sexta-feira, 25 de julho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Congresso acerta ao conter radicalismo de bolsonaristas

O Globo

Lideranças rechaçam tentativas de pautar pacote de medidas anti-STF e contrário ao interesse nacional

Até o momento, a cúpula do Congresso e líderes do Centrão têm agido com sensatez ao conter os arroubos radicais em resposta às restrições impostas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao ex-presidente Jair Bolsonaro. É essencial que mantenham tal posição. Políticos ligados ao ex-mandatário aproveitam o ambiente conturbado para tentar emplacar uma série de pautas descabidas.

Uma delas, que faz parte do chamado pacote anti-STF, é a que muda a Lei do Impeachment para ministros da Corte, ampliando as hipóteses de crime de responsabilidade. Outra impõe prazos e novos critérios para tramitação dos pedidos de afastamento, de modo a evitar que fiquem engavetados. A pauta, que sempre vem à tona em momentos de crise entre os Poderes, tem potencial para dinamitar as relações entre Legislativo e Judiciário. Outra proposta desconexa é a que prevê anistia aos envolvidos na trama golpista do 8 de Janeiro.

A obsessão pela anistia é tamanha que o entorno de Bolsonaro chegou a sugerir a aprovação da proposta como condição para negociar o fim do tarifaço imposto às importações de produtos brasileiros pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em abril, o PL, partido de Bolsonaro, conseguiu assinaturas para protocolar um pedido de urgência, mas, felizmente, a razão prevaleceu, e a pauta não andou.

Parlamentares bolsonaristas pressionam o Congresso também para fazer andar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que restringe o foro privilegiado apenas a presidentes de Poderes. Deputados, senadores e outras autoridades passariam a ser julgados na primeira instância, e não mais no Supremo. Nitidamente, a inciativa é casuística, por visar à retirada do processo contra Bolsonaro do STF.

Para o bem do país, esses grupos mais exaltados vêm acumulando derrotas. Apoiadores do ex-presidente tentaram cancelar as férias legislativas para que esses projetos pudessem ser apreciados, mas o pedido não foi atendido pelos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Em outra iniciativa frustrada, aliados tentaram convocar sessões de comissões para apoiar Bolsonaro. Não conseguiram. O líder do MDB na Câmara, deputado Isnaldo Bulhões (AL), que é próximo a Motta, diz que não são pautas para o momento. “O conjunto da obra e o contexto geral dão vergonha alheia”, afirmou. O líder do Republicanos, Gilberto Abramo (MG), afirma que Motta “está preocupado com a estabilidade” e que é hora de agir “com cautela”. Os dois estão certos.

Após o recesso, a Câmara terá de se ocupar de outro tema explosivo: o mandato do deputado Eduardo Bolsonaro, que está nos Estados Unidos, onde tem apoiado as sanções contra o Brasil. A licença do parlamentar expirou. Pelas normas, se não comparecer às sessões, receberá falta. A partir de novembro, o acúmulo de ausências poderia levar à cassação. Já há projetos propondo o exercício do mandato de forma remota, o que não faz nenhum sentido. Não é momento de propostas estapafúrdias. É hora de serenar os ânimos e conter radicalismos.

Aumento de estupros exige mais atenção à violência contra mulheres

O Globo

Uma pessoa é estuprada a cada seis minutos no Brasil, número mais alto desde o início da série histórica

No mapa da violência no Brasil, os estupros não param de crescer. No ano passado foram notificados 87.545 casos, de acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado nesta quinta-feira. Em 2024, uma pessoa foi estuprada a cada seis minutos. O número é o mais elevado desde que essa estatística começou a ser acompanhada, em 2006, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que edita o levantamento.

Os pesquisadores não explicam o aumento pela simples queda da subnotificação. Consideram que houve crescimento real. Ainda que não faltem leis e atenção de autoridades à violência sexual contra as mulheres, esse crime persiste, desafia o poder público e a sociedade. Combatê-lo de forma mais eficaz deve ser prioridade nacional.

O perfil do crime é degradante: 77% das ocorrências são de estupro de “vulneráveis”, menores de 14 anos de idade, pessoas com alguma deficiência ou por estarem embriagadas ou sedadas. A geografia é majoritariamente urbana, mas se concentra em regiões fora dos grandes centros, em enclaves e áreas de expansão do agronegócio na região da Amazônia.

