Brasil pode tirar proveito de crise com Trump
O Globo
Abertura comercial tem o potencial de colocar
a economia brasileira numa trajetória de crescimento rápido
Autoridades brasileiras na busca por soluções
para a crise com os Estados Unidos devem
lembrar que podem existir vantagens para o país se Donald Trump der
início a negociações com ênfase em questões comerciais. Confirmado esse
cenário, o fato de os americanos serem superavitários nas trocas com o Brasil
não deve ser usado para encerrar a questão. O governo Lula precisa
aproveitar a oportunidade para promover a abertura da economia brasileira, uma
das mais fechadas do mundo. O ganho imediato será encerrar a celeuma com Trump.
Mas é essencial lembrar que ceder, neste caso, não significa perder. Pelo
contrário. Ao facilitar a entrada de produtos importados, o Brasil poderá
destravar o potencial de crescimento.
Os brasileiros conhecem como poucos as consequências nefastas do protecionismo. Há décadas, a economia cresce num ritmo medíocre. Na corrida global, o país não para de ser ultrapassado. Como revelou o jornal Valor Econômico, o Brasil ocupava em 1980 o 48º lugar no ranking do Produto Interno Bruto (PIB) per capita calculado levando em conta o poder de compra. No ano passado, ficou na 85ª posição. Pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), chegará à 89ª até 2030. A cada ano que passa, está mais próximo da metade mais pobre do planeta.
Uma das explicações para a lentidão na
produção de riqueza é a baixa competição de importados no mercado doméstico.
Sem muita concorrência, as empresas locais têm muito incentivo para vender
produtos caros e pouco estímulo para inovar. Num ambiente complacente, a busca
pela produtividade acaba desincentivada. Por isso ela cresce a passos lentos,
muito abaixo das principais economias. Em 1980, eram necessários dois
brasileiros para produzir o mesmo que um americano. Hoje é preciso juntar um
grupo de quatro. A situação só piora.
“Existem evidências abundantes de que uma
maior integração comercial teria efeitos positivos sobre a produtividade e
contribuiria para a redução dos preços ao consumidor”, diz Fernando Veloso,
diretor de pesquisa do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) e
um dos autores do livro recém-lançado “Integração comercial internacional do
Brasil”.
Embora o saldo para a sociedade seja
positivo, os que saem perdendo com a abertura precisam de algum apoio para
buscar atividades alternativas. Mas tal desafio não deve ser usado como
desculpa para manter o Brasil preso numa situação de baixo crescimento
perpétuo. Por certo, o desenvolvimento econômico depende de outras dimensões,
entre elas a infraestrutura. A consultoria Inter.B estima que para o Brasil
modernizar esse setor de forma adequada seria necessário mais que dobrar os
investimentos por 20 anos. Avanços em capital humano são igualmente essenciais.
Todos esses objetivos devem ser perseguidos ao mesmo tempo.
Se Trump abandonar demandas absurdas, como a ingerência no Judiciário, e concentrar a negociação no comércio poderá estar fazendo um favor ao Brasil. Tudo dependerá dos detalhes finais de um futuro acordo. É verdade que Trump acredita no protecionismo. Mas isso é um problema dos americanos.
Perigos nas redes sociais exigem atenção redobrada dos pais
O Globo
Sem monitoramento, crianças e adolescentes
ficam indefesos ante ação de criminosos digitais
Crescem evidências dos perigos que crianças e
adolescentes correm ao navegar pelas redes sociais. Relatos nas próprias
plataformas digitais dão conta do problema. O que já era preocupante ganhou
contornos mais graves desde a pandemia da Covid-19, quando o isolamento
incentivou o uso da internet. Sem estrutura emocional e nem sempre sob a
atenção dos pais, crianças e adolescentes mergulham no problema.
Em
entrevista ao GLOBO, o pediatra Daniel Becker diz que os pais
continuam preocupados sobre se os filhos fumam, fazem sexo desprotegido,
dirigem ou pegam carona com alguém que bebeu. Ele alerta sobre uma preocupação
adicional. “O crime mudou para o território da internet, é muito mais fácil ser
pedófilo, golpista, ladrão ou predador de crianças ali do que na pracinha,
atrás da moita. O crime está florescendo na internet. Ela se tornou o lugar
mais perigoso do mundo.”
A
juíza Vanessa Cavallieri, responsável pelos casos de menores infratores no Rio,
fala com conhecimento de causa. “O lugar mais perigoso é dentro de
casa”, afirma. “É mais seguro na rua do que no quarto. No quarto, com
computador e celular, é como se houvesse uma porta da rua aberta para dentro,
deixando entrar qualquer estranho para falar com seu filho sem você saber.”
