segunda-feira, 7 de julho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

COP30 corre risco de frustrar expectativas

O Globo

Reuniões preparatórias obtiveram consenso em alguns temas, mas resultados foram tidos como ‘mornos’

São pouco promissoras as perspectivas para a Conferência do Clima da ONU, a COP30, agendada para novembro em Belém. Ainda é possível reagir, mas vai se estreitando o tempo para que a conferência se torne um marco com consequências. É grande o risco de ela frustrar as expectativas.

A comunidade internacional tem seguido um roteiro atribulado desde o Acordo de Paris, que assumiu em 2015 o compromisso de evitar alta de mais de 2°C na temperatura global em relação aos níveis anteriores à Revolução Industrial — e, de preferência, inferior a 1,5°C. Desde então, tem havido mais desencontro do que acordo sobre aspectos cruciais relacionados ao objetivo de conter o aquecimento do planeta, causa de desastres climáticos com consequências negativas nos planos social e econômico.

O Brasil espera que a COP30 quebre a sucessão de frustrações que tem acompanhado as últimas conferências do clima. Mas é preciso ser realista diante do resultado do encontro diplomático de Bonn, na Alemanha, fase preparatória para a reunião de novembro. Observadores e organizações ambientais consideraram “morno” o resultado dos textos aprovados sobre assuntos prioritários para a COP30. Isso não impediu que representantes do governo brasileiro comemorassem. “Houve um pouco de dificuldade no início, mas agora nós temos textos, o que é realmente uma boa notícia”, disse Ana Toni, secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e CEO da COP30.

O risco é o encontro de que tanto se espera se tornar mais uma conferência sem conclusões substanciais. Há divergências sobre o balanço global (global stocktake), previsto no Acordo de Paris para avaliar se as metas estabelecidas são cumpridas. O primeiro, realizado em 2023, na COP28 em Dubai, mostrou que o mundo não está mais numa rota em que seja possível conter o aumento da temperatura no limite de 1,5°C. Todo o resto ainda depende de os países ricos, os maiores poluidores, darem sua contribuição financeira para que países pobres consigam promover a transição energética a tempo.

Como no primeiro mandato, Donald Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. Mas, mesmo sob a administração democrata de Joe Biden, Washington não abriu os cofres para atender aos pedidos sucessivos das conferências do clima. Em 2009, na COP15 em Copenhague, os países ricos assumiram o compromisso de oferecer US$ 100 bilhões anuais para transição energética e cortes nas emissões de carbono dos países pobres, depois formalizado no Acordo de Paris. Mas só em 2022, 13 anos depois, a meta foi cumprida, e não se pode garantir que as contribuições se manterão nesse patamar. O fluxo financeiro tem oscilado entre US$ 80 bilhões e US$ 90 bilhões anuais, segundo a OCDE.

Há, é certo, tempo para mudança de rumo. Os negociadores brasileiros não podem esmorecer diante da tarefa de levar a COP30 a bom termo. Questões intrincadas atravancam a agenda, em particular o cronograma de transição “para além dos combustíveis fósseis”, como petróleo, gás e carvão. É preciso empenho para que o encontro de Belém não se transforme em mais uma montanha de textos irreais e palavrório vazio, que costumam encontrar terreno fértil para florescer nas conferências do clima.

Fraudes endêmicas na aposentadoria rural exigem atenção do governo

O Globo

Omissão em recadastramento permite que abusos se perpetuem, sob vista grossa dos três Poderes

São inúmeras as brechas para irregularidades e fraudes na aposentadoria rural. Quem trabalha em supermercado ou posto de gasolina perto de zona rural geralmente consegue. Quem tem oficina ou qualquer atividade comercial fora do perímetro urbano, também. Muitas vezes é possível morar bem perto da Prefeitura e obter o benefício. O nome ligado a uma propriedade rural costuma ser suficiente. A comprovação de ter passado anos tirando o sustento da terra é abstração. Basta autodeclaração. O preço, como revelou reportagem do GLOBO, é o aumento no rombo da Previdência.

