Inflação de
serviços continua um entrave para BC atingir meta
Valor Econömico
Preços dos
serviços subiram 6,18% nos doze meses encerrados em junho
A inflação de serviços continua oferecendo resistência à queda
da inflação, e seu nível se mantém incompatível com a meta de 3%. O Copom se
reúne hoje e deve manter o forte aperto monetário, com taxa de juro real de
quase 10%, por um período prolongado. A sustentação dos preços dos serviços tem
suporte na política oficial de correção do salário mínimo acima da inflação —
INPC mais a variação do PIB de dois anos antes, com ajuste real garantido de 3%
neste e no próximo ano.
A política de reajuste real do salário mínimo influencia a
elevação de outras faixas salariais, a remuneração dos servidores públicos e
até dos trabalhadores informais e sem carteira assinada, além da correção das
aposentadorias e pensões — de resto sustentados também pela baixa taxa de
desemprego e pelo mercado de trabalho aquecido. Estudo da LCA4Intelligence
constatou que o reajuste dos salários tem forte impacto na demanda de serviços.
Em números, quantifica o estudo — ele justifica quase 70% da inflação de
serviços (Valor, 24/7), que costuma subir mais lentamente e é difícil de ser
reduzida depois.
A inflação de serviços está rodando em patamar superior ao do IPCA geral, segundo o IBGE. Após subir 0,26% em maio e 0,24% em junho, o IPCA acumula 2,99% no semestre. Em 12 meses, ficou em 5,35%, pelo sexto mês consecutivo acima da banda perseguida pelo BC, que tem centro em 3% e teto em 4,5%. No agregado especial de serviços, porém, a inflação mais que dobrou, de 0,18% em maio para 0,40% em junho, acumulando 6,18% em 12 meses, quase 1 ponto acima do índice geral.
Depois de ter desacelerado em maio com o recuo dos preços das
passagens aéreas, os serviços escalaram em junho. A alta do transporte por
aplicativo, de 13,77%, puxou o índice para cima, contribuindo para que o grupo
de Transporte aumentasse 0,27%. O transporte por aplicativo subiu nada menos do
que 44,49% em 12 meses. A alimentação fora do domicílio também veio em alta e
tem peso no orçamento das famílias. Outros grupos de despesas em que os
serviços estão incluídos tiveram variações expressivas, como despesas pessoais,
de 0,23%, e comunicação, de 0,11%.
Desde o início do ano, a LCA projeta que a inflação de serviços
atingirá 6% neste ano. A perspectiva para 2026 não é muito melhor, com serviços
subindo 5,2%. As projeções do relatório Focus para o IPCA geral são mais
baixas, de 5,09% para este ano e de 4,44% para 2026.
No pano de fundo das previsões da LCA está a expectativa de que
o salário mínimo terá um reajuste nominal acima de 8% em 2026, em comparação
com os 7,5% deste ano. As previsões do governo são um pouco mais baixas. O
governo federal projeta um salário mínimo de R$ 1.630 no próximo ano, com
aumento de 7,37% em relação a 2025, variação que consta no Projeto de Lei de
Diretrizes Orçamentárias (PLDO) do ano que vem.
A LCA não descarta uma inflação de serviços ainda maior em 2026 em consequência
do fato de ser um ano eleitoral, que em geral se caracteriza pelo aumento dos
estímulos governamentais, especialmente em Estados e municípios. A isenção do
Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil também pode trazer reflexos.
Economistas do BC abordaram a relação entre mercado de trabalho,
salário mínimo e a inflação de serviços em dois estudos neste ano, com
conclusões semelhantes às da LCA. Em um deles, com base em dados das duas
últimas décadas, Ricardo Sabbadini e Julia Regina Scotti estimaram que uma
elevação de 1 ponto percentual no salário mínimo está associada a um aumento de
aproximadamente 0,1 ponto percentual na inflação de serviços do ano seguinte.
A regra de correção do salário mínimo vem sendo questionada por
seu impacto na fixação do piso das aposentadorias e pensões, com consequências
explosivas nas despesas públicas. Essas regras já foram até mais generosas,
acima dos ganhos de produtividade do país, e contribuíram para que a despesa
previdenciária com benefícios de um salário mínimo passasse de 1,15% do PIB, em
1997, para 3,10% do PIB, em 2024, de acordo com estudo do economista Fabio
Giambiagi.
Seu reflexo negativo na inflação de serviços é mais um argumento
a favor de uma revisão de regras. Até porque, ao elevar os preços, corrói o
ganho do trabalhador e, ironicamente, produz o efeito contrário à redução da
desigualdade almejada com o aumento salarial.
