STF segue a lei ao adotar medidas contra Bolsonaro
O Globo
Ex-presidente já deu inúmeras provas
de que seu maior objetivo é salvar a própria pele
Está dentro do regramento legal brasileiro a
Justiça tomar medidas preventivas contra Jair
Bolsonaro. Em sua petição, a Procuradoria-Geral da República (PGR)
solicitou “novas medidas cautelares que possam assegurar a aplicação da lei
penal e evitar a fuga do réu”. O ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decretou que Bolsonaro
terá de usar tornozeleira eletrônica, não poderá falar com diplomatas nem com
seu filho Eduardo
Bolsonaro, não poderá usar redes sociais e será obrigado a ficar em
casa à noite e aos fins de semana.
A decisão de Moraes está baseada no que ele considera “claros e expressos atos executórios e flagrantes confissões da prática de atos criminosos” com o objetivo de obstruir as investigações e atentar contra a soberania nacional. Está implícita, porém, a tentativa de evitar que ele busque asilo político numa embaixada ou saia do país ilegalmente antes do fim do julgamento em que é acusado de tentar dar um golpe de Estado. Seria uma desmoralização para o Judiciário e um mau exemplo para o futuro se ele conseguisse driblar decisão de tamanha relevância para a democracia brasileira.
Em qualquer tempo ou circunstância, seriam
necessários cuidados extras. No caso específico de Bolsonaro, não faltam razões
para desconfiar de suas intenções. Em 2024, quatro dias depois que seu
passaporte foi confiscado, ele foi à embaixada da Hungria, país governado pelo
aliado ideológico Viktor Orbán, e lá ficou por dois dias. Na época nem era réu.
Em março deste ano, seu filho Eduardo transferiu-se para os Estados Unidos,
onde tem feito campanha intensa para convencer as autoridades americanas a pressionar
o Judiciário brasileiro. Não escapou ao STF Bolsonaro ter enviado R$ 2 milhões
para ajudar o filho. “As postagens realizadas e a vultosa contribuição
financeira encaminhada são fortes indícios do alinhamento [de Bolsonaro e
Eduardo]”, escreveu Moraes.
Com Donald Trump na Casa Branca, o uso do
asilo político para livrar Bolsonaro é uma possibilidade concreta. Trump começa
a carta em que ameaça impor 50% de sobretaxa a importações do Brasil chamando o
julgamento de “caça às bruxas” e exigindo seu fim. Em nova carta a Bolsonaro,
afirmou: “Tenho visto o tratamento terrível que você está recebendo nas mãos de
um sistema injusto”.
Em nenhuma das ocasiões, Bolsonaro denunciou
a intromissão na soberania nacional. Pelo contrário. Agradeceu e registrou seu
“respeito e admiração pelo governo dos Estados Unidos”. Eduardo também
agradeceu a Trump e exaltou seu papel. Nesta semana, foi além: reiterou seu
apoio às tarifas e afirmou ser “mais fácil um porta-aviões chegar ao Lago
Paranoá” que as lideranças brasileiras serem recebidas para negociar o
tarifaço. Ora, é um absurdo celebrar tarifas impostas ao país ou fazer esse
tipo de ameaça velada. O Planalto faz bem em manter a serenidade e tentar
negociar, afinal as tarifas são prejudiciais aos próprios americanos.
Um dos denunciados pela trama golpista
revelou, ao lado de Eduardo, que a Casa Branca consultou ambos sobre a
possibilidade de asilo nos Estados Unidos, mas a hipótese foi descartada. Dada
a fuga recente da deputada bolsonarista Carla Zambelli, as autoridades
brasileiras fazem bem em se precaver. Bolsonaro deu inúmeras demonstrações de
que seu maior objetivo é salvar a própria pele. Por isso mesmo deve cumprir as
determinações da Justiça.
