Congresso acerta ao conter radicalismo de bolsonaristas
O Globo
Lideranças rechaçam tentativas de pautar
pacote de medidas anti-STF e contrário ao interesse nacional
Até o momento, a cúpula do Congresso e
líderes do Centrão têm agido com sensatez ao conter os arroubos radicais em
resposta às restrições impostas pelo ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao ex-presidente Jair
Bolsonaro. É essencial que mantenham tal posição. Políticos ligados ao
ex-mandatário aproveitam o ambiente conturbado para tentar emplacar uma série
de pautas descabidas.
Uma delas, que faz parte do chamado pacote anti-STF, é a que muda a Lei do Impeachment para ministros da Corte, ampliando as hipóteses de crime de responsabilidade. Outra impõe prazos e novos critérios para tramitação dos pedidos de afastamento, de modo a evitar que fiquem engavetados. A pauta, que sempre vem à tona em momentos de crise entre os Poderes, tem potencial para dinamitar as relações entre Legislativo e Judiciário. Outra proposta desconexa é a que prevê anistia aos envolvidos na trama golpista do 8 de Janeiro.
A obsessão pela anistia é tamanha que o
entorno de Bolsonaro chegou a sugerir a aprovação da proposta como condição
para negociar o fim do tarifaço imposto às importações de produtos brasileiros
pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em abril, o PL, partido de
Bolsonaro, conseguiu assinaturas para protocolar um pedido de urgência, mas,
felizmente, a razão prevaleceu, e a pauta não andou.
Parlamentares bolsonaristas pressionam o
Congresso também para fazer andar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que
restringe o foro privilegiado apenas a presidentes de Poderes. Deputados,
senadores e outras autoridades passariam a ser julgados na primeira instância,
e não mais no Supremo. Nitidamente, a inciativa é casuística, por visar à
retirada do processo contra Bolsonaro do STF.
Para o bem do país, esses grupos mais
exaltados vêm acumulando derrotas. Apoiadores do ex-presidente tentaram
cancelar as férias legislativas para que esses projetos pudessem ser
apreciados, mas o pedido não foi atendido pelos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
e do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP). Em outra iniciativa frustrada, aliados tentaram
convocar sessões de comissões para apoiar Bolsonaro. Não conseguiram. O líder
do MDB na Câmara, deputado Isnaldo Bulhões (AL), que é próximo a Motta, diz que
não são pautas para o momento. “O conjunto da obra e o contexto geral dão
vergonha alheia”, afirmou. O líder do Republicanos, Gilberto Abramo (MG),
afirma que Motta “está preocupado com a estabilidade” e que é hora de agir “com
cautela”. Os dois estão certos.
Após o recesso, a Câmara terá de se ocupar de
outro tema explosivo: o mandato do deputado Eduardo
Bolsonaro, que está nos Estados Unidos, onde tem apoiado as sanções contra
o Brasil. A licença do parlamentar expirou. Pelas normas, se não comparecer às
sessões, receberá falta. A partir de novembro, o acúmulo de ausências poderia
levar à cassação. Já há projetos propondo o exercício do mandato de forma
remota, o que não faz nenhum sentido. Não é momento de propostas estapafúrdias.
É hora de serenar os ânimos e conter radicalismos.
Aumento de estupros exige mais atenção à
violência contra mulheres
O Globo
Uma pessoa é estuprada a cada seis minutos no
Brasil, número mais alto desde o início da série histórica
No mapa da violência no Brasil, os estupros
não param de crescer. No ano passado foram notificados 87.545 casos, de acordo
com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado nesta
quinta-feira. Em 2024, uma pessoa foi estuprada a cada seis minutos. O número é
o mais elevado desde que essa estatística começou a ser acompanhada, em 2006,
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que edita o levantamento.
Os pesquisadores não explicam o aumento pela
simples queda da subnotificação. Consideram que houve crescimento real. Ainda
que não faltem leis e atenção de autoridades à violência
sexual contra as mulheres, esse crime persiste, desafia o poder
público e a sociedade. Combatê-lo de forma mais eficaz deve ser prioridade
nacional.
O perfil do crime é degradante: 77% das
ocorrências são de estupro de “vulneráveis”, menores de 14 anos de idade,
pessoas com alguma deficiência ou por estarem embriagadas ou sedadas. A
geografia é majoritariamente urbana, mas se concentra em regiões fora dos
grandes centros, em enclaves e áreas de expansão do agronegócio na região da
Amazônia.