No campo, as mulheres se aposentam com 55 anos (ante 62 das demais) e os homens com 60 anos (em vez de 65). Com tantas brechas, não surpreende que a concessão de aposentadorias rurais esteja, desde 2022, no patamar de 400 mil por ano, algo inédito desde 1994, quando a mecanização da agricultura era muito menor e a parcela da população brasileira vivendo fora das cidades maior. “Os dados acendem um alerta sobre a qualidade dos cadastros, a efetividade dos controles e o risco fiscal embutido em cada aposentadoria irregular”, disse ao GLOBO o economista Rogério Nagamine, especialista em temas previdenciários.

Desgraçadamente, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tem mostrado pouco interesse em resolver o problema. A última reforma da Previdência determinou o cadastramento dos trabalhadores rurais, com exigência de comprovação da atividade. Pressionado pelos sindicatos rurais, o Congresso acabou decidindo que a autodeclaração valeria até o novo banco de dados atingir 50% de cobertura. De lá para cá, primeiro a pandemia, depois um governo pouco disposto a apertar os controles deixaram tudo como estava.

O caminho tortuoso percorrido pela reportagem do GLOBO é ilustrativo. O novo cadastro é responsabilidade da Dataprev, estatal de processamento de dados. Procurada, a empresa disse que o Ministério da Previdência deveria responder. Questionado, o ministério pouco esclareceu. Em nota, disse que o cadastro está em implementação, discorreu sobre dificuldades técnicas e não soube informar a parcela inscrita até o momento. Parece mais que desleixo.

No Congresso e no Judiciário, é comum ouvir um discurso enviesado sobre a Previdência rural. Quem trabalha longe dos grandes centros e fora das cadeias mais dinâmicas do agronegócio é invariavelmente visto como miserável. Por isso, segue o argumento, o governo deveria fazer vista grossa diante das irregularidades, e os juízes deveriam ser benevolentes na concessão de benefícios.

Tal raciocínio é absurdo. O Estado brasileiro conta com vários programas voltados aos mais necessitados. Eles estão disseminados e são de fácil adesão. Fechar os olhos para maracutaias na aposentadoria rural não é o caminho adequado para resolver nenhum problema social. É justo um trabalhador que enfrentou sol e chuva por décadas no campo se aposentar antes dos demais. Quando o mesmo direito é dado a fraudadores, não passa de roubo.

Congresso deve retomar debate sobre regulação das redes

Valor Econômico

O Supremo cumpriu um papel fundamental ao estabelecer regras mais claras e rigorosas para as plataformas

O Supremo Tribunal Federal (STF) deu um passo crucial para pôr fim ao vale-tudo instaurado no mundo digital, com claras consequências sociais e políticas, graças ao salvo-conduto que na prática era dado às grandes plataformas pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet. Ao declará-lo parcialmente inconstitucional e ampliar a responsabilidade das empresas pelo conteúdo veiculado em suas redes, o STF estabeleceu um importante marco para a proteção dos direitos fundamentais dos brasileiros. Agora, cabe aos parlamentares continuar os debates sobre regulação, mantendo os avanços construídos ao longo do julgamento.

Por oito votos a três, os ministros decidiram que as plataformas serão responsabilizadas a partir do momento em que forem notificadas pelas partes atingidas, e não somente após decisão judicial, como previa o artigo 19. No sistema conhecido como “notice and take down”, as plataformas terão a liberdade - e o dever - de manter no ar o que julgarem estar dentro da lei.

As únicas exceções após a votação do STF são os crimes contra a honra - calúnia, difamação e injúria -, que continuam sob as normas antigas. Com as mudanças, passam a valer de forma geral as regras previstas no artigo 21, antes limitado pela legislação nacional a episódios de divulgação não consentida de nudez.

Igualmente bem-vindo foi o entendimento dos magistrados de que era preciso estabelecer a ideia de “dever de cuidado”, para exigir que as empresas atuem preventivamente para remover conteúdos ilegais considerados “extremos”. Segundo o STF, a responsabilização das plataformas não ocorrerá em casos pontuais, mas se houver uma “falha sistêmica”, uma grande profusão de mensagens sem que medidas eficazes de prevenção e exclusão sejam implementadas. Foram listados nesta categoria, por exemplo: conspirações antidemocráticas; instigação ao suicídio; crimes de terrorismo; incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero; pornografia infantil e crimes contra crianças e adolescentes.

Decidiu-se também que a responsabilização por postagens promovidas ou anúncios será automática. Pelo entendimento do STF, por lucrarem com a divulgação deste tipo de conteúdo e o validarem com o impulsionamento, as empresas deverão analisar antecipadamente se eles são lícitos ou não.