Para uma taxa média nacional de 41,2 estupros por grupo de 100 mil habitantes, os destaques negativos são: Boa Vista (RR), com 132,7, a mais elevada, seguida de Sorriso (MT), 131,9, e Ariquemes (RO), com 122,5. Os dados de 2024 confirmam uma tendência nacional e internacional conhecida: 45,5% dos estupradores eram familiares das vítimas, e 20,6% parceiros ou ex-parceiros íntimos delas.

Exemplo monstruoso do descaso e da violência foi denunciado pelo portal Sumaúma e confirmado pelo GLOBO. Uma indígena presa em uma delegacia no Amazonas diz ter sido estuprada durante nove meses por quatro policiais militares e um guarda municipal. Apoiada em laudos médicos, a indígena, que havia sido detida após uma briga com seu companheiro, pede indenização do Estado. Comprovada a culpa, a condenação deve ser extremamente rigorosa. Por uma questão de justiça e para ter papel pedagógico.

Não faltam leis de proteção à mulher. A questão é não só fazer com que toda essa legislação seja cumprida, mas também estimular e difundir o uso de mecanismos de prevenção contra o estupro ou qualquer outro tipo de violência. Em 2013, a Prefeitura de Vitória lançou o “botão de pânico”. Um dispositivo eletrônico envia sinal de emergência por GPS à Guarda Municipal, que aciona a viatura mais próxima. Campo Grande, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador, São Paulo, Recife e Fortaleza adotaram o método. Em algumas cidades, há o mesmo recurso em pontos de ônibus. Pesquisas internacionais mostram que a batalha para reduzir o número de estupros também se ganha nas escolas, ensinando os meninos a serem aliados contra esse crime abominável.

Violência nas ruas diminui; crescem os crimes digitais

Valor Econômico

Porém, o mais recente Atlas Brasileiro de Segurança Pública mostra que as vítimas não mudaram: maioria de homens e mulheres negros

A taxa de mortes violentas intencionais em 2024 foi a menor desde 2012, com 20,8 vítimas por 100 mil habitantes, ou 44.127, revelou o Atlas Brasileiro de Segurança Pública divulgado ontem. Da mesma forma, os roubos diminuíram, e parte da explicação está no aumento dos gastos com segurança pública dos três entes federativos. A outra parte das razões traz novas e sérias ameaças para o futuro: a violência nas ruas diminuiu, mas os crimes cometidos na esfera privada aumentaram e migraram para os meios digitais — estelionatos nessa esfera dispararam. Foram maiores também o número de feminicídios, crimes sexuais contra vulneráveis e violência contra crianças e adolescentes. Se houve migração de ambiente dos crimes, as vítimas não mudaram: a violência pune em franca maioria homens e mulheres negros.

No caso de mortes violentas, o feminicídio continua em alta, com 0,7% de aumento dos casos em relação a 2023, ao qual se acrescentam 19% das tentativas de assassinato de mulheres. A tendência é acentuada e preocupante, como ressalta o Atlas. “Os dados de 2024, de quase uma década após a entrada em vigor da lei do feminicídio, seguem chocantes: no último ano, todos os dias, ao menos quatro mulheres morreram vítimas de feminicídio”. Houve 1.492 vítimas, maior número desde 2015.

Outros crimes crescem fora das ruas e se alocam no lar. Dos 11 indicadores relacionados à violência sexual, 7 cresceram em relação a 2023: estupro (ambos os sexos), estupro de vulnerável (ambos os sexos), assédio e importunação sexual, e pornografia, o que mais cresceu, 13,1%. Houve também aumento de 3,7% nas mortes de crianças e adolescentes, e os crimes contra ambos avançaram em todas as faixas etárias.

A sensação de insegurança, presente com destaque em todas as pesquisas de opinião, não reflete a queda dos casos de violência seguida de mortes observada, nem mesmo na redução significativa de roubos, que caíram 51% desde 2018. Os assaltos a transeuntes, por exemplo, diminuíram 22% no ano passado, o roubo de veículos, 10,4%, a residências, 19,2%, a cargas, 14,3%, e a bancos, 16,6%. Mas a percepção de insegurança é potencializada, por exemplo, pelo furto (sem violência física) em larga escala de celulares. Em 2024, foram 917,7 mil aparelhos roubados (ainda assim, queda de 13,4%), e é a infração legal mais visível e escancarada — 80% dos casos ocorrem em vias públicas — em uma “escala quase industrial”, segundo o Atlas. O crime organizado entrou firme na receptação, na venda e no desmanche dos componentes dos aparelhos para revenda à Ásia e à África.