Para uma taxa média nacional de 41,2 estupros
por grupo de 100 mil habitantes, os destaques negativos são: Boa Vista (RR),
com 132,7, a mais elevada, seguida de Sorriso (MT), 131,9, e Ariquemes (RO),
com 122,5. Os dados de 2024 confirmam uma tendência nacional e internacional
conhecida: 45,5% dos estupradores eram familiares das vítimas, e 20,6%
parceiros ou ex-parceiros íntimos delas.
Exemplo monstruoso do descaso e da violência
foi denunciado pelo portal Sumaúma e confirmado pelo GLOBO. Uma indígena presa
em uma delegacia no Amazonas diz ter sido estuprada durante nove meses por
quatro policiais militares e um guarda municipal. Apoiada em laudos médicos, a
indígena, que havia sido detida após uma briga com seu companheiro, pede
indenização do Estado. Comprovada a culpa, a condenação deve ser extremamente
rigorosa. Por uma questão de justiça e para ter papel pedagógico.
Não faltam leis de proteção à mulher. A questão é não só fazer com que toda essa legislação seja cumprida, mas também estimular e difundir o uso de mecanismos de prevenção contra o estupro ou qualquer outro tipo de violência. Em 2013, a Prefeitura de Vitória lançou o “botão de pânico”. Um dispositivo eletrônico envia sinal de emergência por GPS à Guarda Municipal, que aciona a viatura mais próxima. Campo Grande, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador, São Paulo, Recife e Fortaleza adotaram o método. Em algumas cidades, há o mesmo recurso em pontos de ônibus. Pesquisas internacionais mostram que a batalha para reduzir o número de estupros também se ganha nas escolas, ensinando os meninos a serem aliados contra esse crime abominável.
Violência nas ruas diminui; crescem os crimes
digitais
Valor Econômico
Porém, o mais recente Atlas Brasileiro de
Segurança Pública mostra que as vítimas não mudaram: maioria de homens e
mulheres negros
A taxa de mortes violentas intencionais em
2024 foi a menor desde 2012, com 20,8 vítimas por 100 mil habitantes, ou
44.127, revelou o Atlas Brasileiro de Segurança Pública divulgado ontem. Da
mesma forma, os roubos diminuíram, e parte da explicação está no aumento dos
gastos com segurança pública dos três entes federativos. A outra parte das
razões traz novas e sérias ameaças para o futuro: a violência nas ruas
diminuiu, mas os crimes cometidos na esfera privada aumentaram e migraram para
os meios digitais — estelionatos nessa esfera dispararam. Foram maiores também
o número de feminicídios, crimes sexuais contra vulneráveis e violência contra
crianças e adolescentes. Se houve migração de ambiente dos crimes, as vítimas
não mudaram: a violência pune em franca maioria homens e mulheres negros.
No caso de mortes violentas, o feminicídio
continua em alta, com 0,7% de aumento dos casos em relação a 2023, ao qual se
acrescentam 19% das tentativas de assassinato de mulheres. A tendência é
acentuada e preocupante, como ressalta o Atlas. “Os dados de 2024, de quase uma
década após a entrada em vigor da lei do feminicídio, seguem chocantes: no
último ano, todos os dias, ao menos quatro mulheres morreram vítimas de
feminicídio”. Houve 1.492 vítimas, maior número desde 2015.
Outros crimes crescem fora das ruas e se
alocam no lar. Dos 11 indicadores relacionados à violência sexual, 7 cresceram
em relação a 2023: estupro (ambos os sexos), estupro de vulnerável (ambos os
sexos), assédio e importunação sexual, e pornografia, o que mais cresceu,
13,1%. Houve também aumento de 3,7% nas mortes de crianças e adolescentes, e os
crimes contra ambos avançaram em todas as faixas etárias.
A sensação de insegurança, presente com
destaque em todas as pesquisas de opinião, não reflete a queda dos casos de
violência seguida de mortes observada, nem mesmo na redução significativa de
roubos, que caíram 51% desde 2018. Os assaltos a transeuntes, por exemplo,
diminuíram 22% no ano passado, o roubo de veículos, 10,4%, a residências,
19,2%, a cargas, 14,3%, e a bancos, 16,6%. Mas a percepção de insegurança é
potencializada, por exemplo, pelo furto (sem violência física) em larga escala
de celulares. Em 2024, foram 917,7 mil aparelhos roubados (ainda assim, queda
de 13,4%), e é a infração legal mais visível e escancarada — 80% dos casos
ocorrem em vias públicas — em uma “escala quase industrial”, segundo o Atlas. O
crime organizado entrou firme na receptação, na venda e no desmanche dos
componentes dos aparelhos para revenda à Ásia e à África.