Cavallieri aconselha os pais a adotarem aplicativos de monitoramento parental.
“É como se essa porta estivesse trancada. Dá para entrar, mas é mais difícil.”
O problema é global. Recente reportagem do
jornal New York Times acerca do inusual aumento da convergência entre
republicanos e democratas sobre políticas públicas de apoio às famílias cita
uma eleitora de Trump, mãe de adolescente, que se declara 100% defensora da
regulação das redes sociais — uma posição “intervencionista”, outrora mais
condizente com os apoiadores do Partido Democrata.
Pesquisa feita pelo Pew Research Center, no
final de 2023, junto a adolescentes americanos de 13 a 17 anos, mapeia as
preocupações das famílias com o acesso dos filhos a redes sociais. Embora a
grande maioria diga que não fica infeliz ou com raiva por não estar com o
telefone, é elevada a parcela dos adolescentes que afirmam ter ansiedade (44%)
ou se sentem solitários (39%). Também foi pesquisado o comportamento dos pais.
Quanto mais elevada a renda familiar, mais difícil eles consideram limitar o
acesso dos adolescentes.
Os smartphones são considerados por 70% dos
jovens mais benéficos do que maléficos. Cerca de dois terços veem o celular
como meio de encontrar hobbies e ser criativos. Não será uma mera proibição dos
pais que os fará manter alguma distância dos aparelhos. É preciso convencê-los
disso e ensiná-los a usar da melhor maneira possível os melhores recursos do
mundo digital. E alertá-los sobre o que existe na zona sombria da internet.
Brasil deve ser pragmático com EUA e não
ideológico
Valor Econômico
Como um dos países mais fechados do mundo, o
Brasil tem o que oferecer em abertura de mercado sem prejuízos a sua economia
O Brasil entra na semana decisiva para a
definição de seu acesso ao mercado dos Estados Unidos, ameaçado de chocar-se
contra uma barreira tarifária intransponível de 50%. Não há até agora sinal
claro de que o presidente Donald Trump sequer queira negociar, embora seja
possível, pela experiência dos acordos feitos por ele com outros países,
igualmente sob ameaças, de que o fará. Nem com a China, considerada o inimigo
número um, os entendimentos foram interrompidos. A tática americana de pressão
até o último momento é conhecida dos negociadores brasileiros. Mas Trump não
abrirá mão de obter concessões e não se sabe quais são as que o governo
brasileiro está disposto a discutir, nem quais as que o governo americano tem
em mente.
O Brasil não é um interlocutor com peso
econômico determinante para os EUA ou relações amigáveis com o novo governo
americano - sua predileção eleitoral pela continuidade da gestão democrata de
Joe Biden foi claramente manifestada. Considerado um país pouco amistoso, na
escala política de Trump, o piso mínimo do pedágio de acesso ao mercado
americano, de 10% para a maioria das nações, não está mais em discussão, como
demonstra a ausência de resposta às propostas de entendimento enviadas em carta
à Casa Branca desde maio. Mas, pelo critério geral de Trump, o país sequer
deveria ser alvo de medidas retaliatórias - há déficit comercial com os EUA, e,
quando no passado houve superávit, ele foi pequeno, quase irrelevante.
O pretexto de “caça às bruxas” ao
ex-presidente Jair Bolsonaro para aplicar tarifas de 50% foi uma introdução
ideológica à ofensiva por vantagens comerciais, que têm primazia absoluta nas
prioridades de Trump. A rigor, questões ideológicas são secundárias nas
cogitações do presidente americano, que não as realça sequer nas discussões com
a China. A exigência política a favor de Bolsonaro, contra a soberania
nacional, será descartada tão logo Trump fareje vantagens materiais objetivas.
Não abrirá mão delas.
O ambiente para entendimentos bilaterais
mudou radicalmente com o novo governo americano. As exigências e atos de Trump
no comércio exterior são absolutamente incompatíveis com as regras de comércio
internacional vigentes, consolidadas ao longo de décadas com o apoio decisivo
dos EUA, que moldou a arquitetura dessas relações. Ao se dar o privilégio de
arbitrar as condições de ingresso no maior mercado do mundo, fora das regras,
Trump estabeleceu a lei dos mais fortes na arena comercial. É uma condição inescapável
aos longo dos próximos quatro anos, mesmo que haja dúvidas de que perdure
depois disso.