Os crimes contra o patrimônio acompanharam a digitalização das transações comerciais e financeiras, com todas as modalidades de roubo sendo transferidas para o estelionato (todo tipo de fraude para obter benefício econômico) por meios digitais, tendência que ganhou impulso a partir da pandemia, quando as ruas ficaram desertas para evitar a letalidade da covid-19. Houve 2,16 milhões de estelionatos no ano passado, uma alta de 7,8%, com aumento maior, de 17%, do estelionato por meios digitais. Fraudes e golpes atingiram entre julho de 2023 e junho de 2024 mais de 17 milhões de pessoas com 16 anos de idade ou mais, com prejuízo estimado superior a R$ 25,5 bilhões.

O avanço crescente de crimes digitais reforça a necessidade, já antiga, de coordenação dos aparatos de segurança pública e do uso intensivo dos meios de inteligência, mais do que aumento de gastos constante em policiamento. A mudança “desafia por completo a arquitetura institucional que organiza a segurança pública no Brasil, uma vez que a dinâmica criminal que a provoca extrapola limites geográficos e político-administrativos desenhados pelo pacto federativo — uma vítima de um crime digital reside em um Estado, mas seus autores podem estar em qualquer outra Unidade da Federação ou, mesmo, país do mundo”, assinala o Atlas. Seria importante gastar mais, por exemplo, em polícia judiciária e perícia técnica, recomenda.

Os crimes contra o patrimônio diminuíram nas ruas porque se tornaram provavelmente menos arriscados e mais lucrativos nos meios digitais, hoje uma forma de ação desenvolvida também pelo crime organizado. Seu ingresso “mudou por completo a cena do crime e o Estado ainda não consegue reagir na velocidade necessária”, registra o Atlas.

A reação dos aparatos de segurança pública é parte do problema da violência. A letalidade policial permanece alta, tanto quando o Estado é comandado por um partido de esquerda como de direita. Só 10 Estados tinham programas de uso de câmeras corporais em operação em 2024, uma das formas de vigiar, conter e punir os abusos policiais.

Os Estados aumentaram verbas para segurança em 19,8% e os municípios, em 58%, nos últimos quatro anos. Embora recursos sejam importantes, as mudanças no mapa da violência impõem há muito uma coordenação nacional entre União e entes federados. A Política Nacional de Segurança Pública, em tramitação no Congresso, é um passo indispensável para isso e deveria ser executada com presteza, depois de sanadas as divergências com os Estados.

Morticínio em Gaza precisa ser interrompido

Folha de S. Paulo

Israel tem cometido crimes de guerra em larga escala, com violação de direitos humanos e limitação do acesso a alimentos

Israel comete genocídio na Faixa de Gaza ou afirmar isso é apenas uma manifestação de antissemitismo?

Sobre o primeiro ponto, trava-se um intenso debate acadêmico que já vai vazando para as páginas de jornais no mundo todo. Os dois lados têm seus argumentos.

Para caracterizar penalmente um crime como genocídio, é necessário demonstrar que quem o perpetra tinha a intenção de "destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico racial ou religioso". E nunca é fácil provar um dolo assim tão específico, daí a baixa resolutividade das discussões.

É interessante notar que é crescente, embora ainda pequeno, o número de pesquisadores do Holocausto judeus que se inclina a classificar as ações de Israel em Gaza como genocidas. Um bom exemplo é o de Omer Bartov (Universidade Brown), que escreveu um artigo para o The New York Times com grande repercussão.

Há também políticos israelenses como o ex-premiê conservador Ehud Olmert. Ele evitou a palavra genocídio, mas falou em limpeza étnica e em transformar cidades em campos de concentração, o que fica apenas um pequeno degrau abaixo.

No que diz respeito ao antissemitismo, cumpre observar que o fenômeno é real. E uma das formas pelas quais ele se materializa é em cobrar de Israel comportamentos que não se exigem de outras nações. Algumas campanhas militares dos Estados Unidos no Vietnã, no Afeganistão e no Iraque produziram altas taxas de civis mortos, mas foram raras as vozes que falaram em um suposto genocídio.