Os crimes contra o patrimônio acompanharam a
digitalização das transações comerciais e financeiras, com todas as modalidades
de roubo sendo transferidas para o estelionato (todo tipo de fraude para obter
benefício econômico) por meios digitais, tendência que ganhou impulso a partir
da pandemia, quando as ruas ficaram desertas para evitar a letalidade da
covid-19. Houve 2,16 milhões de estelionatos no ano passado, uma alta de 7,8%,
com aumento maior, de 17%, do estelionato por meios digitais. Fraudes e golpes
atingiram entre julho de 2023 e junho de 2024 mais de 17 milhões de pessoas com
16 anos de idade ou mais, com prejuízo estimado superior a R$ 25,5 bilhões.
O avanço crescente de crimes digitais reforça
a necessidade, já antiga, de coordenação dos aparatos de segurança pública e do
uso intensivo dos meios de inteligência, mais do que aumento de gastos
constante em policiamento. A mudança “desafia por completo a arquitetura
institucional que organiza a segurança pública no Brasil, uma vez que a
dinâmica criminal que a provoca extrapola limites geográficos e
político-administrativos desenhados pelo pacto federativo — uma vítima de um
crime digital reside em um Estado, mas seus autores podem estar em qualquer
outra Unidade da Federação ou, mesmo, país do mundo”, assinala o Atlas. Seria
importante gastar mais, por exemplo, em polícia judiciária e perícia técnica,
recomenda.
Os crimes contra o patrimônio diminuíram nas
ruas porque se tornaram provavelmente menos arriscados e mais lucrativos nos
meios digitais, hoje uma forma de ação desenvolvida também pelo crime
organizado. Seu ingresso “mudou por completo a cena do crime e o Estado ainda
não consegue reagir na velocidade necessária”, registra o Atlas.
A reação dos aparatos de segurança pública é
parte do problema da violência. A letalidade policial permanece alta, tanto
quando o Estado é comandado por um partido de esquerda como de direita. Só 10
Estados tinham programas de uso de câmeras corporais em operação em 2024, uma
das formas de vigiar, conter e punir os abusos policiais.
Os Estados aumentaram verbas para segurança
em 19,8% e os municípios, em 58%, nos últimos quatro anos. Embora recursos
sejam importantes, as mudanças no mapa da violência impõem há muito uma
coordenação nacional entre União e entes federados. A Política Nacional de
Segurança Pública, em tramitação no Congresso, é um passo indispensável para
isso e deveria ser executada com presteza, depois de sanadas as divergências
com os Estados.
Morticínio em Gaza precisa ser interrompido
Folha de S. Paulo
Israel tem cometido crimes de guerra em larga
escala, com violação de direitos humanos e limitação do acesso a alimentos
Israel comete
genocídio na Faixa de Gaza ou
afirmar isso é apenas uma manifestação de antissemitismo?
Sobre o primeiro ponto, trava-se um intenso
debate acadêmico que já vai vazando para as páginas de jornais no mundo todo.
Os dois lados têm seus argumentos.
Para caracterizar penalmente um crime como
genocídio, é necessário demonstrar que quem o perpetra tinha a intenção de
"destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico racial ou
religioso". E nunca é fácil provar um dolo assim tão específico, daí a
baixa resolutividade das discussões.
É interessante notar que é crescente, embora
ainda pequeno, o número de pesquisadores do Holocausto judeus que se inclina a
classificar as ações de Israel em Gaza como genocidas. Um bom exemplo é o de
Omer Bartov (Universidade Brown), que escreveu um artigo para o The New York
Times com grande repercussão.
Há também políticos israelenses como o
ex-premiê conservador Ehud Olmert. Ele evitou a palavra genocídio, mas falou em
limpeza étnica e em transformar cidades em campos de concentração, o que fica
apenas um pequeno degrau abaixo.
No que diz respeito ao antissemitismo, cumpre
observar que o fenômeno é real. E uma das formas pelas quais ele se materializa
é em cobrar de Israel comportamentos que não se exigem de outras nações.
Algumas campanhas militares dos Estados
Unidos no Vietnã, no Afeganistão e
no Iraque produziram
altas taxas de civis mortos, mas foram raras as vozes que falaram em um suposto
genocídio.