O Brasil terá perdas e danos que se espera
que sejam provisórios. Estima-se prejuízo com venda de commodities de US$ 5,8
bilhões, ao qual devem ser somadas as quedas de exportações de máquinas e peças
agrícolas, assim como de autopeças. O mercado americano é um dos poucos em que
vendas de manufaturados do Brasil, inclusive de alta tecnologia (aviões, por
exemplo), têm maior peso na pauta exportadora. O Brasil tem participação
majoritária no mercado de café, suco de laranja e, em certa medida, de carnes.
Não há alternativas rápidas para o abastecimento do mercado americano de café e
laranja, dos quais o Brasil é o principal produtor, dois produtos candidatos a
obter um alívio no bloqueio tarifário de Trump.
As consequências macroeconômicas das
investidas de Trump, porém, não são claras. Houve uma redução previsível do
saldo comercial brasileiro, com aumento do déficit em conta corrente no
primeiro semestre do ano para US$ 32,8 bilhões, o maior desde 2015 (3,14% do
PIB). Esse resultado ainda não está relacionado ao protecionismo americano, mas
pode piorar, caso não caso haja acordo com os EUA. O fluxo cambial foi negativo
em junho, fruto de maiores remessas de lucros e dividendos (sazonalmente
compatíveis) e menores investimentos diretos em portfólio, cujo ritmo em geral
é favorável ao Brasil - há projeção de saldo positivo de US$ 70 bilhões em
2025.
Os efeitos financeiros, mais importante, são
incertos ainda. A desaceleração global, que tenderia a aumentar a percepção de
risco dos emergentes, pode ter seu padrão quebrado por Trump. Recentemente,
houve uma incomum redução do prêmio de risco entre títulos do Tesouro americano
e os de países com menor grau de confiabilidade, como o Brasil. O dólar
continua com tendência de queda, o que favorece o Brasil e sua luta contra a
inflação.
A posição brasileira deve ser pragmática. Não
há como manter o status quo. Uma reação conjugada dos países ameaçados pelo
presidente Donald Trump abriria um terreno comum de resistência, que mudaria os
rumos da negociação, mas ela não veio. Mesmo a União Europeia, o maior bloco
econômico do mundo, que se opunha aos ultimatos dos EUA, fez ontem um acordo
aceitando tarifas de 15% sobre suas exportações, incluindo carros, para escapar
de uma sobretaxa de 30%. Como um dos países mais fechados do mundo, o Brasil
tem o que oferecer em abertura de mercado sem prejuízos a sua economia. O
governo Lula está aberto a negociações, embora não se saiba quais pontos está
disposto a negociar. Bravatas ideológicas são um beco sem saída.
Situação fiscal põe em risco melhora de
indicadores sociais
Folha de S. Paulo
Mercado de trabalho aquecido levou à saída de
milhares do Bolsa Família; bons resultados também precederam crise de 2016
Apesar das dificuldades estruturais para a
geração de renda e
progresso social sustentável ainda presentes no Brasil, os últimos meses
trouxeram boas notícias para os estratos mais pobres da população.
A queda na inflação de
itens essenciais e a robustez do mercado de trabalho formal têm gerado impactos
positivos, permitindo que milhões de brasileiros em situação vulnerável
obtenham aumento de renda e emprego, inclusive a ponto de reduzir o número de
beneficiários do Bolsa Família.
A inflação, que historicamente penaliza os
mais pobres, tem mostrado sinais de arrefecimento em itens essenciais, como
alimentos, combustíveis e energia. Ao mesmo tempo, a resiliência da atividade
econômica e a alta ocupação permitem a elevação da renda em setores intensivos
em trabalho, caso de serviços pessoais, não raro informais.
A consequência direta desse cenário é a
diminuição no número de beneficiários do Bolsa Família. Em julho de 2025, 921
mil famílias deixaram o programa, que passou a atender 19,6 milhões de
lares, o menor número desde sua reformulação em março de 2023.
Dessas saídas, 536 mil famílias cumpriram o
prazo máximo de 24 meses na regra de proteção, que permite a permanência no
programa com 50% do benefício para quem supera a renda per capita de R$ 218,
mas não ultrapassa meio salário mínimo (R$ 759).
Outras 385 mil famílias foram desligadas por
terem rendimento superior a esse limite, evidenciando uma transição
bem-sucedida para a autossuficiência.
Há 2,7 milhões de famílias ainda na regra de
proteção, que poderão deixar o programa caso mantenham suas outras fontes de
recursos em montante suficiente. O prazo de permanência foi cortado de 24 para
12 meses em novos casos a partir de maio de 2025. O mecanismo também assegura
que famílias que voltem à pobreza em até 36 meses possam reingressar com
prioridade.