O BC colheu alguns resultados favoráveis a seu objetivo
recentemente. A inflação cedeu um pouco, com recuos consecutivos dos preços dos
alimentos. O câmbio até agora tem reagido com moderação ao furacão tarifário de
Trump e pode ter algum efeito deflacionário. A oferta de crédito começou a
desacelerar mais claramente em junho. As projeções privadas, no entanto,
mostram que o IPCA se aproximará da meta somente em 2027. Com expectativas
desancoradas — e com o governo empenhado em não deixar a economia desacelerar
—, o BC terá de manter por mais tempo a maior taxa de juros desde 2006,
colocando uma carga pouco suportável sobre a dívida pública.
Plano de ajuda em caso de tarifaço tem de ser criterioso
O Globo
Governo deve evitar erros do passado, quando programas de
socorro foram desfigurados, e gasto saiu de controle
Dada a incerteza sobre o que acontecerá a partir de 1º de
agosto, o governo brasileiro cumpre o seu papel ao preparar um programa de
ajuda para empresas atingidas. Caso se confirme a imposição de uma tarifa de
50% sobre produtos exportados para os Estados
Unidos, as consequências serão sentidas na forma de redução de receita
e demissões em alguns setores. Para tentar amortecer os impactos negativos da
decisão de Donald
Trump, os ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria,
Comércio e Serviços, a Casa Civil e o Itamaraty montaram um plano de
contingência com várias opções e o enviaram para a análise do presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva.
Independentemente da versão a ser escolhida, o programa deveria
ser criterioso e ter duração de, no máximo, 12 meses. Quando o Brasil vive
crises emergenciais, o provisório teima em se tornar permanente. Para ser
realista, o governo também precisa partir da premissa de que não tem condições
de atender a todos. Uma ajuda que, ao longo de um ano, chegue até R$ 5 bilhões
não alteraria as expectativas para a trajetória da dívida pública. Um valor
maior confirmaria os temores de quem acha que o presidente, de olho nas
eleições, continuará com o pé fundo nas despesas. Governos estaduais dispostos
a ajudar também precisam demonstrar responsabilidade.
Acima de tudo, é essencial ter a dimensão do potencial de
estragos e acompanhar as consequências de forma contínua. Pela estimativa da
maioria dos bancos, a manutenção da agressão americana por 12 meses reduziria o
Produto Interno Bruto (PIB) em algo entre 0,2 e 0,4 ponto percentual.
Confirmada a projeção, seria um desastre, mas manejável se tudo for feito com
inteligência.
Ainda assim, alguns setores serão muito afetados. Saber de
antemão quais é tarefa difícil. Parte dos exportadores pode evitar perdas
irreparáveis. O principal item da pauta, combustíveis e óleos minerais, está
entre os mais fáceis de ser redirecionados a outros países, mesmo que a preços
menores. A carne provavelmente está na mesma situação. O governo não deve, de
forma alguma, desincentivar a busca por saídas de mercado.
No setor de aviões, é bem mais complexo encontrar compradores
alternativos. Nesse caso, porém, pode pesar a pressão de empresas aéreas
americanas. Elas teriam dificuldade de encontrar aeronaves semelhantes às da
Embraer para suprir suas necessidades. Na eventualidade de exceções ao tarifaço
serem criadas, aviões seriam fortes candidatos a estar na lista. O café,
também. O estoque global está baixo, e não seria tão simples para os americanos
comprar de outros fornecedores. Será preciso esperar para ver.
Se as regras para participar do programa forem imprecisas,
empresas sem necessidades urgentes serão beneficiadas. O passado recente
comprova o risco. Conhecido pela sigla Perse, o Programa Emergencial de
Retomada do Setor de Eventos foi criado em 2021 para socorrer empresas durante
a crise provocada pela pandemia da Covid-19. Até 2023 custou inacreditáveis R$
17,6 bilhões por ano em renúncias fiscais. Até ser encerrado neste ano,
acrescentou mais R$ 15 bilhões à conta, de acordo com o Ministério da Fazenda.
Sem critérios claros, a voracidade por subsídios costuma não ter limites. Com
um governo fiscalmente irresponsável a pouco tempo da eleição, o perigo é ainda
maior.
É alarmante baixa adesão à segunda dose de vacina contra a
dengue
O Globo
De 15 unidades da Federação, apenas Rio de Janeiro e Distrito
Federal têm taxa de retorno superior a 50%
É preocupante que crianças e adolescentes que tomaram a primeira
dose da vacina contra
a dengue não
estejam retornando aos postos para completar o esquema recomendado.