É óbvio, por outro lado, que a existência de
antissemitismo não pode servir de pretexto para blindar Israel de críticas
procedentes, que são muitas.
Ambas as discussões possuem valor intelectual
intrínseco, mas elas podem paradoxalmente desviar a atenção do que realmente
importa: está
ocorrendo um morticínio em Gaza que precisa ser interrompido.
Se o genocídio é um delito difícil de provar,
crimes de guerra e contra a humanidade, que independem de dolo específico, são
consideravelmente mais simples, e Israel os tem cometido em larga escala, com
violação generalizada de direitos
humanos, destruição de infraestrutura civil,
deslocamentos forçados, limitação
do acesso da população a alimentos e medicamentos essenciais.
Mesmo considerando que o atual ciclo de violência foi
desencadeado pelos ataques terroristas do Hamas, que ainda
fez reféns, não se pode aceitar que um Estado em pleno século 21 utilize
a fome como
arma de guerra.
Fazê-lo não apenas viola leis internacionais
e preceitos morais básicos como também vai contra os interesses de longo prazo
de Israel. Só haverá paz sustentável no Oriente Médio com
a criação de um Estado palestino.
O governo israelense deveria buscar parceiros
para negociar, mas parece mais empenhado em sabotar
definitivamente qualquer chance de entendimento.
Contra o câncer, doses maciças de ciência
Folha de S. Paulo
Mortes retrocedem aos poucos por meio de
prevenção e inovações como vacinas, que são alvos de ideologias obscurantistas
O falecimento precoce de algumas pessoas
—como o da cantora Preta Gil,
50, menos de três anos após o diagnóstico de um tumor no cólon— pode reforçar a
antiga percepção de que cânceres são sentenças de morte. Mas a realidade mudou,
como demonstram avanços paulatinos da pesquisa oncológica.
No último dia 18, o
periódico Nature Biomedical Engineering trouxe a mais recente boa
nova: estudo da Universidade da Flórida testou com sucesso em roedores uma
vacina com potencial para prevalecer como imunizante universal contra tumores.
A inovação emprega tecnologia de RNA mensageiro para robustecer o sistema
imunológico contra células cancerosas.
Nem toda pesquisa em animais redunda em
tratamentos para humanos, mas sempre se aprende algo mesmo com experimentos
fracassados. A marcha da ciência é
lenta, e a persistência de casos fatais faz parecer que a medicina está
perdendo a guerra.
Tumores não decorrem de supostos defeitos de
genes isolados, e sim da conjunção complexa de múltiplos fatores que se
avolumam com a idade. Desemaranhar esse novelo toma tempo; não há aqui nó
górdio a ser cortado.
Fato é que, ajustadas por idade, as taxas de
mortalidade por câncer estão
recuando, ao menos em países de alta renda.
A
marcha da medicina avança em três frentes, sendo a primeira delas a
prevenção. A redução do tabagismo em populações afluentes, por exemplo, mais
dia menos dia acarretará regressão de óbitos também em nações de renda baixa.
Estima-se que, nos EUA, isso tenha poupado mais de 3 milhões de vidas desde
1975.
O barateamento de remédios e terapias também
contribui. No Reino Unido,
a massificação de vacinas contra HPV para jovens, a partir de 2008, já conteve
a ocorrência de tumores de colo de útero em mulheres de 20 anos.
Por fim, o maior conhecimento sobre a miríade
de fatores ambientais e oncogenéticos prossegue instrumentando a prática
clínica. Por que só 5% a 10% dos pólipos se transformam em cânceres
intestinais? Ao desvendar tais enigmas, a pesquisa se torna a cada dia mais
capaz de identificar as pessoas propensas e prevenir a eclosão de tumores.
Há más novas, porém. A vacina universal foi
financiada pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados
Unidos, que ora recebem cortes arbitrários da gestão Donald Trump.
E, lá como cá, grassa
desinformação sobre vacinas, como a do HPV, que comprovadamente salvam
vidas. Agora, a luta também se dá contra ideologias que desacreditam a melhor
ciência.
Lula deveria falar com Trump
O Estado de S. Paulo
Estadistas não têm fígado. Quaisquer
divergências pessoais que Lula possa ter com Trump deveriam ser deixadas de
lado em nome do interesse nacional. Mas Lula parece desejar o confronto
Logo que o presidente dos EUA, Donald Trump,
divulgou sua desaforada carta anunciando um tarifaço contra o Brasil, o
presidente Lula da Silva deveria ter assumido o papel de negociador-chefe,
dispondo-se a falar diretamente com Trump para discutir os termos do ultimato.