É óbvio, por outro lado, que a existência de antissemitismo não pode servir de pretexto para blindar Israel de críticas procedentes, que são muitas.

Ambas as discussões possuem valor intelectual intrínseco, mas elas podem paradoxalmente desviar a atenção do que realmente importa: está ocorrendo um morticínio em Gaza que precisa ser interrompido.

Se o genocídio é um delito difícil de provar, crimes de guerra e contra a humanidade, que independem de dolo específico, são consideravelmente mais simples, e Israel os tem cometido em larga escala, com violação generalizada de direitos humanos, destruição de infraestrutura civil, deslocamentos forçados, limitação do acesso da população a alimentos e medicamentos essenciais.

Mesmo considerando que o atual ciclo de violência foi desencadeado pelos ataques terroristas do Hamas, que ainda fez reféns, não se pode aceitar que um Estado em pleno século 21 utilize a fome como arma de guerra.

Fazê-lo não apenas viola leis internacionais e preceitos morais básicos como também vai contra os interesses de longo prazo de Israel. Só haverá paz sustentável no Oriente Médio com a criação de um Estado palestino.

O governo israelense deveria buscar parceiros para negociar, mas parece mais empenhado em sabotar definitivamente qualquer chance de entendimento.

Contra o câncer, doses maciças de ciência

Folha de S. Paulo

Mortes retrocedem aos poucos por meio de prevenção e inovações como vacinas, que são alvos de ideologias obscurantistas

O falecimento precoce de algumas pessoas —como o da cantora Preta Gil, 50, menos de três anos após o diagnóstico de um tumor no cólon— pode reforçar a antiga percepção de que cânceres são sentenças de morte. Mas a realidade mudou, como demonstram avanços paulatinos da pesquisa oncológica.

No último dia 18, o periódico Nature Biomedical Engineering trouxe a mais recente boa nova: estudo da Universidade da Flórida testou com sucesso em roedores uma vacina com potencial para prevalecer como imunizante universal contra tumores. A inovação emprega tecnologia de RNA mensageiro para robustecer o sistema imunológico contra células cancerosas.

Nem toda pesquisa em animais redunda em tratamentos para humanos, mas sempre se aprende algo mesmo com experimentos fracassados. A marcha da ciência é lenta, e a persistência de casos fatais faz parecer que a medicina está perdendo a guerra.

Tumores não decorrem de supostos defeitos de genes isolados, e sim da conjunção complexa de múltiplos fatores que se avolumam com a idade. Desemaranhar esse novelo toma tempo; não há aqui nó górdio a ser cortado.

Fato é que, ajustadas por idade, as taxas de mortalidade por câncer estão recuando, ao menos em países de alta renda.

A marcha da medicina avança em três frentes, sendo a primeira delas a prevenção. A redução do tabagismo em populações afluentes, por exemplo, mais dia menos dia acarretará regressão de óbitos também em nações de renda baixa. Estima-se que, nos EUA, isso tenha poupado mais de 3 milhões de vidas desde 1975.

O barateamento de remédios e terapias também contribui. No Reino Unido, a massificação de vacinas contra HPV para jovens, a partir de 2008, já conteve a ocorrência de tumores de colo de útero em mulheres de 20 anos.

Por fim, o maior conhecimento sobre a miríade de fatores ambientais e oncogenéticos prossegue instrumentando a prática clínica. Por que só 5% a 10% dos pólipos se transformam em cânceres intestinais? Ao desvendar tais enigmas, a pesquisa se torna a cada dia mais capaz de identificar as pessoas propensas e prevenir a eclosão de tumores.

Há más novas, porém. A vacina universal foi financiada pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, que ora recebem cortes arbitrários da gestão Donald Trump. E, lá como cá, grassa desinformação sobre vacinas, como a do HPV, que comprovadamente salvam vidas. Agora, a luta também se dá contra ideologias que desacreditam a melhor ciência.

 Lula deveria falar com Trump

O Estado de S. Paulo

Estadistas não têm fígado. Quaisquer divergências pessoais que Lula possa ter com Trump deveriam ser deixadas de lado em nome do interesse nacional. Mas Lula parece desejar o confronto

Logo que o presidente dos EUA, Donald Trump, divulgou sua desaforada carta anunciando um tarifaço contra o Brasil, o presidente Lula da Silva deveria ter assumido o papel de negociador-chefe, dispondo-se a falar diretamente com Trump para discutir os termos do ultimato.

