Revista Veja
Melhorar a educação de base é caminho para o
fim da pobreza
Avaliações recentes mantêm o Brasil entre os campeões mundiais em desigualdade social e concentração de renda — e um dos tristes indicadores é a discrepância no acesso à educação básica de qualidade. A inclusão no ensino representaria um avanço conceitual, porque na história brasileira a escola sempre foi tratada como direito para poucos. Quando, no final do século XX, houve a intenção de universalizar a matrícula, manteve-se a equivocada tradição de que a frequência, a assistência e a permanência até o final do ensino médio deveriam continuar apenas para alguns poucos. O problema: não basta considerar educação de qualidade como direito; ela é também vetor para o progresso. É caminho para aumento da renda e da justiça social. A assimetria educacional não é, enfim, termômetro da pobreza, mas uma de suas principais causas, como sugere o título de um livro de Sebastião Salgado: O Berço da Desigualdade.
Desde que sintonizado com as exigências da
economia e da sociedade, o conhecimento é capital que permite a fuga da
miséria. A educação básica é determinante para libertar ou condenar uma
família, um cidadão à pobreza. Ela é o ponto de partida para o acesso aos
demais direitos, tanto pela renda que permite comprar os bens e serviços
privados, quanto pela consciência política que capacita o cidadão a reivindicar
serviços públicos. Uma visão ultrapassada leva as forças políticas a se
concentrarem nas disputas sobre quem deve pagar impostos, sem perceber a mais
profunda das polarizações: entre quem tem e quem não tem acesso ao banco
escolar até o final do ensino médio com qualidade para enfrentar os desafios do
mundo de hoje.
“De nada adiantará mudar a política fiscal se
os impostos financiarem a corrupção”
Uma das razões pelas
quais a desigualdade persiste de forma extrema é o fato de os políticos
considerarem a pobreza apenas como falta de renda. É muito mais dramático saber
que a educação é decisiva, e não tê-la é atalho para o drama. Não percebem que
o verdadeiro berço da desigualdade está no berço do conhecimento: a escola de
qualidade capaz de oferecer o mapa para a busca da felicidade pessoal e as
ferramentas para construir um planeta melhor. Nem entendem que a desigualdade
social decorre da polarização educacional de um sistema rachado entre “escolas
senzala” e “escolas casa-grande”. Em vez disso, adotam uma postura
assistencialista, que busca aliviar sem abolir a pobreza, e reduzir a penúria
com transferência de rendas mínimas sem quebrar a estrutura concentradora que
caracteriza o Brasil. Enfrentamos, de algum modo e com o empenho possível, o
racismo estrutural, mas não o analfabetismo estrutural.
Embora necessário por razões de justiça
social, de pouco adiantará mudar a política fiscal — que causa nojo moral ao
penalizar mais o “andar de baixo” do que o “andar de cima” — se os impostos
continuarem sendo usados para financiar desperdícios, ineficiências, mordomias,
supersalários, aparelhamento do Estado e corrupção. Insista-se: os tributos não
podem ajudar as tais “escolas casa-grande”, onde estudam os filhos do “andar de
cima”, sem nacionalizar a questão da escola dos filhos do “andar de baixo”. Os últimos
governos têm cuidado mais de quem termina o ensino médio, sem estratégia real e
factível para desenvolver um sistema público de educação de base com qualidade
máxima e equidade plena.
Publicado em VEJA de 11 de julho de
2025, edição nº
2952
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