Proliferação de fuzis no Brasil atingiu
dimensões assustadoras
O Globo
Armas que deveriam ficar restritas a
uso militar são hoje símbolo do poder de fogo das organizações criminosas
Desde o fim dos anos 1970, quando quadrilhas
do narcotráfico passaram a se entrincheirar em favelas brasileiras,
especialmente no Rio de Janeiro, os fuzis têm ganhado protagonismo no arsenal
das organizações criminosas, legando a revólveres e pistolas o papel de
coadjuvantes. Exibido ostensivamente por traficantes e milicianos como símbolo
de poder, intimidação e terror, esse armamento de guerra, que deveria ficar
restrito a uso militar, está presente em praticamente todo o território
nacional. Fuzis aumentam o poder de fogo dos bandidos e impõem às polícias o
uso de armas cada vez mais letais. Médicos têm sido obrigados a desenvolver uma
“medicina de guerra” para socorrer as vítimas que chegam à emergência.
A proliferação tem sido assustadora. Apenas o
Rio concentra 37,4% dos fuzis retirados das mãos dos bandidos em todo o Brasil
no ano passado, mostrou uma série de reportagens do GLOBO. Quando se analisam
os últimos dez anos, os números são ainda mais preocupantes: o Rio responde por
46% dos 10.248 fuzis apreendidos entre 2015 e 2024. Embora a situação se mostre
mais grave no Rio, outros estados enfrentam problema semelhante. Entre 2015 e
2024, foram apreendidos em São Paulo 1.972 fuzis, quase 20% do total do país.
No Rio Grande do Sul, foram 746. Em Minas Gerais, 537.
“Vivemos conflitos urbanos inimagináveis”,
diz o delegado Vinícius Domingos, da Coordenadoria de Fiscalização de Armas e
Explosivos da Polícia Civil fluminense. “Convivemos com algo anormal e tratamos
como se fosse rotina.” A Favela da Rocinha, na Zona Sul do Rio, é um exemplo do
descalabro. Dominada pelo Comando Vermelho (CV), que passou a controlar a venda
de drogas no local depois de derrotar a facção rival Amigos dos Amigos, a
comunidade se tornou uma fortaleza do CV guardada por 1.500 fuzis, sete vezes a
quantidade presente num batalhão da Polícia Militar (PM). Pior: dos 223 detidos
com fuzis em 2023, 98 já estavam de volta às ruas neste ano, perpetrando as
mesmas ameaças à população, revelou estudo da PM.
Não há dúvida de que é preciso desarmar as
quadrilhas que usam fuzis até para praticar assaltos a pedestres. Cada fuzil
apreendido representa prejuízo financeiro aos bandidos e redução de seu poder
de fogo. Mas a apreensão depende de operações bem planejadas, feitas a partir
de tecnologia e inteligência capaz de identificar os arsenais, e não de ações
atabalhoadas que expõem inocentes a risco e resultam em pouco efeito prático.
Tão importante quanto a apreensão é evitar
que essas armas — quase todas trazidas do exterior — atravessem as fronteiras e
cheguem às comunidades, por meio de rotas ilegais ou aproveitando as falhas de
segurança em portos e aeroportos. Para isso, é necessário um plano de segurança
robusto que integre todas as forças da lei. Está cada vez mais claro que
a violência não
é um problema isolado. Estados e governo federal precisam se unir para
enfrentar o crime organizado, ou ficarão eternamente apreendendo fuzis sem
interromper a guerra.
Saneamento avança com investimentos privados
Folha de S. Paulo
Após 5 anos do novo marco, que prevê 90% com
tratamento de esgoto até 2033, obras ganham ritmo com privatizações e PPPs
Cinco anos após a aprovação do Novo Marco
Legal do Saneamento,
que alavancou
a participação privada em área historicamente dominada por
incompetência e morosidade públicas, o Brasil pode comemorar avanços, embora de
modo cauteloso diante dos enormes desafios que há pela frente.
A nova lei estabeleceu duas metas principais
a serem cumpridas até o final de 2033, daqui a sete anos e meio: garantir o
fornecimento de água potável para 99% da população e coleta e tratamento de
esgoto a 90%.
Para viabilizar o intento, as mudanças
permitiram privatizações,
parcerias público-privadas e concessões de empresas estaduais e
municipais de saneamento, que rapidamente vêm perdendo espaço para o setor
privado.
Mas o país ainda está distante dos dois
objetivos centrais: apenas 83,1% têm acesso a água potável e, mais vergonhoso,
só 55,2% a coleta e tratamento de esgoto.