A razão é muito simples: a esta altura, está claro que apenas Trump fala por Trump. Negociação de subalternos de Lula com subalternos do presidente americano é perda de tempo, pois Trump só faz o que lhe dá na veneta – inclusive castigar o Brasil em razão dos processos que correm contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e das decisões do Judiciário contra as big techs, empresas de tecnologia que administram redes sociais.

Lula deveria ter telefonado para Trump no instante em que recebeu a carta do presidente americano e pedido esclarecimentos. Seria uma oportunidade para dizer a Trump que o governo não tem como interferir nem nos processos contra Bolsonaro nem nos veredictos do Supremo Tribunal Federal contra as big techs, pois aqui vigora a separação constitucional dos Poderes. No mesmo telefonema, por outro lado, Lula poderia se mostrar disposto a conversar sobre as demais demandas de Trump a respeito das relações comerciais dos EUA com o Brasil, que segundo o presidente americano são prejudiciais a seu país. Seria a ocasião oportuna para o chefe de Estado brasileiro apresentar à sua contraparte os dados que desmentem essa percepção

É pouco provável que Trump sequer fosse atender o telefonema de Lula ou mesmo que fosse ceder ao presidente brasileiro em qualquer desses pontos, mas isso não importa. O que interessa, neste momento, é demonstrar verdadeiro interesse em preservar as relações com os EUA. E isso só será possível se Lula liderar ele mesmo o diálogo com os americanos, mostrando espírito aberto para ouvir o que Washington tem a dizer.

É isso o que faria um estadista. Lula fez o certo ao deixar claro que a soberania brasileira não era negociável, mas o passo seguinte deveria ser a construção de um canal de diálogo de alto nível nos EUA, o que até agora não aconteceu. E não aconteceu, como bem sabemos, porque Lula decidiu, em seu terceiro mandato, fazer do antiamericanismo a própria razão de ser de sua política externa.

Para Lula, o distanciamento do País com os EUA é até desejável, para deixar claro que o Brasil não depende nem precisa dos americanos. A truculência de Trump em relação ao Brasil, nesse ponto, funciona como o argumento que Lula e o PT precisavam para justificar a aproximação com a China e a Rússia, líderes do bloco antiamericano. Assim, faz sentido que Lula não pareça muito preocupado com a ofensiva dos EUA contra o Brasil. Ao contrário, o tarifaço veio em boa hora para Lula, não só para reforçar os laços com chineses e russos, como ele sempre quis, mas também para lhe dar um discurso nacionalista e patrioteiro que pode render pontos preciosos na campanha pela reeleição.

Por isso tudo, fica difícil esperar que Lula dispa a roupa de candidato e vista a de presidente da República, a quem cabe liderar o País neste momento crítico e fazer de tudo para estabelecer pontes com a Casa Branca.

Estadistas de verdade não têm fígado. Quaisquer divergências pessoais ou ideológicas que Lula possa vir a ter com Donald Trump devem ser deixadas de lado em nome do interesse nacional. Desde o anúncio do tarifaço, no entanto, Lula já disse que Trump quer ser “imperador do mundo”, já declarou que “a guerra tarifária vai começar na hora em que eu der uma resposta ao Trump, se ele não mudar de opinião”, e já afirmou que as democracias latino-americanas (de esquerda, por suposto) devem se unir contra o “extremismo intervencionista”. Não são frases de alguém que deseja genuinamente conversar com Trump.

Está ficando claro, infelizmente, que para Lula não importam muito os prejuízos do Brasil com o tarifaço ou com outras sanções americanas, desde que o caso todo mantenha acesa a chama da indignação de parte dos eleitores com Trump e com o bolsonarismo.

Reforma administrativa começa mal

O Estado de S. Paulo

Proposta de reforma administrativa na Câmara é tímida e prioriza transparência no pagamento de penduricalhos, como se o cumprimento desse princípio constitucional fosse favor, e não obrigação

Começaram mal as discussões sobre uma reforma administrativa na Câmara. O coordenador do grupo de trabalho criado para debater o tema, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), disse ao Estadão que tem 17 propostas para disciplinar o pagamento de penduricalhos que elevam o salário do funcionalismo público. Paradoxalmente, nenhuma delas está nos textos que ele entregou ao presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), nos últimos dias.