Ademais, as empresas serão obrigadas a manter sede e representante legal no país, além de editarem uma autorregulação, que abranja sistemas de notificação por parte de usuários, canais específicos de atendimento ao público e relatórios anuais de transparência que incluam, por exemplo, dados relativos às notificações extrajudiciais recebidas no período.

Diante da omissão do Congresso, da conivência das plataformas e de um cenário em que as redes sociais se tornaram centrais na vida dos brasileiros, a decisão do STF é um passo na direção correta. A falta de regulação do setor transformou as plataformas digitais num escoadouro das piores características da sociedade moderna e permitiu, de maneira quase impune, cometimento de um sem-número de crimes. Na prática, o que o STF fez foi corrigir a assimetria de responsabilidade entre os mundos real e virtual que se estabeleceu nos últimos anos.

Garantir que as plataformas sejam um espaço de livre expressão não significa permitir transformá-las em um ambiente sem lei. Nesse sentido, são falaciosas as críticas de que as regras mais amplas do STF resultarão em censura privada, sob o argumento de que as empresas removerão preventivamente conteúdos potencialmente problemáticos.

Não é o que ocorre em locais que já seguiram este caminho, como a União Europeia, que adota o sistema de “notice and take down” sem prejuízo à livre circulação de ideias. A decisão também não inviabiliza a atuação ou os negócios das empresas, que já têm sistemas de monitoramento e moderação de conteúdo de forma eficaz em outras áreas, como a violação de direitos autorais.

É mais do que razoável exigir hoje uma maior responsabilização das plataformas do que quando o Marco Civil foi aprovado. Em 2014, a ideia era de que elas constituiriam uma espécie de fórum neutro para a discussão de ideias no mundo virtual. Hoje, fazem curadoria de conteúdo, seja por meio de algoritmos complexos e pouco transparentes, e ainda estão vulneráveis à manipulação de atores mal-intencionados, com grande influência sobre os rumos do debate público.

O Supremo cumpriu um papel fundamental ao estabelecer regras mais claras e rigorosas para as plataformas, isso abriu uma avenida importante para incentivar o Congresso a agir. Deputados e senadores devem voltar suas atenções ao tema e retomar as discussões do PL das Redes Sociais, engavetado desde abril de 2023.

Pressão do Congresso explicita uso eleitoreiro de emendas

Folha de S. Paulo

Em vez de cortar gastos, parlamentares querem obrigar governo a liberar recursos para suas bases antes do pleito de 2026

Fonte de graves distorções no arranjo institucional brasileiro, as emendas parlamentares impositivas enfim parecem prestar um serviço ao país: fizeram cair a máscara de congressistas que defendem o controle de gastos apenas da boca para a fora —ou seja, desde que ninguém controle os gastos destinados ao benefício deles mesmos.

Em sua essência, o discurso é correto. A mais importante arma na luta contra o déficit fiscal não deveria ser o aumento da já elevada carga tributária, como sempre propõe o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e sim a redução das despesas públicas.

O corolário desse raciocínio é simples: deputados e senadores que advogam pelo fim da gastança deveriam ser os primeiros a dar o exemplo, cortando dispêndios ao seu alcance e barrando novas propostas que provoquem a expansão do Orçamento.

Na teoria, a necessária austeridade conta com apoio majoritário na Câmara dos Deputados e no Senado; na prática, ela se converte em mera ferramenta retórica utilizada de tempos em tempos para fustigar o Executivo.

Tome-se como exemplo as últimas sessões: enquanto cobrava do governo iniciativas para cortar gastos, o Congresso Nacional aprovou projetos que elevam despesas e renúncias fiscais da União.

Mas nada é mais simbólico que o caso das emendas parlamentares. Em grande parte de execução obrigatória, elas devem consumir neste ano assombrosos R$ 50 bilhões, aplicados em finalidades diversas, definidas a critério de deputados e senadores.

Não fosse pela pulverização de montantes em empreendimentos paroquiais, pelas dificuldades impostas ao planejamento de longo prazo e pelos obstáculos à fiscalização do dinheiro público, as emendas poderiam ser defendidas como canais para o atendimento de demandas que escapam aos programas estatais.