A saída do programa abarca pessoas que
encontraram empregos formais —modo como ocorre hoje a aferição de renda. O
ideal é ampliar o mapeamento do rendimento informal, que atinge número maior de
famílias e também tem tido evolução positiva.
Cumpre ainda aperfeiçoar a regra de saída do
Bolsa Família, com uma transição suave para que as pessoas não vejam
desincentivo em aceitar vaga formal.
O avanço geral de renda e emprego tem
reflexos políticos. A aprovação de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), que segundo
pesquisas melhorou, pode ser atribuída à redução da carestia e a indicadores
sociais razoáveis.
É bom lembrar, no entanto, da recessão
profunda de 2015-2016, que decorreu de uma política econômica inconsistente e
foi também precedida de bons indicadores sociais, que infelizmente foram
revertidos depois.
O governo precisa perceber que a
trajetória fiscal atual, com gastos fora de controle e juros altos
que deles resultam, coloca em risco os progressos recentes.
Bagunça com livros didáticos continua no MEC
Folha de S. Paulo
Pasta, que atrasa encomendas desde 2023,
agora só adquire obras de português e matemática para o início do fundamental
Por mais um ano, o Ministério da Educação do
governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) enfrenta
problemas de logística na aquisição de livros didáticos que devem ser
distribuídos às escolas públicas do país.
Segundo a Associação Brasileira de Livros e
Conteúdos Educacionais, o material precisa ser encomendado até agosto para que
a editoras tenham tempo para entregá-lo até o início do ano letivo.
Contudo, parte considerável dos cerca de 240
milhões de exemplares previstos ainda não foi adquirida. Nas séries iniciais do
ensino fundamental, das cerca de 59 milhões de obras em todas as disciplinas,
23 milhões foram encomendadas só
para língua portuguesa e matemática.
O material de história, geografia e ciências,
do 1º ao 3º ano, e de artes, do 1º ao 5º ano, é consumível (apostilas que se
deterioram rápido) e, por isso, precisa ser substituído. Nenhum exemplar,
porém, foi adquirido.
Nos anos finais dessa etapa, 6° ao 9° ano,
também apenas português e matemática foram contemplados, com 3 milhões de
exemplares —faltam 9 milhões para o restante do currículo.
A demanda de 84 milhões de livros adaptados à
reforma do ensino médio foi parcialmente atendida; na Educação de Jovens e
Adultos (EJA), estima-se que de 7 milhões a 10 milhões de exemplares não foram
encomendados.
O caso das obras literárias revela como as
falhas vêm desde o início da atual administração federal. Faltam cerca de 40
milhões delas, sendo que 30 milhões deveriam ter sido compradas em 2023, e 10
milhões, no ano passado.
Também não é primeira vez que há atrasos,
como mostrou a Folha em setembro de 2024.
Em nota então enviada ao jornal, o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela compra dos
livros, culpou
o sistema da gestão de Jair
Bolsonaro (PL).
Se tal argumento já não era plausível ao final do segundo ano do governo
petista, tampouco seria agora, na metade do terceiro.
O custo dos 240 milhões de livros é em torno
de R$ 3,5 bilhões, mas o orçamento do Programa Nacional do Livro Didático é de
R$ 2,04 bilhões. Após a notícia de que o MEC ainda não
havia cumprido a demanda, a pasta comunicou que garantiu a verba.
Com os indicadores
pífios de aprendizagem da educação brasileira, e considerando a
importância do ensino para a diminuição das desigualdades sociais, é
inaceitável que o governo Lula trate com desmazelo a distribuição de livros,
ferramentas fundamentais para instigar a imaginação e produzir conhecimento.
Cordão sanitário no Congresso
O Estado de S. Paulo
Enquanto bolsonaristas tentam radicalizar
ainda mais para salvar Bolsonaro, a cúpula do Congresso e o Centrão têm ajudado
a deixá-los cada vez mais isolados. Que continue assim
Eis aí uma grande notícia: conforme avança o
estado crítico do encalacrado Jair Bolsonaro, somado ao radicalismo da reação
urdida por sua tropa de choque para tentar salvá-lo, vai ficando claro o
isolamento cada vez maior do bolsonarismo. Como se viu nos últimos dias, essa
turma – que só pensa em livrar o ex-presidente da cadeia – prometeu iniciar uma
ofensiva ainda mais pesada contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e em favor
de uma anistia a golpistas que vilipendia a democracia. Mas até aqui, felizmente,
ficou falando sozinha. A despeito de alguns apoios avulsos, nem a cúpula do
Congresso nem os próceres do Centrão fazem coro aos gritos de guerra dos
bolsonaristas.