A razão é muito simples: a esta altura, está
claro que apenas Trump fala por Trump. Negociação de subalternos de Lula com
subalternos do presidente americano é perda de tempo, pois Trump só faz o que
lhe dá na veneta – inclusive castigar o Brasil em razão dos processos que
correm contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e das decisões do Judiciário
contra as big techs, empresas de tecnologia que administram redes sociais.
Lula deveria ter telefonado para Trump no
instante em que recebeu a carta do presidente americano e pedido
esclarecimentos. Seria uma oportunidade para dizer a Trump que o governo não
tem como interferir nem nos processos contra Bolsonaro nem nos veredictos do
Supremo Tribunal Federal contra as big techs, pois aqui vigora a separação
constitucional dos Poderes. No mesmo telefonema, por outro lado, Lula poderia
se mostrar disposto a conversar sobre as demais demandas de Trump a respeito
das relações comerciais dos EUA com o Brasil, que segundo o presidente
americano são prejudiciais a seu país. Seria a ocasião oportuna para o chefe de
Estado brasileiro apresentar à sua contraparte os dados que desmentem essa
percepção
É pouco provável que Trump sequer fosse
atender o telefonema de Lula ou mesmo que fosse ceder ao presidente brasileiro
em qualquer desses pontos, mas isso não importa. O que interessa, neste
momento, é demonstrar verdadeiro interesse em preservar as relações com os EUA.
E isso só será possível se Lula liderar ele mesmo o diálogo com os americanos,
mostrando espírito aberto para ouvir o que Washington tem a dizer.
É isso o que faria um estadista. Lula fez o
certo ao deixar claro que a soberania brasileira não era negociável, mas o
passo seguinte deveria ser a construção de um canal de diálogo de alto nível
nos EUA, o que até agora não aconteceu. E não aconteceu, como bem sabemos,
porque Lula decidiu, em seu terceiro mandato, fazer do antiamericanismo a
própria razão de ser de sua política externa.
Para Lula, o distanciamento do País com os
EUA é até desejável, para deixar claro que o Brasil não depende nem precisa dos
americanos. A truculência de Trump em relação ao Brasil, nesse ponto, funciona
como o argumento que Lula e o PT precisavam para justificar a aproximação com a
China e a Rússia, líderes do bloco antiamericano. Assim, faz sentido que Lula
não pareça muito preocupado com a ofensiva dos EUA contra o Brasil. Ao
contrário, o tarifaço veio em boa hora para Lula, não só para reforçar os laços
com chineses e russos, como ele sempre quis, mas também para lhe dar um
discurso nacionalista e patrioteiro que pode render pontos preciosos na
campanha pela reeleição.
Por isso tudo, fica difícil esperar que Lula
dispa a roupa de candidato e vista a de presidente da República, a quem cabe
liderar o País neste momento crítico e fazer de tudo para estabelecer pontes
com a Casa Branca.
Estadistas de verdade não têm fígado.
Quaisquer divergências pessoais ou ideológicas que Lula possa vir a ter com
Donald Trump devem ser deixadas de lado em nome do interesse nacional. Desde o
anúncio do tarifaço, no entanto, Lula já disse que Trump quer ser “imperador do
mundo”, já declarou que “a guerra tarifária vai começar na hora em que eu der
uma resposta ao Trump, se ele não mudar de opinião”, e já afirmou que as
democracias latino-americanas (de esquerda, por suposto) devem se unir contra o
“extremismo intervencionista”. Não são frases de alguém que deseja genuinamente
conversar com Trump.
Está ficando claro, infelizmente, que para
Lula não importam muito os prejuízos do Brasil com o tarifaço ou com outras
sanções americanas, desde que o caso todo mantenha acesa a chama da indignação
de parte dos eleitores com Trump e com o bolsonarismo.
Reforma administrativa começa mal
O Estado de S. Paulo
Proposta de reforma administrativa na Câmara
é tímida e prioriza transparência no pagamento de penduricalhos, como se o
cumprimento desse princípio constitucional fosse favor, e não obrigação
Começaram mal as discussões sobre uma reforma
administrativa na Câmara. O coordenador do grupo de trabalho criado para
debater o tema, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), disse ao Estadão que
tem 17 propostas para disciplinar o pagamento de penduricalhos que elevam o
salário do funcionalismo público. Paradoxalmente, nenhuma delas está nos textos
que ele entregou ao presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), nos
últimos dias.