E, de fato, essa costuma ser a linha de argumentação dos parlamentares —deixando estrategicamente de lado as inúmeras denúncias sobre desvios envolvendo essa modalidade de gasto.

A fantasia, entretanto, não resistiu à aproximação das eleições. Agora, além de ignorarem a contradição existente entre propugnar o corte de despesas e distribuir os bilhões das emendas, os congressistas passaram a articular um cronograma para executá-las antes da disputa de 2026.

Dito de outra forma, premidos pelo calendário político, eles se viram forçados a confessar que o verdadeiro interesse nas emendas está em seu uso eleitoreiro.

Não que o Executivo não recorra a expedientes dessa natureza. Ocorre que costuma ser mais fácil monitorar o dispêndio centralizado e, de resto, ele suscita um conjunto menor de distorções.

Líderes do Congresso têm se mostrado incomodados com os ataques que têm sofrido nas redes. Pois está na mão deles reagir, mostrando com atos, e não simples palavras, que estão dispostos a melhorar a qualidade da máquina pública brasileira.

Supremo premia má gestão do Rio

Folha de S. Paulo

Estado escapa de sanções com liminar de Dias Toffoli; garantia de socorro federal desincentiva responsabilidade fiscal

Em decisão liminar, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, manteve até o final deste ano o Rio de Janeiro no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), uma modalidade de renegociação de dívidas com a União reservada aos estados em situação mais precária.

Trata-se de mais uma intromissão indevida nas relações contratuais entre os entes federativos, atualmente comprometidas por populismo e ativismo judicial que distorcem incentivos e favorecem gestões perdulárias —na certeza de que governadores e prefeitos serão socorridos pelo governo federal, ele próprio hoje com finanças combalidas.

Além de garantir a continuidade no RRF por seis meses e dar mais tempo para que o estado possa optar por aderir a um novo programa de refinanciamento, o Propag, a liminar mantém o pagamento da dívida fluminense com a União em R$ 4,9 bilhões neste 2025, evitando um aumento para R$ 11,5 bilhões.

O valor maior decorreria do contrato assinado em 2017, que previa, entre outras vantagens ao Rio, um período de carência nos juros em troca de uma série de medidas de ajuste nas contas, que não se deram no montante suficiente para cumprir o acordo.

A decisão prolonga o espaço para negociações, ao menos até que o Congresso Nacional finalize a votação dos vetos presidenciais a dispositivos do Propag, sendo o principal deles o que proíbe o uso do fundo regional criado na reforma tributária para que os entes possam antecipar recursos e reduzir os juros a pagar, de 4% anuais acima da inflação para zero.

A queda desse veto interessa aos estados. O uso de recursos futuros, na prática, não incentivará ajustes e apenas adiará as reformas necessárias.

Cumpre lembrar que, ao contrario do que querem fazer crer vários governadores, juros reais de 4% são menores do que paga hoje a União para se financiar. Não se trata de agiotagem, como dizem, mas de estados devedores contumazes, que se mostram incapazes de caminhar com as próprias pernas —o Rio é o exemplo principal, mas também Minas Gerais e Rio Grande do Sul têm longo histórico de incúria.

STF, ao intervir repetidamente em contratos entre União e estados, dá mostras de desconsiderar o princípio de que acordos bilaterais legalmente celebrados não deveriam ser alterados unilateralmente por decisões judiciais.

No Brasil, estados e municípios já dispõem de recursos próprios significativos, mas muitos optam por gestões irresponsáveis, confiando que o STF ou o governo federal os socorrerá.

 O presidencialismo passa bem

O Estado de S. Paulo

Vaticínio de que o presidencialismo sucumbiu ante o poder do Congresso é desculpa para o mau desempenho de Lula, que não tem projeto claro de governo e resiste a dividir o poder

Crescem os rumores de que o presidencialismo está morto no Brasil, mas, como diria o escritor Mark Twain, cuja morte também foi anunciada de forma precipitada, esses rumores são claramente exagerados. As agruras do presidente Lula da Silva em sua relação com o Congresso parecem ter inspirado alguns comentaristas a escrever o obituário do presidencialismo, como se o petista fosse um mau presidente não em razão de sua incompetência, mas sim porque estaria impotente diante de um Congresso cada vez mais dominante. Ora, isso simplesmente não é verdade.