Levantamento feito pelo GLOBO mostrou que, em 13 de 15 unidades da Federação
(as outras não informaram os dados), mais da metade dos vacinados ainda não
tomou a segunda dose, fundamental para assegurar proteção contra a doença.
Apenas o Estado do Rio de Janeiro e o Distrito Federal tiveram taxas de retorno
superiores a 50% (67% e 54%, respectivamente).
Os lotes da QDenga, fabricada pela farmacêutica japonesa Takeda,
começaram a chegar em 2024, em meio à maior epidemia de dengue já registrada no
país. Como a fabricante não tinha capacidade para entregar toda a quantidade de
que o Brasil precisava, foi preciso limitar a vacinação a grupos específicos,
com base no cenário epidemiológico. Ficou estabelecido que seriam priorizados
crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos que vivem nas áreas com maior
incidência.
A despeito da explosão de casos e da gravidade da doença, desde
o início a adesão à vacina tem ficado abaixo do esperado. No Pará, um ano
depois do início da campanha, foram imunizados apenas 59.179 de 477.732
crianças e adolescentes elegíveis, apenas 12% do público-alvo. Devido à baixa
procura, alguns estados, como Goiás e Santa Catarina, ampliaram a faixa etária
até os 16 anos. Mas o pouco interesse permanece. O Ministério
da Saúde diz ter aplicado 5,7 milhões de doses, sendo 4 milhões da
primeira e apenas 1,7 milhão da segunda. A estimativa é que 9 milhões de doses
sejam oferecidas neste ano.
Os números assustadores da dengue justificariam um cenário
diferente. No ano passado, o Brasil registrou cerca de 6,6 milhões de casos
prováveis da doença e quase 6.300 mortes, recordes históricos. São Paulo, Minas
Gerais e Paraná foram os estados com maior número absoluto de notificações. Em
relação ao coeficiente de incidência, o Distrito Federal ocupou o topo do
ranking, com quase 10 mil casos por 100 mil habitantes.
Ministério da Saúde, estados e prefeituras têm o dever de fazer
campanhas e buscas ativas para elevar os níveis de cobertura da vacinação,
tanto de quem não tomou nenhuma dose quanto de quem recebeu apenas a primeira.
A prioridade dada a crianças e adolescentes não é aleatória, já que se trata de
grupos mais suscetíveis às formas graves. É verdade que, ao contrário do que se
previa, os casos de dengue arrefeceram em 2025 (nos dois primeiros meses do ano
houve redução de quase 70% em relação ao ano passado), mas a doença continua a
fazer vítimas. Segundo o Ministério da Saúde, neste ano já foram registrados
1,5 milhão de casos prováveis e pelo menos 1,5 mil mortes. Não faz nenhum
sentido expor crianças e adolescentes a risco se está disponível no SUS uma vacina
gratuita, que, se não for usada, pode acabar indo para o lixo.
Queda da fome não esgota
desafios econômicos e sociais
Folha de S. Paulo
- País se recupera do impacto da Covid
na alimentação, mas é preciso cuidar do Orçamento para superar pobreza
- Taxa de subnutrição do Brasil cai
abaixo de 2,5%. Argentina (3,4%), México (2,7%) e Chile (2,5%) não
atingiram o patamar desejável
A parcela da população do
Brasil subnutrida ou em risco de subnutrição caiu
abaixo de 2,5% no triênio 2022-24, o que mais uma vez retira o país dos
destacados no Mapa da Fome divulgado
periodicamente pela ONU. Trata-se de
conquista a ser celebrada, mas também devidamente qualificada.
Não se pode subestimar o
resultado, já que outros importantes e até mais ricos latino-americanos,
como Argentina (3,4%), México (2,7%)
e Chile (2,5%),
ainda não atingiram o patamar tido como desejável —observado no mundo
desenvolvido e em emergentes como China, Rússia, Turquia, Uruguai e Costa Rica.
Tampouco se deve
considerar o feito como triunfo definitivo, entretanto. Cumpre apontar que tão
somente voltamos a uma situação já conhecida desde 2014. Derrubar uma marca
momentânea da pobreza extrema mal arranha os desafios que as políticas social e
econômica têm de enfrentar pela frente no país.
Em grande medida, o
indicador da fome repetiu aqui tendências globais. Houve uma piora durante o
período da pandemia de Covid-19, quando o colapso da atividade levou as agruras
da má nutrição a 3,4% dos brasileiros no triênio 2019-21; a partir daí, houve
melhora paulatina, mas dificultada pela inflação de
alimentos que se sucedeu à crise sanitária.