A estratégia, segundo o deputado, será apresentá-las aos líderes partidários e testar a sua aceitação antes que elas sejam incluídas no pacote, formado por uma proposta de emenda à Constituição (PEC), um projeto de lei complementar e um projeto de lei ordinário. Dessa forma, ele acredita que as propostas não serão alvo de “sabotagem”, motivo pelo qual reformas anteriores teriam fracassado no Congresso.

“É muito fácil eu apresentar uma proposta apocalíptica, uma proposta com tudo – e tem propostas na Câmara que fazem isso, né? Tem propostas de todos os campos ideológicos, mas todas elas fracassaram, porque não se buscou ter algum tipo de diálogo político”, afirmou Pedro Paulo.

Em parte, o deputado tem razão. De fato, o lobby dos servidores públicos é um dos mais organizados do País, mas não se pode atribuir a ele o motivo do fracasso da última reforma administrativa que tramitou no Congresso. É inegável que esse tipo de proposta não avança sem o apoio contundente do Poder Executivo.

Foi exatamente o que faltou à PEC 32/2020, elaborada pela equipe econômica do governo Bolsonaro. Às vésperas da criação da comissão especial sobre o tema, em meados de 2021, o ex-presidente, preocupado com a eleição do ano seguinte, disse às lideranças do Congresso que o assunto não fazia parte de suas prioridades. Foi o que deu força para que o funcionalismo público destroçasse a PEC.

Ao final, o texto chegou ao ponto de propor elevar, em vez de diminuir, o número de carreiras típicas de Estado. Essa aberração até foi aprovada pela comissão especial criada para discuti-la, mas felizmente nunca foi submetida ao plenário. Mesmo desfigurada, a PEC 32/2020 não recebeu o apoio do governo Lula da Silva, que trata os servidores como parte de seu eleitorado cativo.

Desde 2023, o Executivo retomou os concursos públicos e concedeu reajustes a diversas categorias. Nesse contexto, e a menos de um ano e meio das eleições, não parece crível imaginar que o Congresso consiga aprovar uma reforma administrativa, mas é perfeitamente factível que os parlamentares ao menos façam discussões ambiciosas sobre temas espinhosos que chocam a sociedade, como os penduricalhos da cúpula do serviço público.

De todas as mamatas que já vieram à tona, a mais recente é o valor que o governo destinou em honorários advocatícios aos membros da Advocacia-Geral da União (AGU), procuradores da Fazenda Nacional e de autarquias. Foram R$ 18,6 bilhões desde 2017, atualmente administrados por um fundo formado por integrantes da categoria que se recusa a divulgar os valores sob o argumento de que a verba – pasmem – tem natureza privada.

Seria um bom momento para o deputado Pedro Paulo cobrar decoro da carreira, que é muito bem paga justamente para defender as causas da União. Sua proposta, no entanto, se limita a reafirmar que haja transparência em todos os atos remuneratórios.

Ora, transparência ainda é um dos princípios constitucionais da administração pública. Cumprir esse princípio não é favor: é obrigação. E os funcionários públicos beneficiados por esse “bônus” sabem muito bem disso. Afinal, foram aprovados em disputados concursos públicos que abordam questões muito mais complexas do que essa.

Nada, a não ser a disposição de driblar o teto remuneratório de R$ 46.366,19, justifica os penduricalhos que algumas carreiras do topo do serviço público criaram para si mesmas. Qualquer proposta que não enfrente o cerne da questão e, pior, tergiverse sobre ele não pode ser chamada de reforma. Uma discussão que já começa sob esses termos não merece avançar. Pelo amor ao debate, há que se diferenciar realismo e pusilanimidade.

Desarticulação policial mata

O Estado de S. Paulo

Morte de policial civil por um PM expõe o perigo da dispersão das forças de segurança

A morte do policial civil Rafael Moura da Silva, atingido por tiros disparados pelo sargento Marcus Augusto da Costa Mendes, das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), durante uma incursão na Favela do Fogaréu, zona sul de São Paulo, foi a culminação trágica de uma sucessão de erros. O principal deles, como restou tristemente evidente, é a falta de comunicação entre as Polícias Civil e Militar de São Paulo.