Lula fez suas escolhas – um governo dominado pelo PT, avesso a construir um projeto compartilhado com os aliados e cujos ministros mais importantes e o próprio Lula habitam um olimpo inalcançável para a maioria dos parlamentares. Não admira que o Congresso tenha dificuldade em enxergar o governo senão como uma extensão do comitê de campanha lulopetista, tornando muito mais difícil que haja diálogo.

A lógica dos que anunciaram as exéquias do presidencialismo é que o Congresso tem esvaziado cada vez mais as funções do presidente da República pelo acúmulo de poder autoconcedido sobre o Orçamento e a fragmentação de interesses. O cientista político Sérgio Abranches, por exemplo, disse em entrevista recente ao jornal Valor que o Legislativo “deixou de pensar no coletivo” para privilegiar os interesses paroquiais de deputados e senadores, em particular a reeleição, razão pela qual, concluiu, “com esse tipo de Congresso, nenhuma reforma estrutural vai acontecer”.

Para “pensar no coletivo”, contudo, deputados e senadores precisam que a maior liderança política do País, o presidente da República, também pense no coletivo. Quando o presidente só pensa em si mesmo e em seu partido, caso óbvio de Lula, não admira que os parlamentares esqueçam o tal coletivo. Em nenhum momento desde que tomou posse Lula ofereceu ao Congresso um projeto claro de governo e de país, para ser negociado com os representantes do povo.

Portanto, como escreveu o cientista político Carlos Pereira em sua coluna neste jornal, “se há algo disfuncional no presidencialismo multipartidário brasileiro atual, esse algo é o Executivo – não o Legislativo”.

Como já sublinhamos nesta página não poucas vezes ao comentar a captura de nacos cada vez mais robustos do Orçamento pelos parlamentares, a progressão das emendas nos últimos dez anos, a bem da verdade, é mais sintoma do que causa de um regime presidencialista fragilizado não por fatores externos, mas pela própria tibieza e carência programática de presidentes como Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro e, agora, Lula da Silva. Basta dizer que Michel Temer, malgrado sua alta impopularidade, conseguiu aprovar não uma, mas várias reformas fundamentais para o País que, fosse outro o chefe de Estado e de governo na ocasião, dificilmente teriam passado pelo mesmo Congresso multipartidário que aí está.

Por que Temer obteve tantas vitórias legislativas, a despeito de seu apelo quase negativo perante a opinião pública, e outros não? A resposta é elementar: Temer formalizou uma coalizão de partidos em torno de um plano estratégico para o País, o “Ponte para o Futuro”. Goste-se ou não, tratava-se de um plano de governo digno do nome, com ações bem definidas, cronogramas detalhados e resultados mensuráveis. Ademais, Temer governou com o Congresso, e não para o Congresso. Seu diálogo permanente com cada deputado e cada senador foi determinante para a construção de uma maioria parlamentar segura e confiável. A isso dá-se o nome de política.

Vale dizer, o regime presidencialista será tão forte quanto forte for a agenda programática do incumbente, em torno da qual possa construir consensos duradouros com o Legislativo, e sua disposição para dividir o poder. Noutras palavras: o Congresso, tal como é, com seus vícios e virtudes, será o que dele fizer o presidente da República como principal formulador da agenda nacional – algo que Lula da Silva nem remotamente chega perto de ser em seu terceiro mandato. Portanto, não é o presidencialismo que está à deriva, é o petista que está cada vez mais fraco para manejar o leme.

Mais uma bomba previdenciária

O Estado de S. Paulo

Concebido para formalizar o trabalhador de baixa renda, Microempreendedor Individual (MEI) não cumpre esse propósito a contento e ainda impacta sensivelmente a já combalida Previdência

Criado no final de 2008 com o objetivo de ampliar a formalização de pequenos empreendedores e trabalhadores autônomos, o contrato de Microempreendedor Individual (MEI), popularmente conhecido como “pejotização”, deve gerar um déficit de R$ 1,9 trilhão, nas próximas sete décadas, no já combalido Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

Essa é a estimativa do economista Rogério Nagamine Costanzi, que em análise detalhada para o Observatório de Política Fiscal da Fundação Getulio Vargas (FGV) esmiúça por que o programa, por mais bem intencionado que seja, agrava o já tenebroso desequilíbrio financeiro da Previdência e carece de reformulação.