No mundo, o percentual
saltou de 7,5% em 2019 para 8,8% em 2021, tendo recuado a 8,2% estimados em
2024. Os preços da comida tiveram elevação geral, com impulso inicial de juros mais
baixos e elevação do gasto público.
No Brasil, mesmo depois
de superado o pior do impacto pandêmico, a despesa pública se manteve em
expansão nos últimos três anos, pressionando
a inflação e os juros do Banco Central —e
pondo em risco o progresso dos indicadores sociais.
A partir da ofensiva
de Jair
Bolsonaro (PL)
pela reeleição, em 2022, o programa Bolsa Família,
então chamado de Auxílio Brasil, teve suas dimensões multiplicadas. Os
desembolsos, que historicamente rondavam o equivalente a 0,4% do Produto
Interno Bruto (PIB),
somaram 1,4% em 2024.
Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) não se
limitou a manter a ampliação do programa de transferência de renda, o que
seria correto. Sua administração promoveu novos gastos permanentes, em
particular com a retomada dos reajustes reais do salário
mínimo.
Por óbvio, toda essa
injeção de dinheiro público na atividade traz impactos para o aumento do
emprego e a queda da pobreza. Mas não se pode tomar tal estratégia como alguma
fórmula mágica para a superação de mazelas sociais ainda consideráveis.
Sem
equilíbrio orçamentário, os gastos do governo federal resultam em inflação
que resiste até a juros astronômicos de 15% ao ano. Tais taxas aceleram a
escalada da dívida pública e trazem a ameaça de um colapso fiscal, que
resultará em queda da renda nacional. Essas devem ser preocupações tanto da
política econômica quanto da social.
Conter as mortes sobre
duas rodas
Folha de S. Paulo
- Dada a expansão do uso de
motocicletas e de óbitos, programa de segurança do governo é bem-vindo
- Segundo o Ministério da Saúde, foram
registradas 34.881 mortes no trânsito em 2023, entre as quais 13.521 de
motociclistas (39% do total)
A proliferação de
motocicletas como transporte de passageiros e mercadorias é um fenômeno que o
poder público deve disciplinar. Mas seu papel se limita a regulamentar com
vistas à segurança, sem pretensão de controle total.
É bem-vinda, portanto, a
iniciativa do governo federal de criar o Programa
Nacional de Segurança de Motociclistas. Direcionar o foco para educação de
condutores e fiscalização parece mais adequado do que buscar restringir em
demasia a circulação.
O deslocamento sobre duas
rodas se tornou opção preferencial para a população de baixa renda, seja para
fugir do trânsito e
do transporte coletivo deficiente, seja para trabalhar.
Em 2019, eram 23 milhões
de unidades licenciadas (22% da frota nacional); hoje, são 29 milhões (23%).
Trata-se, contudo, de veículo mais arriscado, o que impulsiona o número de
mortes.
Estatísticas do Datasus
do Ministério
da Saúde registraram 34.881 óbitos no trânsito em 2023, entre os quais
13.521 de motociclistas (39% do total). No estado de São Paulo, os
acidentes fatais passaram de 1.599 em 2015 para 2.324 no ano passado,
incremento de 45% na década.
Não raro as mortes
decorrem da falta de capacete ou de seu uso incorreto —além da imprudência de
condutores, alguns premidos pela urgência nas entregas.
Campanhas sobre a
obrigatoriedade do equipamento associadas a fortalecimento da fiscalização
podem evitar tragédias, como ensina a experiência com educação —recorde-se que,
há algumas décadas, o uso do cinto de segurança não era comum como é hoje— e
blitzes contra álcool.
É inadmissível, ainda,
que 17,5 milhões (53,8%) dos 34,2 milhões de proprietários de motocicletas,
motonetas e ciclomotores não tenham Carteira Nacional de Habilitação. O poder
público não pode fazer vista grossa a tal delito.
O tráfego em velocidade
entre carros, ônibus e caminhões tornou-se realidade impossível de coibir na
prática. Na cidade de São Paulo, o uso de faixas
azuis exclusivas para motos tem dado bons resultados e está sendo
replicado em Salvador e Recife.
A capital paulista conta
com 233 km dessas vias específicas, nas quais circulam diariamente meio milhão
de veículos em duas rodas. Nelas, a prefeitura computou redução de 47% nas
mortes, de 36 para 19, entre 2023 e 2024.
Na cidade toda, em
contraste, os óbitos saltaram de 366 para 433 no período, evidência de que não
há solução simples para o problema, mas um conjunto de ações integradas pode
ajudar a conter a mortandade.