Há poucos dias, os policiais de ambas as forças de segurança cruzaram seus caminhos naquele local com objetivos diferentes. Os militares da Rota tentavam chegar a um ponto da favela em que suspeitavam haver tráfico de drogas. Segundo consta, o sargento Mendes tinha até a chave de um portão de ferro que dava acesso à chamada “biqueira”. Já os policiais civis tentavam capturar um suspeito de latrocínio que estaria escondido ali.

Ao abrir o portão, o sargento se deparou com o policial civil armado, que não estava inequivocamente identificado como tal nem usava colete balístico, como registra a gravação da câmera corporal instalada na farda do policial militar. A ação trágica durou cerca de 15 segundos, que logo pareceriam uma eternidade à espera do socorro em meio ao desespero de todos os envolvidos ao constatarem aquele terrível engano.

A fatalidade expôs de forma chocante o grau de desarticulação entre as forças policiais do Estado mais populoso e mais rico do País – condições que, em tese, deveriam resultar nas mais bem treinadas e equipadas forças policiais que a sociedade paulista poderia ter a seu serviço. É inaceitável que, em pleno 2025, a Polícia Militar e a Polícia Civil atuem em zonas de conflito como se fossem forças paralelas, sem comunicação mínima, como se não compartilhassem o mesmo propósito institucional: garantir a segurança dos cidadãos – entre os quais, por óbvio, incluem-se seus próprios agentes.

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo, em nota, informou que todos os policiais militares envolvidos na morte de Rafael Moura foram afastados das funções operacionais e que as imagens das câmeras corporais dos PMs estão à disposição das autoridades competentes. O afastamento e a disponibilização dos registros audiovisuais são medidas mínimas, necessárias, mas insuficientes. O problema de fundo é estrutural.

De nada serve à segurança pública as autoridades enfatizarem se tratar de um caso episódico, ainda que com desfecho trágico. A morte de um policial em serviço pelas mãos de um colega é inaceitável. As duas instituições deveriam atuar de forma sinérgica e coordenada. A falta de protocolos unificados, de canais eficazes de comunicação e de treinamentos conjuntos entre as Polícias Civil e Militar transforma a atuação policial em um campo minado para os agentes e para a população em geral.

A evitável morte do policial Rafael Moura acende mais um sinal de alerta para os desafios da implementação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública – em particular à eficácia do Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Se nem no âmbito de uma mesma unidade da Federação as forças de segurança, ao que parece, não estão plenamente integradas, como esperar que isso ocorra entre as polícias de 26 Estados e do Distrito Federal?

Segurança pública segue desafiando o país

Correio Braziliense

O Brasil continua com profundos problemas na segurança pública. E jogar luz sobre esses dados é passo importante para ajudar a perceber o tamanho do desafio, que cobra políticas públicas eficazes

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgou, ontem, mais uma edição do amplo levantamento sobre o setor no país. O novo Anuário Brasileiro de Segurança Pública considera os números de 2024 e os compara com a série histórica da pesquisa, realizada desde 2012. Em meio a detalhes tão profundos, não faltam destaques, quase sempre negativos. Em 2024, por exemplo, o Brasil registrou um estupro a cada seis minutos (recorde absoluto da série histórica), enquanto o número de pessoas mortas pela polícia subiu 61%. Ao mesmo tempo, os registros de racismo e injúria racial aumentaram em dígitos duplos percentualmente, e o total de estelionatos alcançou patamares nunca antes mapeados pelos pesquisadores.

De maneira geral, o país continua com profundos problemas na segurança pública. E jogar luz sobre esses dados é passo importante para ajudar a perceber o tamanho do desafio, que cobra políticas públicas eficazes. A partir da riqueza de detalhes trazida pelo anuário, gestores públicos têm por obrigação reunir suas equipes para entender erros e acertos de suas administrações, independentemente do posicionamento ideológico de cada um. Uma coisa é certa: o receituário da opressão e repressão, pela enésima vez, se mostra insuficiente para frear a criminalidade no Brasil.

Da mesma forma, sabe-se que a elaboração de políticas públicas eficientes dá resultados. E os dados do anuário comprovam isso — quando se olha para o roubo e furto de celulares no país, por exemplo. O Brasil registrou 850.804 ocorrências do tipo em 2024, uma redução de 12% em relação a 2023.  O número segue alto, obviamente, mas os programas de atenção a esse problema têm surtido efeito prático. "São casos em que as políticas públicas parecem incidir diretamente", destacam os pesquisadores. 