Os presidentes da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), ignoraram o pedido
para que o recesso parlamentar fosse cancelado, sustando os planos
bolsonaristas de forçar homenagens ao ex-presidente. Parlamentares ligados a
ambos também trataram de informar que não deve prosperar a tentativa de
reavivar o projeto de anistia aos golpistas nem a proposta que torna mais dura
a Lei de Impeachment para ministros do Supremo. Próximo de Motta, o líder do
MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL), foi mais explícito: “Não sei quem está
levando isso a sério além de Bolsonaro e das figuras que são retrato dele”,
disse ao jornal O Globo. “É patético, não são pautas pontuais. O conjunto
da obra e o contexto geral dão vergonha alheia.”
Chamou a atenção ainda a ruidosa cisão entre
o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, e o grupo de senadores
que tentam reabrir canais de diálogo com o Congresso americano diante das
tarifas impostas ao Brasil pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Enquanto
representantes do PSD, PP e até mesmo do PL de Bolsonaro se disseram dispostos
a dialogar com os americanos, Eduardo fez questão de ridicularizar a comitiva.
Disse que não é possível discutir nada com os EUA “sem anistia ampla, geral e irrestrita”.
E o deputado ainda advertiu Alcolumbre – por
não pautar nenhum dos pedidos de impeachment contra o ministro do STF Alexandre
de Moraes – e Motta – por não dar andamento ao tal projeto de anistia aos
golpistas – de que ambos correm o risco de sofrer sanções do governo americano.
“A coisa vai ficar ruim”, ameaçou Eduardo, que por essas e outras já faz por
merecer alguma punição mais dura da Câmara.
Para o bem do País, é imprescindível que a
cúpula do Congresso e o Centrão continuem a resistir à artilharia da guerrilha
bolsonarista. Goste-se ou não de sua atuação, são os partidos centristas que
impõem freios a radicalizações de ocasião. Foi o que permitiu que o governo de
Bolsonaro não fosse 100% bolsonarista e é o que permite que o governo de Lula
da Silva não seja 100% petista. De quebra, são eles os fiadores da necessária
moderação da direita contra o extremismo liberticida da família Bolsonaro e seus
ventríloquos.
Como entre os partidos há de tudo, menos
ingenuidade ou uniformidade de propósitos, são muitas as razões que levam ao
crescente isolamento bolsonarista. Afinal, existem diferentes interesses em
jogo. Esse extenso espectro político abrange tanto os partidos centristas mais
clássicos, como o MDB e o PSD, quanto a chusma de oportunistas que, desde a
Constituinte de 1988, costumam se associar a quem lhes oferece o que desejam.
Mas uma coisa é certa nesse grupo: todos trabalham mirando o caminho mais curto
e seguro para a preservação do poder, o que na prática lhes assegura também a
condição de peso e contrapeso da governabilidade.
Como tal, funcionam hoje como o mais
eficiente meio de contenção do golpismo e da destruição forjados pelos hunos
bolsonaristas. Para essa turma, não interessa a ruptura tão desejada por
Bolsonaro. Esse cordão sanitário, se mantido, é o lenitivo esperado por quem
deseja ver o País livre de uma radicalização que violenta a democracia e suas
instituições.
Gastos da Previdência avançam no PIB
O Estado de S. Paulo
Aposentadorias de um salário mínimo, que
representavam 1,15% do PIB em 1997, atingiram 3,1%, em 2024, elevando o gasto
total do INSS e comprovando que uma nova reforma é imprescindível
As despesas do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), que atingiram 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) depois da
promulgação da Constituição de 1988, têm crescido continuamente nas últimas
décadas e no ano passado já representavam 8% do PIB. A vinculação dos
benefícios previdenciários ao salário mínimo, determinada pela Constituição,
associada à política de valorização real (acima da inflação) do piso, adotada
em governos do PT, é apontada com uma das principais causas para a expansão em
um estudo do economista Fabio Giambiagi publicado neste mês pelo Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O economista calculou que em 1997 – ano em
que o piso previdenciário passou a se igualar ao salário mínimo – os gastos do
INSS com aposentadorias de um salário mínimo representavam 1,15% do PIB. Já no
ano passado, a participação foi de 3,1%. Em alguns anos foi até maior, chegando
a 3,36% em 2017 e 3,35% em 2020. Para o cálculo, Giambiagi considerou apenas as
aposentadorias, e não os auxílios assistenciais como o Benefício de Prestação
Continuada (BPC) – pagamento de um salário mínimo à população vulnerável acima
de 65 anos e a deficientes, mesmo sem a contrapartida das contribuições para o
INSS. O que significa que, no cômputo geral, o aumento do peso desses gastos é
ainda mais relevante.