Eduardo Bolsonaro tem de
ser cassado
O Estado de S. Paulo
Por atuar deliberadamente
para prejudicar o Brasil, o deputado não pode continuar como parlamentar. Que a
Câmara não repita com ele o erro que cometeu há 25 anos, ao deixar impune o pai
dele
Diante das barbaridades
protagonizadas pelo então deputado federal Jair Bolsonaro, este jornal pediu a
sua cassação em janeiro de 2000, classificando-o pelo que ele era – um dejeto
da democracia, alguém desqualificado que se servia das mesmas liberdades democráticas
que sempre desejou eliminar. Passados pouco mais de 25 anos, é preciso dizer o
mesmo sobre seu filho Eduardo Bolsonaro. Por atuar deliberada e
sistematicamente para prejudicar o Brasil, em nome dos interesses particulares
de sua família, Eduardo Bolsonaro precisa ter cassado seu mandato de deputado
federal. Trata-se da única reação cabível por parte de uma democracia digna do
nome.
Eduardo já fez de tudo,
mas não há afronta à democracia que não possa ser superada por outra maior. Não
lhe pareceu suficiente, por exemplo, regozijar-se do lobby que fez junto ao
governo dos EUA como forma de pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a
desistir dos processos contra seu pai, tornando-se responsável, em grande
medida, pelo tarifaço convertido em chantagem explícita do presidente
americano, Donald Trump, contra o Brasil e a favor de Jair Bolsonaro. Também
não lhe bastou arvorar-se em negociador diplomático e pedir sanções contra
autoridades brasileiras, entre as quais os presidentes da Câmara e do Senado, o
ministro do STF Alexandre de Moraes e o presidente Lula da Silva. Era preciso,
como fez o pai durante as décadas que passou no Congresso, enxovalhar a
instituição parlamentar que ele mesmo integra: nesta semana, o deputado admitiu
na caradura que está sabotando o esforço da comitiva de senadores brasileiros
que viajou aos EUA para tentar abrir algum canal de diálogo com o Congresso e o
governo americanos a fim de evitar as tarifas impostas por Trump.
Dias antes, reclamou dos
governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do Paraná,
Ratinho Junior (PSD), por se pronunciarem sobre o tarifaço sem mencionar o que
realmente importa para os Bolsonaros – a liberdade de Jair Bolsonaro. Ainda
acusou Tarcísio de tê-lo desrespeitado por dialogar com empresários paulistas e
com o encarregado de negócios dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, para discutir
a crise. Segundo a cartilha bolsonarista, qualquer ação que se afaste da defesa
direta da impunidade para o ex-presidente e outros golpistas equivale a uma
declaração de guerra.
A lista de suas
imposturas também envolveu uma live nas redes sociais, na qual
o irascível “Zero Três” não só manteve o diapasão alto nos ataques ao STF como
recorreu a uma intimidação de fazer corar vítimas de gângsteres, milicianos e
contraventores do gênero. Ao mencionar a Polícia Federal e citar o delegado
responsável pelos principais inquéritos contra Bolsonaro, subiu alguns graus do
“jus sperniandi” de quem se enxerga um injustiçado para fazer ameaça explícita:
“Vai lá, cachorrinho da Polícia Federal que tá me assistindo, deixa eu saber
não”, avisou. “Se eu ficar sabendo quem é você, eu vou me mexer aqui. Pergunta
ao tal delegado Fábio Alvarez Shor (que investigou Bolsonaro em diversos
inquéritos) se ele conhece a gente”. Um assombro.
Com o prazo expirado da
licença que o deputado tirou para sabotar o Brasil em solo americano, e sem
planos imediatos de retornar ao País, esperava-se que ele renunciasse ao
mandato que os paulistas infelizmente lhe deram. Nos últimos dias, difundiu-se
na imprensa a possibilidade de a Câmara adotar o mesmo artifício usado no caso
do deputado Chiquinho Brazão, réu pelo assassinato da vereadora carioca
Marielle Franco: deixar que as faltas às sessões cumprissem a função da perda
do mandato. Será um erro gravíssimo. A fim de cuidar da própria imagem, não
bastará ao Legislativo federal recorrer a essa solução. Afinal, Eduardo
Bolsonaro passou dos limites e merece não a inércia corporativista da Casa, mas
uma punição dura, real e imediata.
Há 25 anos, quando poupou
o então deputado Jair Bolsonaro, a Câmara escolheu desmoralizar-se. Que não
repita esse erro agora com Eduardo Bolsonaro.