Se esses percentuais não evoluíram de forma
substantiva nos últimos anos, isso se deve às características do setor, em que
as obras geralmente necessitam de projetos técnicos abrangentes, são de grande
porte e muitas vezes incluem desapropriações. Houve também, mais recentemente,
um maior aprendizado de empresas novatas na área.
Especialistas têm dito que se a fotografia do
momento não parece muito boa, o filme a seguir pode ficar interessante.
Isto porque espera-se, ao fim de 2026, que
metade dos municípios estejam atendidos por empresas privadas, considerando
apenas projetos com cronogramas estabelecidos, segundo a Associação Brasileira
das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Abcon). Em 2020, elas atuavam em
apenas 7% das cidades.
Em 2021, por exemplo, a Aegea tomou o lugar
da estatal Cedae em grande parte do Rio de Janeiro, onde municípios populosos,
como Duque de Caxias, São Gonçalo e Belford Roxo, ainda aparecem entre os 20
piores colocados em ranking do Instituto Trata Brasil, que avalia o saneamento
nas cem maiores cidades.
É esperado que a situação dessas localidades,
assim como de centenas de outras, evolua a passos mais firmes agora, com
agilidade na contratação de projetos e na execução de obras.
Mas o que garantirá mesmo o cumprimento das
metas até 2033 será o volume de investimentos.
Estima-se a necessidade de R$ 45,1 bilhões em aportes anuais até 2033 para se
chegar às metas, ante os cerca de R$ 30 bilhões de 2024 —mas, em 2021, foram
apenas R$ 18,8 bilhões.
No atual estágio, há dois principais
obstáculos aos investimentos: custo do capital em um ambiente de juros altos
e falta de insumos na cadeia de fornecimento.
Em cenário de demanda elevada, o provável é
que o mercado regule a oferta de materiais. Em relação aos juros elevados, a
gastança do governo Lula (PT) não contribuirá
para baixá-los, colocando em risco a contratação de investimentos cruciais para
o país.
Passageiros de ônibus sob ataque
Folha de S. Paulo
Mais de 700 veículos foram atingidos por
objetos em São Paulo; é preciso agilizar investigação e reforçar policiamento
Há cerca de um mês, os usuários do sistema
de ônibus de São Paulo estão
reféns de um fenômeno de violência obscuro
e inaceitável. Veículos têm sido atacados por objetos, deixando feridos e
passageiros diariamente amedrontados.
Pode-se considerar que os casos são de
difícil investigação, dado seu caráter aleatório, mas isso não justifica a
lentidão da Polícia Civil em
solucioná-los.
Segundo dados da prefeitura, entre 12 de
junho e 15 de julho, 466
veículos foram alvos desse tipo de vandalismo na cidade. O fenômeno não se
restringe à capital. Dos 39 municípios que compõem a região metropolitana de
São Paulo, 27 deles registraram 289 ataques desde 1º de junho.
Uma
criança de 10 anos foi ferida por estilhaços de vidro de uma janela
quebrada. No caso mais grave até agora, uma pedra atingiu uma mulher de 31
anos, que teve ossos da face fraturados.
No dia 10, o governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos)
disse que a população "não precisa ter medo" da onda de depredação
sem sentido, já que sua gestão havia instituído uma "mega operação"
de investigação.
Mas, por óbvio, milhões de pessoas que
dependem do transporte
público para locomoção estão com medo. Não são poucos os passageiros
que se recusam a sentar à janela, deixando o corredor do veículo lotado.
E, se a operação instalada pela Secretaria de
Segurança do estado é de grande dimensão, como afirmou Tarcísio, ao menos até
agora não ofereceu respostas à altura da gravidade do problema.
A motivação ainda é um mistério. Há duas
hipóteses: disputas entre empresas por mudanças em contratos de transporte e
desafios feitos na internet que
incitam jovens a condutas perigosas e criminosas. A participação da facção
Primeiro Comando da Capital (PCC) foi cogitada, mas descartada pela polícia.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) reclamou,
com razão, da demora nas investigações. A cúpula da Segurança paulista
defendeu a atuação do Departamento Estadual de Investigações Criminais e citou
as prisões realizadas —até quarta-feira (16), 8 suspeitos haviam sido detidos.
No entrevero entre estado e município,
passageiros ficam apreensivos em exercer com segurança seu direito de ir e vir.