O estudo escancara a urgência – defendida com
vigor por este jornal – de repensar a Previdência, para avançar em ganhos
trazidos pela reforma de 2019, que, embora limitados, eram os possíveis naquela
ocasião. Uma nova reforma, corrigindo distorções, terá a dupla responsabilidade
de garantir a própria sobrevivência do sistema previdenciário e de abrir
caminho para o atingimento do equilíbrio das contas públicas.
Em maio, levantamento da Associação Comercial
de São Paulo em parceria com a Confederação das Associações Comerciais e
Empresariais do Brasil (Cacb), publicado pelo Estadão/Broadcast,
identificou que 60% dos gastos públicos do governo federal referem-se à
Previdência Social e a despesas com pessoal e encargos sociais. Os dados do
mapeamento, coletados a partir de informações públicas da Secretaria do Tesouro
Nacional, são agrupados em uma plataforma online intitulada “Gasto Brasil”, que
mostra que o gasto com Previdência neste ano já passa de R$ 800 bilhões.
A necessidade de uma nova reforma é
praticamente um consenso diante de fatores demográficos, como o aumento da
expectativa de vida, o envelhecimento da população brasileira e a queda na taxa
de natalidade, além das mudanças recentes no mercado de trabalho que levaram ao
aumento da informalidade. O próprio secretário do Tesouro, Rogério Ceron,
reconheceu, em entrevista em fevereiro deste ano, que é inevitável o
encaminhamento de uma nova reforma. A questão é quando.
Giambiagi sugere o ano de 2027, por ser o
primeiro da próxima gestão, considerando o capital político que governos
recém-eleitos tradicionalmente desfrutam para discutir questões impopulares,
como certamente é o tema das aposentadorias. Mas trata-se de compromisso
improrrogável diante da tendência crescente das despesas do INSS como proporção
do PIB. Para isso contribuíram o baixo crescimento da economia e regras que
permitiram aposentadorias precoces, na faixa dos 50 anos de idade, ao longo de
décadas.
Mas, a partir da estabilização da economia,
com o Plano Real, o salário mínimo acumulou nada menos do que 189% de alta,
sobretudo como consequência de políticas de aumento acima da inflação. Como o
mínimo corresponde também ao piso previdenciário, o efeito é uma disparada nas
contas fiscais. Se o reajuste do salário mínimo estivesse atrelado a um aumento
de produtividade na economia, ou se a elevação das aposentadorias se desse
somente para repor perdas inflacionárias, certamente o rombo seria menor.
Está claro que as discussões sobre a urgente
reforma previdenciária não virão deste governo. Mas Lula da Silva e o PT
poderiam prestar um grande serviço ao País se ao menos aceitassem a ideia de
discutir a desvinculação de parte dos benefícios previdenciários do salário
mínimo.
‘Isso é a Ucrânia, não a Rússia’
O Estado de S. Paulo
Putin teme isto: civis em guerra lutando
contra abusos antidemocráticos do próprio governo
A Ucrânia vive sua pior crise política desde
a invasão russa de 2022. Ao sancionar uma lei que subjugava as duas agências
anticorrupção do país ao controle do Executivo, o presidente Volodmir Zelenski
cruzou uma linha vermelha institucional e moral. A resposta popular foi
imediata e contundente. Nas ruas de Kiev, veteranos de guerra, mães enlutadas e
estudantes entoaram slogans que ecoam pelo mundo: “Este não é o futuro pelo
qual meu irmão morreu” e “Isso é a Ucrânia, não a Rússia”.
É difícil exagerar o simbolismo dessa reação.
Em plena guerra, com territórios ocupados e bombardeios constantes, milhares de
cidadãos foram às ruas protestar não contra o inimigo externo, mas contra a
erosão democrática interna. Eles forçaram o recuo do governo. Isso não
enfraquece a Ucrânia. Pelo contrário. Justamente essa energia cívica – a
disposição de gritar “Vergonha!” no Parlamento e erguer cartazes diante do
gabinete presidencial – representa sua arma mais poderosa frente à Rússia. Mais
que drones ou tanques, é a paixão democrática dos ucranianos que desafia a
lógica imperial de Vladimir Putin. É isto que ele teme: uma ex-república
soviética onde o povo controla os governantes.