O copo meio vazio do
Bolsa Família
O Estado de S. Paulo
Apesar de quase 1 milhão
de famílias terem deixado o Bolsa Família, algo a ser celebrado, o País não
oferece condições para que os mais pobres deixem a vulnerabilidade de forma
permanente
A melhora na renda fez
com que quase 1 milhão de famílias saíssem do Bolsa Família no mês de julho, de
acordo com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, o que
evidencia que, apesar do preconceito contra o programa arraigado em parte da
sociedade, os contemplados não querem passar a vida dependendo de auxílio
governamental.
Quando têm condições de
aumentarem seus rendimentos, os brasileiros mais carentes se agarram a tais
oportunidades. Tanto é assim que, das 1,7 milhão de vagas com carteira assinada
criadas no Brasil em 2024, 98,8% foram ocupadas por pessoas cadastradas no
CadÚnico do governo federal. Beneficiários do Bolsa Família responderam por
1,27 milhão (75,5%) das contratações. Os dados são do Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados (Caged).
Cerca de 536 mil famílias
que deixaram de depender do programa atingiram o limite de 24 meses dentro da
chamada regra de proteção. Por esse mecanismo, famílias com renda entre R$ 218
e meio salário mínimo por pessoa seguem recebendo 50% do valor do Bolsa Família
por até dois anos. Apesar de deixarem o programa, essas famílias não saem do
CadÚnico. Assim, se no futuro voltarem a ter renda familiar por pessoa inferior
a R$ 218, têm prioridade para retornar ao programa.
Defensores de uma reforma
profunda do Bolsa Família entendem que regras como a de proteção precisam ser
repensadas de modo a incentivar que o imenso contingente de brasileiros que
vive na informalidade busque a formalização. Uma redução mais gradual do benefício
para quem consegue trabalho com carteira assinada ou o pagamento de um bônus
para quem vira CLT seriam opções.
Em entrevista ao site
Brazil Journal em junho, a professora do Insper Laura Müller Machado afirmou
que é preciso acompanhar mais de perto quem vive na informalidade e promover a
capacitação dessas pessoas, de modo que elas possam prosperar e deixar de temer
a perda do benefício.
Publicações diversas
atestam que o Bolsa Família, lançado há mais de 20 anos, é um programa de
transferência de renda bastante efetivo. Além de obviamente melhorar a renda
dos mais vulneráveis, o programa evitou, por exemplo, mais de 700 mil mortes,
além de 8 milhões de internações hospitalares, entre 2004 e 2019, segundo
estudo publicado na revista científica The Lancet Public Health.
Ao mesmo tempo, também é
de conhecimento público que o Brasil segue amargando índices vergonhosos na
educação, negligenciando, sobretudo, a primeira infância, fase da vida
determinante para o desenvolvimento cognitivo.
A universalização do
saneamento básico segue sendo adiada para um futuro cada vez mais distante. Sem
acesso a esgoto tratado, crianças ficam doentes, onerando a saúde pública, e
deixam de frequentar escola. Quando adultas, acabam inevitavelmente por depender
de ajuda governamental.
Por fim, o governo
celebrou a redução do número de beneficiários do programa, que passou de 20,5
milhões em junho para 19,6 milhões em julho, como se isso fosse um sinal de que
os brasileiros estão superando a pobreza.
Antes assim fosse, mas a
verdade é que melhoras em indicadores sociais são apenas fotografias
momentâneas e incompletas. É o caso do indicador de desemprego, que em maio
deste ano foi o menor da série histórica (6,2%) do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Porém, o mesmo IBGE também apurou taxa de
informalidade de 37,8% na população ocupada. São estratosféricos 39,3 milhões
de brasileiros em trabalhos informais.
Ademais, como o governo
só pensa em gastar, os juros se encontram em patamar elevadíssimo (15%), o que
já pesa sobre as previsões de crescimento econômico e, consequentemente, da
geração de empregos formais.
Importante, o Bolsa
Família deveria ser uma rota de transição para que cidadãos desassistidos pelo
Estado pudessem se estabelecer economicamente, e a partir daí prosperar por
conta própria. Mas no país do esgoto a céu aberto, das escolas de lata e da falta
de projetos de futuro, mesmo os bravos brasileiros que conseguem sair do Bolsa
Família parecem mais destinados a retornar ao programa do que a viver com
estabilidade.
Enxurrada de golpes
virtuais
O Estado de S. Paulo
Crime digital cresce na
velocidade do avanço tecnológico e desafia políticas de segurança
Os quatro casos de
estelionato registrados a cada minuto no ano passado confirmam tendência
verificada desde 2020, quando, impulsionado pelo período de reclusão domiciliar
da pandemia, esse tipo de crime começou a ganhar escala com o aumento de golpes
virtuais. Desde então, o crescimento anual é expressivo e contínuo, chegando a
quase 2,17 milhões de ocorrências em 2024, total que os pesquisadores do Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
que regularmente elabora esses e outros dados sobre violência no Brasil,
consideram subestimado em razão de provável falta de notificações.