A estratégia, segundo o deputado, será
apresentá-las aos líderes partidários e testar a sua aceitação antes que elas
sejam incluídas no pacote, formado por uma proposta de emenda à Constituição
(PEC), um projeto de lei complementar e um projeto de lei ordinário. Dessa
forma, ele acredita que as propostas não serão alvo de “sabotagem”, motivo pelo
qual reformas anteriores teriam fracassado no Congresso.
“É muito fácil eu apresentar uma proposta
apocalíptica, uma proposta com tudo – e tem propostas na Câmara que fazem isso,
né? Tem propostas de todos os campos ideológicos, mas todas elas fracassaram,
porque não se buscou ter algum tipo de diálogo político”, afirmou Pedro Paulo.
Em parte, o deputado tem razão. De fato, o
lobby dos servidores públicos é um dos mais organizados do País, mas não se
pode atribuir a ele o motivo do fracasso da última reforma administrativa que
tramitou no Congresso. É inegável que esse tipo de proposta não avança sem o
apoio contundente do Poder Executivo.
Foi exatamente o que faltou à PEC 32/2020,
elaborada pela equipe econômica do governo Bolsonaro. Às vésperas da criação da
comissão especial sobre o tema, em meados de 2021, o ex-presidente, preocupado
com a eleição do ano seguinte, disse às lideranças do Congresso que o assunto
não fazia parte de suas prioridades. Foi o que deu força para que o
funcionalismo público destroçasse a PEC.
Ao final, o texto chegou ao ponto de propor
elevar, em vez de diminuir, o número de carreiras típicas de Estado. Essa
aberração até foi aprovada pela comissão especial criada para discuti-la, mas
felizmente nunca foi submetida ao plenário. Mesmo desfigurada, a PEC 32/2020
não recebeu o apoio do governo Lula da Silva, que trata os servidores como
parte de seu eleitorado cativo.
Desde 2023, o Executivo retomou os concursos
públicos e concedeu reajustes a diversas categorias. Nesse contexto, e a menos
de um ano e meio das eleições, não parece crível imaginar que o Congresso
consiga aprovar uma reforma administrativa, mas é perfeitamente factível que os
parlamentares ao menos façam discussões ambiciosas sobre temas espinhosos que
chocam a sociedade, como os penduricalhos da cúpula do serviço público.
De todas as mamatas que já vieram à tona, a
mais recente é o valor que o governo destinou em honorários advocatícios aos
membros da Advocacia-Geral da União (AGU), procuradores da Fazenda Nacional e
de autarquias. Foram R$ 18,6 bilhões desde 2017, atualmente administrados por
um fundo formado por integrantes da categoria que se recusa a divulgar os
valores sob o argumento de que a verba – pasmem – tem natureza privada.
Seria um bom momento para o deputado Pedro
Paulo cobrar decoro da carreira, que é muito bem paga justamente para defender
as causas da União. Sua proposta, no entanto, se limita a reafirmar que haja
transparência em todos os atos remuneratórios.
Ora, transparência ainda é um dos princípios
constitucionais da administração pública. Cumprir esse princípio não é favor: é
obrigação. E os funcionários públicos beneficiados por esse “bônus” sabem muito
bem disso. Afinal, foram aprovados em disputados concursos públicos que abordam
questões muito mais complexas do que essa.
Nada, a não ser a disposição de driblar o
teto remuneratório de R$ 46.366,19, justifica os penduricalhos que algumas
carreiras do topo do serviço público criaram para si mesmas. Qualquer proposta
que não enfrente o cerne da questão e, pior, tergiverse sobre ele não pode ser
chamada de reforma. Uma discussão que já começa sob esses termos não merece
avançar. Pelo amor ao debate, há que se diferenciar realismo e pusilanimidade.
Desarticulação policial mata
O Estado de S. Paulo
Morte de policial civil por um PM expõe o
perigo da dispersão das forças de segurança
A morte do policial civil Rafael Moura da
Silva, atingido por tiros disparados pelo sargento Marcus Augusto da Costa
Mendes, das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), durante uma incursão na
Favela do Fogaréu, zona sul de São Paulo, foi a culminação trágica de uma
sucessão de erros. O principal deles, como restou tristemente evidente, é a
falta de comunicação entre as Polícias Civil e Militar de São Paulo.