Zelenski, ao tentar concentrar poder sob o
pretexto de “combater infiltrações russas”, não só traiu o pacto de confiança
com sua população e o espírito do Maidan – a revolta popular de 2014 que
derrubou o governo pró-russo e marcou virada pró-democrática do país –, mas
sabotou sua própria causa. O apoio ocidental à Ucrânia não se justifica só por
interesse estratégico, mas por afinidade democrática. Subverter instituições
independentes – criadas após o Maidan com apoio da União Europeia – é dar
munição aos céticos em Washington e Bruxelas que questionam a ajuda a Kiev. Ao
agir como um autocrata em nome da luta contra um autocrata, Zelenski enfraquece
o argumento moral que sustenta sua guerra.
O recuo anunciado – com a promessa de
restauração da independência das agências anticorrupção – é bem-vindo, mas não
apaga o episódio. Tampouco tranquiliza os que acompanham uma escalada de
medidas autoritárias, como as perseguições a ativistas, a censura a opositores
e o uso crescente da retórica de “inimigos internos”. A montagem que circulou
nas redes sociais, com o rosto de Zelenski fundido ao do ex-presidente Viktor
Yanukovych – o fantoche do Kremlin, símbolo da corrupção e da repressão,
deposto pelo Maidan –, parecia impensável há um ano. Hoje, expressa uma
decepção generalizada.
A democracia ucraniana está longe de ser
perfeita – mas está viva. E sua vitalidade não vem do palácio presidencial, mas
das praças e trincheiras, das ONGs e redações independentes, dos soldados que
voltam da linha de frente exigindo um Estado mais justo, livre e íntegro. Os
mesmos que arriscam a vida por sua terra agora lutam por seus princípios. Isso
é o que separa a Ucrânia de seu agressor.
Zelenski emergiu como líder de guerra por seu carisma e coragem. Mas a verdadeira força de sua nação está no povo que o elegeu – e que hoje o contesta. Se a Ucrânia vencer, será por isso. Se perder, será por ignorar isso.
Nas férias, o alerta que vem das estradas
Correio Braziliense
Enquanto espera rodovias compatíveis com os impostos que paga e com os pedágios que tem de desembolsar, resta ao motorista seguir recomendações que lhe cabem para uma volta de férias mais segura
Com o fim das férias escolares de julho se
aproximando, milhares de famílias em todo o país se preparam para enfrentar
estradas cheias na volta para casa. Encontrarão muitas dessas rodovias em
condições de manutenção ruins ou péssimas - não apenas em segmentos mantidos
diretamente pelos impostos pagos pelos contribuintes brasileiros, mas inclusive
em alguns trechos pedagiados, nos quais os prazos e exigências do poder
concedente para obras e reparos parecem muito mais tolerantes do que gostariam
os motoristas.
Antes de pegar a estrada, vale conferir
alguns dados sobre a qualidade dos caminhos que estão pela frente, além de
atentar para recomendações em relação à atitude dos condutores e às condições
dos veículos. Em relação ao primeiro item, Pesquisa CNT de Rodovias 2024, da
Confederação Nacional do Transporte, revela dados preocupantes: 67% dos 111.853
quilômetros da malha pavimentada avaliados no país estão em condição regular,
ruim ou péssima.
Por esses caminhos muitas vezes esburacados e
de traçado questionável, o pavimento é o principal problema, com 56,9% da
extensão analisada pela CNT apresentando falhas. A sinalização é igualmente
deficiente em 64,1% dos trechos sob avaliação, enquanto 65,2% têm geometria
deficiente. Pontes e viadutos frequentemente não dispõem de acostamentos (em
73,4% dos percursos), proteção de cabeceira (em 34,3%) ou proteção lateral (em
10,9%).
Nacionalmente, em um país com cerca de 5.500
municípios, foram identificados nada menos que 2.446 pontos críticos, muitos
deles em áreas urbanas, sendo a maioria (71,5%) grandes buracos. Diante desse
cenário, a CNT sugere a ampliação de investimentos públicos e a atração de
capital privado para manutenção correta que seja capaz de eliminar os pontos
críticos. Propõe, ainda, a reconstrução de 446 quilômetros de rodovias
destruídas, de forma a proporcionar um sistema de transporte rodoviário mais
seguro, eficiente e sustentável.