Como explica Costanzi, o que começou mal conseguiu ser piorado com o tempo. Num primeiro momento, bastava uma contribuição de 11% do salário mínimo e contribuições simbólicas para ICMS (R$ 1) e ISS (R$ 5) para que o MEI tivesse direito a benefícios tais como aposentadoria por idade, invalidez ou incapacidade permanente, pensão por morte, auxílio-doença (incapacidade temporária) e salário-maternidade. Contudo, uma medida provisória posteriormente convertida na Lei 12.470/2011 reduziu a já baixa alíquota de contribuição previdenciária para 5% do salário mínimo.

Na prática, criou-se todo um contingente de potenciais beneficiários, sem que houvesse correspondente aumento de receitas. O número de trabalhadores inscritos no programa saltou de 44 mil, no final de 2009, para cerca de 16,3 milhões no final de 2024, enquanto a participação do MEI no regime geral da Previdência subiu de 1,6% em 2011 para quase 12% em 2023.

Não bastasse o crescimento acelerado de beneficiários que contribuem muito pouco para desfrutar de uma série de direitos, Costanzi também chama a atenção para a forte inadimplência previdenciária dos “pejotizados”. Em 2023, apenas um em cada três MEIs contribuía para a Previdência.

Insustentável como está, o MEI pode, mais uma vez, mudar para pior. Debate-se no Congresso a possibilidade de se ampliar o teto do MEI dos atuais R$ 81 mil de faturamento anual para R$ 130 mil. O ministro do Empreendedorismo, Márcio França, entende que o teto atual está defasado e precisa ser atualizado.

Em tese, a ampliação do teto viria acompanhada de uma tabela progressiva de contribuição para a Previdência. Mas é difícil acreditar que Executivo e Legislativo cheguem a bom termo em relação a isso, não só porque vivem às turras quando se trata de responsabilidade fiscal, como porque já há no Congresso quem defenda elevar o teto do MEI para além de R$ 130 mil.

Não bastasse o efeito devastador sobre o sistema previdenciário, o MEI também está muito longe de promover aquilo para o que foi concebido: a formalização do trabalhador de baixa renda.

Ao cruzar dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2023 com o total de trabalhadores por conta própria com registro no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), Costanzi estimou que “82,2% dos MEIs estavam entre os 50% mais ricos da população, considerando a renda domiciliar per capita, e apenas 17,8% estavam entre os 50% mais pobres”.

Trata-se de uma séria distorção de uma política pública que deveria oferecer proteção social àqueles que historicamente não contam com ela, caso de trabalhadores como vendedores ambulantes.

Na realidade, porém, o perfil do MEI é muito similar ao de um profissional com carteira assinada (CLT) com ensino médio ou superior completo e que, justamente por isso, não deveria ser objeto de políticas de proteção social quase não contributivas, como corretamente argumenta Costanzi.

Tudo isso deveria estar no radar tanto do Executivo, agora tão cioso do abismo entre ricos e pobres, quanto do Legislativo, que deveria resistir a lobbies que podem ampliar ainda mais os problemas do MEI.

Tal como está, o MEI é mais um exemplo de política pública que não cumpre, a contento, o objetivo de incluir quem realmente precisa de proteção social e, além disso, é estruturalmente inviável do ponto de vista previdenciário. Posto de outra forma, é uma bomba-relógio de amplo alcance.

Enfim, o justo ressarcimento

O Estado de S. Paulo

Pagamento de compensação a beneficiários por fraudes em descontos no INSS não dispensa a necessidade da CPMI

O governo Lula da Silva poderá ressarcir aposentados e pensionistas que foram vítimas da fraude revelada pela Operação Sem Desconto sem afetar a meta fiscal. A decisão é do ministro Dias Toffoli, que autorizou o Executivo a não contabilizar os recursos que serão utilizados para esse fim no arcabouço. Até o momento, ao menos 3 milhões de pessoas identificaram descontos ilegais em seus vencimentos, e o Executivo estima gastar ao menos R$ 2,1 bilhões para compensá-los.

A decisão do ministro ainda precisa ser referendada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), mas tudo indica que ela será confirmada. A boa notícia é que a reparação dos prejudicados será rápida, o que favorece tanto quem foi lesado quanto o próprio erário. Com o acordo, a Advocacia-Geral da União (AGU) vai conseguir suspender ações judiciais que, futuramente, poderiam gerar uma bomba fiscal, considerando a incidência de juros e correção monetária sobre o montante.