Como se não bastasse o medo da violência urbana tradicional, com furtos e
assaltos, agora correm risco de ser atingidos por uma pedra a caminho do
trabalho.
O poder público tem o dever de proteger a população, com ações robustas em inteligência investigativa e reforço do policiamento.
Bolsonaro fez por onde
O Estado de S. Paulo
O ex-presidente enfrenta medidas cautelares
juridicamente fundamentadas, pois está claro que ele incitou o governo dos EUA
a coagir o STF a desistir do processo em que é acusado de golpe
A decisão do ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Alexandre de Moraes de impor uma série de medidas cautelares a
Jair Bolsonaro, entre as quais o uso de tornozeleira eletrônica, o recolhimento
domiciliar e a proibição de usar redes sociais, está bem fundamentada factual e
juridicamente. Abundam evidências de que o ex-presidente incitou o governo dos
EUA a coagir o Brasil, por meio de ameaça de sanções e tarifas, a suspender o
processo que corre no STF contra ele e seus acólitos sob a acusação de tramarem
um golpe de Estado – a Ação Penal (AP) 2.668.
Bolsonaro fez por merecer as severas
restrições que lhe foram impostas. Para começar, confessou ter transferido R$ 2
milhões ao filho Eduardo para mantê-lo nos EUA, desde onde o deputado
licenciado articula abertamente com autoridades daquele país a imposição de
sanções a Moraes e a outras autoridades com claro intuito coator. As sanções
individuais ainda não vieram – se é que virão –, mas nem por isso as investidas
do clã foram em vão: como se sabe, o presidente Donald Trump ameaçou punir todo
o País com a imposição de sobretaxa às exportações brasileiras caso o processo
contra Bolsonaro não cesse “imediatamente”.
Ademais, Bolsonaro e seus filhos Eduardo e
Flávio fizeram questão de enfatizar, por meio de vídeos e postagens nas redes
sociais, que os ataques de Trump cessariam no exato momento em que fosse
concedida anistia ao ex-presidente. O nexo causal é patente. Bolsonaro em
pessoa, convém lembrar, publicou um texto em tom delinquente reafirmando a
extorsão. Resta comprovado, portanto, que a movimentação do clã Bolsonaro,
inclusive recorrendo à intervenção de governo estrangeiro, visa a obstruir o
curso da AP 2.668 no STF – o que é crime à luz da legislação penal brasileira.
Não foi por outra razão que a
Procuradoria-Geral da República (PGR), ao dar parecer favorável à imposição das
medidas cautelares, citou a “concreta possibilidade de fuga” de Bolsonaro e a
premente necessidade de fazer cessar a continuidade das “ações para obstruir o
curso da ação penal”. É disso que se trata.
A aplicação das medidas cautelares a
Bolsonaro foi uma resposta proporcional à sua clara tentativa de evitar a
aplicação da lei penal caso o ex-presidente e seus corréus venham a ser
condenados. A decisão de Moraes, tomada a pedido da Polícia Federal e respaldada
pela PGR e pela Primeira Turma do STF, presta-se, portanto, à garantia da
integridade do processo penal.
A prudência e a presunção de inocência
permanecem asseguradas, como prova o fato de que Bolsonaro não foi preso
preventivamente, embora os indícios de uma eventual fuga sejam tão
contundentes, como enfatizou o parquet, que seria difícil enxergar abuso
caso a medida extrema fosse decretada. Ainda assim, as restrições impostas já
servem como recados claros: o Brasil é um país soberano e aqui ninguém está
acima da lei.
Em sua mais recente manifestação epistolar
sobre o assunto, Trump voltou a tratar Bolsonaro como um “perseguido” e exigiu
que o processo contra ele cessasse “imediatamente”. Trata-se de uma inaceitável
ingerência externa em assuntos domésticos do Brasil. Ao endossar publicamente
um movimento que visa a obstruir o curso normal da Justiça brasileira, Trump
agrediu não só a soberania nacional, mas também o princípio fundamental da
separação entre os Poderes, além de macular, como se nada disso bastasse, a história
das relações diplomáticas entre as duas maiores democracias das Américas.