Em relação ao capital privado, vale
acrescentar que não basta conceder rodovias, terceirizando obras estruturantes
e de manutenção e impondo tarifas de pedágio que para grande parte dos usuários
parecem mais caras do que o razoável. É preciso estabelecer contratos com
exigências justas, prazos compatíveis com a urgência das intervenções e
penalidades capazes de desestimular o descumprimento. Estabelecidos esses
critérios, tarefa tão importante quanto, por parte do poder público, é
fiscalizar e exigir de maneira inflexível seu cumprimento.
Usuários de rodovias privatizadas país afora
estão fartos de assistir à agilidade para erguer suntuosas praças de
pedágio — que não raro trabalham com menos operadores do que o necessário,
provocando filas imensas em épocas de maior movimento, como o fim das
férias — enquanto as obras e serviços que deveriam vir em contrapartida
parecem seguir ritmo bem diferente. Sem falar nos saltos de tarifas, que com
frequência não são acompanhados de mudanças perceptíveis e proporcionais na
qualidade das estradas concedidas.
Enquanto espera rodovias compatíveis com os
impostos que paga e com os pedágios que tem de desembolsar, resta ao motorista
seguir recomendações que lhe cabem para uma volta de férias mais segura.
Especialmente para viagens em períodos de mais movimento, como o fim de julho,
a Polícia Rodoviária Federal orienta medidas como planejar o trajeto com
antecedência e fazer a revisão completa do veículo. É essencial checar o
funcionamento de itens obrigatórios, além de conferir toda a documentação do
carro e do condutor.
Além de obedecer à legislação de trânsito, respeitando limites de velocidade, é aconselhável ainda levar água potável, alimentos práticos e frutas para enfrentar possíveis imprevistos na viagem, como congestionamentos ou bloqueios de pistas — muito comuns em épocas de maior movimento e em estradas que estão a quilômetros de oferecer uma jornada sem surpresas.
Os países e o colapso climático
O Povo (CE)
Parecer da Corte Internacional de Justiça
entende obrigação dos países em cumprir metas climáticas e prevê violações ao
Direito Internacional
A Corte Internacional de Justiça (ICJ, em
inglês) publicou um parecer consultivo no qual entende que os países têm
obrigação legal de limitar o aquecimento global a 1,5 °C ao cumprir com suas
Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), as metas climáticas de cada
país. Caso não o façam, estarão violando o Direito Internacional e podem sofrer
consequências jurídicas reais, "incluindo obrigações de cessação,
garantias de não repetição e reparação integral (por meio de restituição,
compensação, satisfação ou combinação dessas)", analisa, em nota, André de
Castro dos Santos, da iniciativa Latino-americana de Advogados pelo Clima para
Mobilização de Ação (Laclima).
Esse é um marco histórico para o litígio
climático — processos judiciais contra governos e empresas que infringem os
acordos de mitigação e adaptação climática —, o qual deve ganhar mais força com
a decisão. Em 2024, pelo menos 226 novos casos foram submetidos, totalizando
2.967 em 60 países desde 1986. Os dados são do levantamento "Tendências globais em litígios sobre mudanças climáticas:
panorama de 2025", do Instituto de Pesquisa Grantham sobre Mudanças
Climáticas e Meio Ambiente.
O Brasil é o quarto país com maior número de
casos submetidos por ano, ficando atrás apenas dos Estados Unidos (1º), da
Austrália (2º) e do Reino Unido (3º). Com a aprovação do Projeto de Lei
2.159/2021, do licenciamento ambiental, a tendência é que os litígios cresçam
ainda mais, aliados à "insuficiência" das metas climáticas do Brasil
— assim classificadas pelo Climate
Action Tracker (CAT), projeto científico independente que monitora e
mensura as ações governamentais em relação ao Acordo de Paris. O objetivo net
zero brasileiro (ou seja, anulação das emissões de carbono) para 2050 é visto
como "pobre".
Isso porque, apesar de o País ter políticas
que incluem a transição energética e estimulam empreendimentos sustentáveis,
ele continua "alocando recursos significativos para a produção e o
desenvolvimento de combustíveis fósseis na próxima década", contradizendo
a meta do Acordo de Paris "e a ambição do Brasil de liderar a ação
climática antes da COP 30", descreve o CAT.
A decisão da ICJ é mais um passo para o que vem sendo alertado desde o século passado: estamos ficando sem tempo. Neste 24 de julho, a humanidade alcançou o Dia da Sobrecarga da Terra; significa que já consumimos todos os recursos naturais para 2025, sem chances de restituição. Ano passado, a data foi em 1º de agosto. No ano 2000, a data foi na primeira semana de outubro. Assim, o que a corte internacional e os litígios climáticos tentam evitar é justamente a crescente tendência de 2026 e os anos que virão serem ainda piores.
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