Há poucos dias, os policiais de ambas as
forças de segurança cruzaram seus caminhos naquele local com objetivos
diferentes. Os militares da Rota tentavam chegar a um ponto da favela em que
suspeitavam haver tráfico de drogas. Segundo consta, o sargento Mendes tinha
até a chave de um portão de ferro que dava acesso à chamada “biqueira”. Já os
policiais civis tentavam capturar um suspeito de latrocínio que estaria
escondido ali.
Ao abrir o portão, o sargento se deparou com
o policial civil armado, que não estava inequivocamente identificado como tal
nem usava colete balístico, como registra a gravação da câmera corporal
instalada na farda do policial militar. A ação trágica durou cerca de 15
segundos, que logo pareceriam uma eternidade à espera do socorro em meio ao
desespero de todos os envolvidos ao constatarem aquele terrível engano.
A fatalidade expôs de forma chocante o grau
de desarticulação entre as forças policiais do Estado mais populoso e mais rico
do País – condições que, em tese, deveriam resultar nas mais bem treinadas e
equipadas forças policiais que a sociedade paulista poderia ter a seu serviço.
É inaceitável que, em pleno 2025, a Polícia Militar e a Polícia Civil atuem em
zonas de conflito como se fossem forças paralelas, sem comunicação mínima, como
se não compartilhassem o mesmo propósito institucional: garantir a segurança
dos cidadãos – entre os quais, por óbvio, incluem-se seus próprios agentes.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) de
São Paulo, em nota, informou que todos os policiais militares envolvidos na
morte de Rafael Moura foram afastados das funções operacionais e que as imagens
das câmeras corporais dos PMs estão à disposição das autoridades competentes. O
afastamento e a disponibilização dos registros audiovisuais são medidas
mínimas, necessárias, mas insuficientes. O problema de fundo é estrutural.
De nada serve à segurança pública as
autoridades enfatizarem se tratar de um caso episódico, ainda que com desfecho
trágico. A morte de um policial em serviço pelas mãos de um colega é
inaceitável. As duas instituições deveriam atuar de forma sinérgica e
coordenada. A falta de protocolos unificados, de canais eficazes de comunicação
e de treinamentos conjuntos entre as Polícias Civil e Militar transforma a
atuação policial em um campo minado para os agentes e para a população em
geral.
A evitável morte do policial Rafael Moura
acende mais um sinal de alerta para os desafios da implementação da Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública – em particular à eficácia do
Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Se nem no âmbito de uma mesma
unidade da Federação as forças de segurança, ao que parece, não estão
plenamente integradas, como esperar que isso ocorra entre as polícias de 26
Estados e do Distrito Federal?
Segurança pública segue desafiando o país
Correio Braziliense
O Brasil continua com profundos problemas na
segurança pública. E jogar luz sobre esses dados é passo importante para ajudar
a perceber o tamanho do desafio, que cobra políticas públicas eficazes
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP) divulgou, ontem, mais uma edição do amplo levantamento sobre o setor no
país. O novo Anuário Brasileiro de Segurança Pública considera os números de
2024 e os compara com a série histórica da pesquisa, realizada desde 2012. Em
meio a detalhes tão profundos, não faltam destaques, quase sempre negativos. Em
2024, por exemplo, o Brasil registrou um estupro a cada seis minutos (recorde
absoluto da série histórica), enquanto o número de pessoas mortas pela polícia
subiu 61%. Ao mesmo tempo, os registros de racismo e injúria racial aumentaram
em dígitos duplos percentualmente, e o total de estelionatos alcançou patamares
nunca antes mapeados pelos pesquisadores.
De maneira geral, o país continua com
profundos problemas na segurança pública. E jogar luz sobre esses dados é passo
importante para ajudar a perceber o tamanho do desafio, que cobra políticas
públicas eficazes. A partir da riqueza de detalhes trazida pelo anuário,
gestores públicos têm por obrigação reunir suas equipes para entender erros e
acertos de suas administrações, independentemente do posicionamento ideológico
de cada um. Uma coisa é certa: o receituário da opressão e repressão, pela
enésima vez, se mostra insuficiente para frear a criminalidade no Brasil.
Da mesma forma, sabe-se que a elaboração de
políticas públicas eficientes dá resultados. E os dados do anuário comprovam
isso — quando se olha para o roubo e furto de celulares no país, por exemplo. O
Brasil registrou 850.804 ocorrências do tipo em 2024, uma redução de 12% em
relação a 2023. O número segue alto, obviamente, mas os programas de
atenção a esse problema têm surtido efeito prático. "São casos em que as
políticas públicas parecem incidir diretamente", destacam os pesquisadores.