A má notícia é que a conta sobrou para a União, muito embora o rombo tenha sido fruto da má-fé de entidades privadas que se aproveitaram de um público tão vulnerável como os beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O correto seria que esses sindicatos e associações devolvessem os valores de que se apropriaram de forma indevida.

O cálculo político-eleitoral explica a pressa do Executivo em resolver essa pendenga. O governo quer encerrar esse imbróglio antes do começo dos trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), pois sabe que a recuperação da popularidade do presidente Lula da Silva depende disso.

Com o pagamento da compensação aos beneficiários, a CPMI perderá muito de seu apelo. Enquanto a oposição ainda se estapeia pelos cargos no colegiado, o PT e os partidos da base aliada escalaram uma tropa de choque para controlar seus trabalhos. A demora proposital de Davi Alcolumbre (União-AP) para ler o requerimento de criação do colegiado empurrou a CPMI para o segundo semestre, período em que a maioria dos parlamentares já estará mais preocupada com suas bases de olho em 2026.

Desperdiçar a oportunidade de apurar a fundo esse esquema, no entanto, seria leviano. Autoridades como o ex-ministro da Previdência Social Carlos Lupi e o ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto ainda têm muito a explicar. Não faltaram alertas sobre a gravidade do caso, e a demora do governo em mandar investigar e suspender os descontos associativos sugere, no mínimo, omissão.

O Congresso também precisa ser mais diligente, e a CPMI é ocasião perfeita para essa reflexão. Emendas que garantiram a renovação automática dos débitos foram incluídas em três medidas provisórias aprovadas pelo Legislativo durante o governo Bolsonaro. Sem essa facilidade, a fraude não teria tido o mesmo alcance. Se bem conduzida, a CPMI pode identificar as brechas que permitiram que o esquema se instalasse e propor a criação de normas que aprimorem o controle e a fiscalização, de forma a garantir que episódios como esse não voltem a ocorrer. É o mínimo que este jornal espera do Legislativo.

Ciclismo e transporte urbano no Brasil

Correio Braziliense

O país registrou cerca de 15 mil mortes de ciclistas no trânsito entre os anos de 2014 e 2024

Cada vez mais, pedalar é uma escolha comum mundo afora, seja como meio de transporte, lazer, esporte, ou seja, mesmo forma de socialização. O interesse aumentou tanto que rendeu uma data comemorativa, o Dia Mundial da Bicicleta, instituído em 3 de junho pela Organização das Nações Unidas (ONU). No Brasil, o incentivo ao uso desse modal sustentável também é crescente, mas diversas questões barram o avanço da prática. Mesmo diante de amplos benefícios, a falta de segurança pesa e afasta os brasileiros das bikes.

Segundo dados do Ministério da Saúde, com base em outras fontes legítimas, o país registrou cerca de 15 mil mortes de ciclistas no trânsito entre os anos de 2014 e 2024. Esse cenário assusta ainda mais quando se pensa sobre a quantidade de acidentes sem óbitos, mas com marcas profundas, que acontecem diariamente pelo território nacional. Para esse público, a insegurança no trânsito ganha proporções maiores e demanda a plena conscientização da população.

O ciclismo urbano carrega na garupa os problemas da mobilidade no ambiente das cidades: desrespeito às regras e à convivência, descuido, falta de infraestrutura adequada, ausência de planejamento e de modernização.

No caso do transporte em duas rodas, o restrito investimento em ciclovias e ciclofaixas agrava o quadro uma vez que, sem espaços ideais, os ciclistas se arriscam em asfaltos irregulares e esburacados, potencializando a ocorrência de tragédias. Isso quando não precisam enfrentar vias destinadas às "magrelas" vandalizadas ou invadidas por veículos e pedestres, num quadro de perigo iminente.

É claro que a realidade apresenta muitos praticantes que não cumprem as leis e acabam contribuindo para as estatísticas. O uso de equipamentos apropriados, como capacetes, e a manutenção correta das bicicletas não podem ser negligenciados. Para evitar essas imprudências, campanhas de orientação e fiscalização devem ser constantes e eficazes.

