo. Pela primeira vez em muitos anos, foi da mesma dimensão que as
bolsonaristas.
A manobra desastrada de Eduardo Bolsonaro
custará caro. Pôs os aliados de Bolsonaro em situação difícil e gerou revolta
em setores amplos da sociedade brasileira. O governo, que vinha de uma
mobilização bem-sucedida, receberá impulso adicional. Esses dois elementos
combinados podem produzir uma grande onda pró-governo.
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