É nesse sentido que se torna inescapável
notar a dimensão política da decisão de Moraes. Além de seus fundamentos
jurídicos, à imposição das medidas cautelares a Bolsonaro subjaz um manifesto
em defesa da independência do STF para julgar Bolsonaro pelos crimes de que ele
é acusado. O que Eduardo chamou de “dobrar a aposta” contra Trump, ao se
insurgir contra a decisão do ministro, a bem da verdade é uma clara mensagem
emitida pela mais alta instância do Judiciário do País de que não cederá a
pressões de quaisquer naturezas, muito menos externas, no curso da AP 2.668.
Um veto à irresponsabilidade
O Estado de S. Paulo
Lula fez muito bem em vetar o infame projeto
que aumenta o número de deputados, mas o Congresso promete derrubar o veto, em
afronta à vontade da maioria dos brasileiros
O presidente Lula da Silva fez o certo e
vetou o projeto de lei que aumenta dos atuais 513 para 531 o número de
deputados federais, aprovado no fim de junho pelo Congresso. Foi o imperativo
da sensatez: não havia nem há razão conceitual, política ou técnica que
justifique o jeitinho que a Câmara tentou dar à exigência de redistribuição de
suas cadeiras conforme a mudança populacional dos Estados.
Pelo que foi publicado na imprensa,
integrantes do governo, especialmente os articuladores políticos do Palácio do
Planalto, chegaram a tentar convencer o presidente a não vetar nem sancionar o
projeto, deixando que o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União
Brasil-AP), promulgasse a nova lei – o que, nos meandros legislativos,
configura-se uma “sanção tácita”, já que Alcolumbre disse antecipadamente que o
faria. Mas Lula, enfim, optou pelo veto, para marcar posição e, pelo menos,
sustar provisoriamente a irresponsabilidade do Legislativo.
A consequência imediata, contudo, tem pouco a
ver com a medida. Ao fazê-lo, o petista comprou uma nova briga com o
Legislativo, num longuíssimo enredo de fissuras, derrotas e retaliações mútuas.
Desta vez, porém, foi pelos motivos adequados. Não à toa, ato contínuo, a
Câmara – queixosa do anúncio do veto presidencial e da decisão do ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de validar o aumento do
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) contra a decisão anterior do
Congresso – aprovou um crédito subsidiado de até R$ 30 bilhões para o
agronegócio com verbas de petróleo do pré-sal. O cheiro de retaliação era
evidente no plenário. No meio desse jogo de empurra, que tem cara menos de
negociação política e muito mais de rinha entre adversários que buscam golpes
abaixo da cintura, o fato é que o aumento do número de deputados já constituía
um dos episódios mais lamentáveis da atual legislatura.
Embora esteja claro o destino final do
projeto (a derrubada do veto e a conversão em lei), trata-se de uma medida
injustificável, sob qualquer ótica. Primeiro, pelo não cumprimento da
previsibilidade orçamentária e por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal, dado
o impacto anual estimado de cerca de R$ 65 milhões somente com os custos da
criação das novas vagas, incluindo salários, benefícios e estrutura para novos
congressistas, fora o inevitável aumento também nas cadeiras das Assembleias
Legislativas, pelo efeito cascata. O segundo argumento é mais grave: trata-se
de um flagrante desrespeito à jurisprudência do STF e à própria lógica da
representação política proporcional, prevista na Constituição e na Lei
Complementar 78/1993. A primeira, em seu artigo 45, estabelece que a
representação dos Estados deve ser proporcional à sua população; a segunda, que
o regulamentou, fixou o mínimo de 8 e o máximo de 70 deputados por unidade da
Federação.
Para que a lei fosse respeitada, a partir de
2027 alguns Estados deveriam perder assentos (Alagoas, Bahia, Paraíba,
Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) e outros deveriam ganhar
(Amazonas, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará e Santa Catarina). Uma
premissa cristalina. Para completar, em 2023, o STF foi igualmente claro: cabia
ao Congresso redistribuir as cadeiras na Câmara, até 30 de junho de 2025, com
base nos dados do Censo de 2022, de modo a refletir a nova realidade populacional
do Brasil. A palavra-chave era “redistribuir”, mas o Congresso, vocacionado a
legislar em causa própria, optou pelo aumento. Em vez de corrigir a
sub-representação e a sobrerrepresentação de certos Estados, deu à Câmara mais
18 cadeiras para que, como este jornal já sublinhou, ninguém perdesse o
injustificável privilégio de ter uma representação acima da que deveria. Em
outras palavras, quem deveria perder, não perdeu; quem deveria ganhar, ganhou.