Uma medida fundamental, mas que o país ainda não avançou, é a harmonia do transporte cicloviário com as opções públicas (ônibus e metrô). Sem uma integração eficiente, os ciclistas encaram empecilhos para combinar a bicicleta com esses meios durante os longos deslocamentos. Cidades que lidam com o caos urbano — como Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba — têm buscado ampliar a presença do ciclismo pelas ruas, mas seus esforços precisam ser maiores e, ao mesmo tempo, os exemplos delas devem ser seguidos.

Fato é que o Brasil, diante de tantas dificuldades para implantar alternativas viáveis de locomoção, não pode ignorar o potencial das bicicletas nessa busca por soluções, muito menos fechar os olhos para o crescimento das mortes de ciclistas. Os agentes envolvidos nas políticas de mobilidade dos municípios precisam perceber que é primordial investir nessa possibilidade deslocamento, que desafoga o trânsito, contribui para o meio ambiente e melhora a saúde dos moradores.

A cultura do transporte motorizado vem perdendo força diante dos problemas do mundo moderno, como a necessidade de reduzir os índices de poluição. Fazer do ciclismo um meio de transporte eficiente e seguro é um desafio, mas as cidades que encontrarem o caminho vão dar um passo significativo rumo à qualidade de vida.

Ter a Cidade limpa demanda ação coletiva

O Povo (CE)

Pessoas físicas, empresas, instituições e poder público devem agir de forma conjunta e integrada para que cada mais os resíduos sejam descartados corretamente

No primeiro semestre de 2025, 329 mil toneladas de resíduos descartados irregularmente foram coletados em Fortaleza. São cerca de 54,8 mil toneladas mensais, custando pelo menos R$ 15 milhões por mês, conforme o secretário da Conservação e Serviços Públicos, José de Abreu Machado, à Rádio O POVO CBN na última semana. A quantidade recolhida é quase 20% superior ao total coletado regularmente no mesmo período (276 mil toneladas de resíduos domiciliares), o que dá alguma dimensão da sujeira.

Trazendo uma medida mais visual, conforme a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), cada brasileiro descarta, em média, 382 kg de lixo ao ano. É como se, em seis meses, 1.722.513 pessoas (cerca de 70% dos fortalezenses) tivessem jogado todo seu lixo em locais inapropriados. E isso somente do total recuperado após o descarte errado.

"Muitas vezes, a impressão que fica é que a gente está 'enxugando gelo'. A gente limpa pela manhã, mas à tarde o mesmo local já está sujo", disse o prefeito Evandro Leitão (PT). A fala se deu também na semana passada quando, ao programa O POVO no Rádio, o chefe do Executivo municipal enfatizou as dificuldades para manter a faxina da Cidade.

Os gestores estão verbalizando o problema — e sem apontar gestões anteriores ou falta de recursos financeiros. Fortalezenses e turistas estão vendo e sentindo. Será que cada, casa, condomínio, instituição, empresa e até órgão público entende ter responsabilidade apenas com o próprio asseio? Se sim, como fica a higiene da casa comum? Esta precisa da ação coletiva para acontecer.

Iniciativa pública recente é o caminhão Limpezinha. Desde maio é possível marcar a coleta de móveis e eletrodomésticos velhos, restos de madeira e ferragens, e pneus. A rota é definida semanalmente, conforme solicitações feitas por meio da Central 156, nas Regionais ou pelo SAC da Ecofor (0800 275 4400).

Outra ação é o programa Joga Limpo, que une conscientização ambiental ao cotidiano dos colégios municipais. Alunos são incentivados a fiscalizar os pontos de lixo próximos às suas escolas e residências e a levar materiais recicláveis às escolas. Ao mesmo tempo, a Prefeitura faz orientações porta a porta, além de limpar e sinalizar os locais de descarte irregular.

Algo está sendo feito; é necessário acompanhar e cobrar que siga acontecendo. Ao mesmo tempo, o que cada um pode fazer? Você conhece o caminhão Limpezinha? E sabe quando se dá a coleta domiciliar no seu bairro? A Ecofor disponibiliza esse cronograma e aconselha: coloque o lixo na porta de casa somente no dia e horário em que o caminhão passará por ali.

Existem ainda os Ecopontos, onde é possível descartar material reciclável e receber desconto na conta de energia elétrica. Por fim, mas não menos importante, que tal reduzir o lixo que produzimos diariamente?

 

 

 

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