São medidas como a conscientização da
população sobre o bloqueio dos aparelhos após o cometimento do crime, além de
parcerias com empresas privadas para evitar o uso dos smartphones após o
extravio. Estratégias de eficácia semelhantes precisam ser expandidas para a
segurança pública como um todo. Quando se olha tecnicamente para problemas
históricos, a resolução parece muito mais próxima de ser alcançada, ainda que
os desafios sejam enormes em um país gigantesco e desigual como o Brasil.
Nesse sentido, passa diretamente pelas boas
práticas o necessário controle das forças policiais. "A letalidade
policial não pode ser analisada isoladamente dos desvios institucionais que
corroem a integridade das forças de segurança", destaca o anuário. Números
comprovam: policiais mataram cinco pessoas por dia nas capitais em 2024. A
margem dada às corporações para ceifar vidas de cidadãos, principalmente jovens
negros, nunca contribuiu para melhor segurança pública.
Como mostram os dados deste texto, o país
continua com índices criminais assustadores, mesmo com o reforço sistêmico dado
à noção de que quanto mais força, melhor. "O número de mortos em
intervenções policiais permanece em patamares alarmantes, vitimando, desde
2018, mais de 6 mil pessoas por ano no país", ressalta o FBSP. É preciso
olhar para esse problema de maneira mais técnica. Com menos coração e mais
razão.
Nordeste tem as 10 cidades mais violentas do Brasil
O Povo (CE)
Maranguape ocupa o primeiro lugar entre as
cidades com mais homicídios
Desde o início de seu mandato, o governador
Elmano de Freitas (PT) vem tomando providências para reduzir a criminalidade no
Ceará. O objetivo é diminuir o número de homicídios e combater as facções
criminosas.
Quanto aos homicídios, obteve-se relativo
sucesso, com a redução de 16,6% dos assassinatos no primeiro semestre de 2025.
No entanto, o número de mortes por 100 mil habitantes continua alto, bem acima
da média nacional.
Contra as facções, apesar das operações que
resultaram na prisão de alguns chefes dessas organizações criminosas, não é
possível dizer que houve efetividade para impedir a continuidade dos crimes.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública
divulgado ontem, com dados de 2024, trouxe péssima notícia para os cearenses.
Maranguape é a cidade mais violenta do Brasil, entre os municípios com mais de
100 mil habitantes.
A cidade, na região metropolitana de
Fortaleza, fica em primeiro lugar em mortes violentas intencionais (MVI), com
79,9 ocorrências por 100 mil habitantes. O índice é quatro vezes maior que a
média nacional, de 20,8. Em números absolutos, o município registrou 87 mortes
violentas no ano passado, 11,5% a mais do que em 2023, quando ficou na 8ª
posição em MVI.
O que explica a explosão de violência em
Maranguape são ações criminosas das facções, que se espalham pelo Brasil,
especialmente no Nordeste, região na qual estão as 10 cidades mais violentas do
Brasil.
No Ceará, atuam pelo menos quatro facções,
duas delas com origem no Estado. Ora aliadas, ora em disputa, essas
organizações criminosas promovem uma intensa guerra na disputa por territórios,
controle de rotas do tráfico, que não raro resultam em expulsão de moradores de
suas casas, assassinatos, execuções pelo "tribunal do crime" e
chacinas.
Quanto ao Brasil, houve queda dos homicídios,
que somaram 44.127, redução de 5,4% em relação a 2023. No entanto, as mortes
causadas por intervenção policial tiveram redução menor, de 2,7%, somando 6.243
mortes. Em alguns estados, houve alta expressiva, como São Paulo, por exemplo,
onde o índice subiu 61%.
A violência contra as mulheres atingiu o
recorde de feminicídios, com 1.492 mulheres assassinadas por motivo de gênero.
As tentativas de feminicídio subiram 19%.
Os dados sobre estupro também são alarmantes:
foram 87.545 vítimas em 2024, a maioria crianças e adolescentes do sexo
feminino. A cada seis minutos, aconteceu um estupro no Brasil.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública,
organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é um importante
instrumento para auxiliar gestores públicos na formulação de propostas para a
área. Assim, todos os estados deveriam oferecer dados com qualidade e
transparência, de modo a fornecer informações cada vez mais precisas para a
informação dos cidadãos e análise de instituições da sociedade civil.
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