De tão frequente, o golpe
virtual motivou, em 2021, uma alteração no Código Penal, com tipificação
específica para essa modalidade de estelionato (artigo 171), com pena mais
severa, de prisão de quatro a oito anos mais multa. Mas o desafio de reprimir
modalidades eletrônicas de crime que a cada dia encontram novas formas de
persuasão persiste, sem indicação de um freio. Golpes que até pouco tempo se
concentravam em ligações telefônicas com comunicação de falsos sequestros
ganharam novas versões com o uso da internet e até de inteligência artificial.
A rapidez com que o
estelionato digital avança, envolvendo redes sociais, golpes de Pix, falsas
notificações previdenciárias e toda a sorte de crimes virtuais, acompanha o
ritmo frenético da tecnologia e exige esforço conjunto de contenção. Em 2024, a
alta de 17% dos casos veio sobre um total que já havia registrado aumento em
relação ao ano anterior, numa progressão que, de acordo com o monitoramento do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, inverteu a dinâmica dos crimes
patrimoniais no País.
Se, de um lado, essa
transformação do modo como o crime se organiza contribuiu para reduzir a
violência física contra as vítimas, como destacam os organizadores do anuário,
por outro eleva a sensação de desproteção da população. O senso comum sugere
que idosos seriam os mais vulneráveis a esse tipo de golpe, mas levantamento
feito no ano passado pelo Instituto de Pesquisa DataSenado, que entrevistou
quase 22 mil pessoas, mostrou que jovens entre 16 e 29 anos representam 27% das
vítimas e são os mais afetados. Os idosos são 16%.
As transações bancárias
por aplicativos, celulares e navegadores de internet mais do que dobraram entre
2020 e 2024, de acordo com outra pesquisa, de Tecnologia Bancária, da Federação
Brasileira de Bancos (Febraban). A Febraban constatou o extraordinário avanço
de 25 pontos porcentuais nas transações dos canais digitais em relação aos
físicos em cinco anos. Mais de 90% das transações realizadas por pessoas
físicas ocorrem por meio de plataformas móveis.
O aumento de golpes e fraudes digitais elevou os investimentos em segurança e tecnologia bancárias para cerca de R$ 5 bilhões. Mas uma ação de segurança pública coordenada, que envolva União, Estados e municípios, focada nesse tipo de crime, inclusive com cooperação internacional, como já fazem países europeus, seria uma resposta mais direta e eficaz no combate a essa enxurrada de crimes virtuais.
Morte de menina indígena
não pode ser apagada
Correio Braziliense
A morte da menina
indígena, vítima de complicações de uma gravidez associada a estupro, precisa
ser encarada como grave falência do Estado brasileiro em proteger quem mais
necessita
A cada tragédia que
assola o mundo, muito se fala sobre a apatia da nossa sociedade, praticamente
anestesiada em meio a tantas notícias que embrulham o estômago. Essa
indiferença, no entanto, parece ter escalas a depender da vítima de cada
ocorrência. Crimes contra crianças, por exemplo, tendem a tocar o coração de
cada um de uma maneira diferente, justamente pela jovialidade e pela
fragilidade da pessoa envolvida. Quem não se lembra da repercussão dos
assassinatos de Henry Borel, Isabella Nardoni e Bernardo Boldrini, só para
citar três casos de grande repercussão nacional?
Reação semelhante deve
causar a morte de Dorca Mata Rattia, menina indígena da etnia Warao, de apenas
12 anos, que perdeu a vida, neste mês, em Betim, Região Metropolitana de Belo
Horizonte, em decorrência de complicações de uma gestação ocasionada por estupro,
segundo a polícia. Não se trata de comparação sobre o peso de cada vida ou
sobre quem é mais ou menos importante, mas de lançar luz sobre uma morte que
reflete a sobreposição de desamparos sofridos por brasileiros que estão no topo
das vulnerabilidades.
Dorca é vitima de uma
série de problemas estruturais do país: o abandono da população indígena, o
machismo e a violência sexual contra crianças e adolescentes. O mais recente
Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que ao menos 61% dos estupros contabilizados
no país, no ano passado, foram cometidos contra menores de 14 anos.
Além de ocorrerem em
contexto de estupro de vulnerável, segundo o artigo 217-A do Código Penal
Brasileiro, essas gestações implicam riscos à vida das meninas e dos fetos — a
garota indígena, por exemplo, morreu após sofrer uma série de convulsões
ligadas a uma pré-eclâmpsia, condição grave de hipertensão na gravidez e que
precisa ser acompanhada.