São medidas como a conscientização da população sobre o bloqueio dos aparelhos após o cometimento do crime, além de parcerias com empresas privadas para evitar o uso dos smartphones após o extravio. Estratégias de eficácia semelhantes precisam ser expandidas para a segurança pública como um todo. Quando se olha tecnicamente para problemas históricos, a resolução parece muito mais próxima de ser alcançada, ainda que os desafios sejam enormes em um país gigantesco e desigual como o Brasil.

Nesse sentido, passa diretamente pelas boas práticas o necessário controle das forças policiais. "A letalidade policial não pode ser analisada isoladamente dos desvios institucionais que corroem a integridade das forças de segurança", destaca o anuário. Números comprovam: policiais mataram cinco pessoas por dia nas capitais em 2024. A margem dada às corporações para ceifar vidas de cidadãos, principalmente jovens negros, nunca contribuiu para melhor segurança pública. 

Como mostram os dados deste texto, o país continua com índices criminais assustadores, mesmo com o reforço sistêmico dado à noção de que quanto mais força, melhor. "O número de mortos em intervenções policiais permanece em patamares alarmantes, vitimando, desde 2018, mais de 6 mil pessoas por ano no país", ressalta o FBSP. É preciso olhar para esse problema de maneira mais técnica. Com menos coração e mais razão.

Nordeste tem as 10 cidades mais violentas do Brasil

O Povo (CE)

Maranguape ocupa o primeiro lugar entre as cidades com mais homicídios

Desde o início de seu mandato, o governador Elmano de Freitas (PT) vem tomando providências para reduzir a criminalidade no Ceará. O objetivo é diminuir o número de homicídios e combater as facções criminosas.

Quanto aos homicídios, obteve-se relativo sucesso, com a redução de 16,6% dos assassinatos no primeiro semestre de 2025. No entanto, o número de mortes por 100 mil habitantes continua alto, bem acima da média nacional.

Contra as facções, apesar das operações que resultaram na prisão de alguns chefes dessas organizações criminosas, não é possível dizer que houve efetividade para impedir a continuidade dos crimes.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado ontem, com dados de 2024, trouxe péssima notícia para os cearenses. Maranguape é a cidade mais violenta do Brasil, entre os municípios com mais de 100 mil habitantes.

A cidade, na região metropolitana de Fortaleza, fica em primeiro lugar em mortes violentas intencionais (MVI), com 79,9 ocorrências por 100 mil habitantes. O índice é quatro vezes maior que a média nacional, de 20,8. Em números absolutos, o município registrou 87 mortes violentas no ano passado, 11,5% a mais do que em 2023, quando ficou na 8ª posição em MVI.

O que explica a explosão de violência em Maranguape são ações criminosas das facções, que se espalham pelo Brasil, especialmente no Nordeste, região na qual estão as 10 cidades mais violentas do Brasil.

No Ceará, atuam pelo menos quatro facções, duas delas com origem no Estado. Ora aliadas, ora em disputa, essas organizações criminosas promovem uma intensa guerra na disputa por territórios, controle de rotas do tráfico, que não raro resultam em expulsão de moradores de suas casas, assassinatos, execuções pelo "tribunal do crime" e chacinas.

Quanto ao Brasil, houve queda dos homicídios, que somaram 44.127, redução de 5,4% em relação a 2023. No entanto, as mortes causadas por intervenção policial tiveram redução menor, de 2,7%, somando 6.243 mortes. Em alguns estados, houve alta expressiva, como São Paulo, por exemplo, onde o índice subiu 61%.

A violência contra as mulheres atingiu o recorde de feminicídios, com 1.492 mulheres assassinadas por motivo de gênero. As tentativas de feminicídio subiram 19%.

Os dados sobre estupro também são alarmantes: foram 87.545 vítimas em 2024, a maioria crianças e adolescentes do sexo feminino. A cada seis minutos, aconteceu um estupro no Brasil.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é um importante instrumento para auxiliar gestores públicos na formulação de propostas para a área. Assim, todos os estados deveriam oferecer dados com qualidade e transparência, de modo a fornecer informações cada vez mais precisas para a informação dos cidadãos e análise de instituições da sociedade civil.

 

 


 

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