A morte da menina de 12
anos durante o parto também simboliza o total desamparo da população indígena
no país. E, diante desse quadro, à exceção de casos de profunda
vulnerabilidade, como aconteceu com a Terra Indígena Yanomami em 2023,
dificilmente há grande repercussão na sociedade em relação a questões do tipo.
Basta lembrar outro caso recente de abuso sexual cometido no Amazonas. Uma
indígena de 29 anos foi violentada, de novembro de 2022 a agosto de 2023, em
uma cadeia em Santo Antônio do Içá. Só agora, depois que o caso chegou à
imprensa, os policiais suspeitos pelo crime foram indiciados.
No caso dos Warao, como
noticiado em reportagem da Agência Pública no ano passado, há um aspecto
importante: a etnia, conhecida como o povo da canoa, sofre um novo processo de
violência no Brasil, após recorrer a uma imigração forçada para deixar a Venezuela,
diante do grave quadro de violação dos direitos humanos no país vizinho.
Se cabe à imprensa
noticiar os crimes como eles realmente ocorreram, evidentemente com respeito
aos preceitos jornalísticos pautados pela ética, é obrigação do poder público
dar explicações e promover políticas para evitá-los, assim como é
responsabilidade da população se manter vigilante para cobrar respostas das
autoridades.
Casos como o de Dorca
Mata Rattia não podem apenas entrar para balanços estatísticos. A morte da
menina indígena de origem venezuelana precisa ser encarada como uma grave
falência do Estado brasileiro em proteger quem mais necessita. E, nesse
aspecto, indígenas, imigrantes e crianças deveriam figurar na mais alta
prioridade.
Brasil dá o primeiro
passo para acabar com a fome
O Povo CE
É uma luta que precisa
continuar, como uma política de Estado, até que não reste um único brasileiro
vivendo em insegurança alimentar
A Organização de
Alimentos e Agricultura das Nações Unidas (FAO-ONU) retirou o Brasil do Mapa da
Fome, levando em conta a média trienal, 2022, 2023 e 2024.
O Brasil havia voltado ao
Mapa da Fome entre 2019 e 2021, período do governo de Jair Bolsonaro. Retirar o
País da lista foi uma das principais promessas de campanha do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, o que ocorreu agora, conforme atesta o relatório da FAO.
Lula destacou que os
dados do próximo triênio serão melhores ainda, pois os cálculos serão feitos
apenas com números de seu mandato. No levantamento atual, entraram índices de
2022, "um ano muito ruim", segundo o presidente.
A ONU considera fora do
Mapa da Fome quando menos 2,5% da população está em risco de desnutrição grave.
Quando as pessoas ficam sem comida ou passam um dia, ou mais, sem comer. Ou
seja, ficam sem consumir calorias suficientes para manter uma vida saudável.
O resultado comprova a
importância dos programas sociais, especialmente o Bolsa Família, que atende a
mais de 50 milhões de pessoas em todo o Brasil. Sem este e outros programas de
transferência de renda, essas famílias não teriam como sobreviver com um mínimo
de dignidade.
A Agência Gov divulgou
que Lula conversou por telefone com o presidente da FAO, Qu Dongyu, informando
que ele pretende visitar o Brasil para conhecer a experiência no combate à
fome. O modo brasileiro de combater a pobreza tornou-se referência mundial, servindo
de modelo para a implementação de programas parecidos em outros países.
Sair do Mapa da Fome é um
ponto extremamente positivo, mas é apenas um passo para a erradicação da
miséria no País.
Portanto, é preciso olhar
para as outras informações contidas na pesquisa da FAO. Os dados demonstram que
o país continua a conviver com diferentes níveis de insegurança alimentar
grave, caracterizada pela falta crônica de alimentos, que atinge 3,4% da população.
Em números absolutos, considerando-se a população do país, são aproximadamente
sete milhões de brasileiros em situação alimentar precária, que precisam
reduzir a quantidade e a qualidade da comida, excluir refeições ou passar o dia
inteiro sem comer. Outros 13,5% sofrem de insegurança alimentar moderada,
quando a qualidade ou a quantidade de alimentos é baixa e há incerteza sobre a
capacidade de acesso às refeições.
Frente a isso é preciso
que a comemoração pela conquista obtida pelo país seja seguida de medidas que
avancem ainda mais no sentido de eliminar a fome no Brasil. Esse é apenas o
primeiro passo de uma luta que precisa continuar, como uma política de Estado,
até que não reste um único brasileiro vivendo em insegurança alimentar.
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