E assim certos votos seguem valendo mais do
que outros. Estado mais populoso da Federação, com cerca de 46 milhões de
habitantes, São Paulo tem quase 22% da população brasileira, mas elege apenas
13,6% dos deputados federais. Embora atinja o teto constitucional de 70
deputados, o Estado já estava severamente sub-representado. A Câmara quer tirar
mais um naco dessa representação.
A vergonha continua
O Estado de S. Paulo
Universalização do saneamento em 2033 ainda é
improvável cinco anos após marco legal
A desigualdade social no Brasil poderia muito
bem ser traduzida pela imagem de uma vala de esgoto a céu aberto, repugnante,
que exala mau cheiro e espalha mazelas. Afeta duramente metade da população,
mas se mantém concentrada em bolsões de pobreza, como se fosse parte da
natureza local. É um retrato vergonhoso com o qual o País terá de conviver
pelos próximos 45 anos até que todos possam ter acesso ao saneamento, conforme
estimativa feita pelo Centro de Liderança Pública (CLP), por ocasião dos cinco
anos do Marco do Saneamento, completados neste mês.
O prazo para a universalização do saneamento
vem sendo esticado de forma sucessiva e incômoda. Projeções feitas nos últimos
anos por outros órgãos indicavam que o acesso universal seria alcançado entre
2050 e 2060. O marco legal, instituído em 2020, estipulou o ano de 2033, mas
são cada vez menores as chances de cumprimento da meta diante do nível atual de
investimentos.
Os estudos apontam invariavelmente a
necessidade de investir centenas de bilhões de reais para alcançar o objetivo
de dotar 99% da população de água potável e 90% de coleta e tratamento de
esgoto. Uma pesquisa da consultoria Roland Berger indica que o montante pode
chegar a R$ 550 bilhões. Em 2018, dois anos antes da instituição do novo marco,
a Confederação Nacional da Indústria (CNI) falava da necessidade de investir R$
21,6 bilhões por ano para chegar a 2033 com o acesso universal, um valor
evidentemente subestimado.
Cada R$ 1 de investimento em saneamento dá ao
País entre R$ 4 e R$ 9, de economia em saúde e ganhos com geração de empregos,
produtividade e valorização imobiliária, de acordo com a Organização Mundial de
Saúde. Além disso, mais de cem doenças podem ser evitadas com a oferta
abrangente de serviços de saneamento, de acordo com o Departamento de
Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus).
Os cinco anos do marco legal do saneamento
merecem ser celebrados como um avanço, apesar dos decretos editados no primeiro
ano do atual governo Lula da Silva, que representaram um retrocesso no setor. O
marco estipulava que as companhias estaduais com déficits deveriam reestruturar
suas finanças para demonstrar capacidade de investir e alcançar a
universalização dos serviços, além de impedir as chamadas práticas
protecionistas que limitavam a competitividade no setor. Os decretos de Lula
flexibilizaram a lei e permitiram, por exemplo, a manutenção de acordos sem
licitação de Estados e municípios.
O contumaz vício estatista resultou na
ineficiência que minou a capacidade de investimento do setor. A partir da
aprovação do novo marco legal, no entanto, a participação privada em projetos
de ampliação do atendimento de empresas de saneamento aumentou significativamente:
chegará a 49,7% no ano que vem, contra 7% em 2020, segundo a associação do
setor. Como mostrou o Estadão, o ciclo de privatizações e concessões irá
abranger, neste ano, 24 projetos e deve gerar R$ 75 bilhões de investimentos.
Em 2033, serão 43 projetos, com R$ 105 bilhões.
Oxalá esse avanço seja acelerado. É hora de
encarar o saneamento como estratégico, porque significa o mínimo de dignidade
para todos os brasileiros.
Às vésperas da COP, liderança em xeque
Correio Braziliense
O PL do Licenciamento Ambiental coloca o
governo em um dilema político e diplomático. Brasil precisa apresentar
resultados concretos que sustentem sua pretensão de liderança verde
O Brasil se prepara para sediar a COP30, em
Belém, com o desafio de equilibrar o discurso e a prática em sua política
ambiental. A recente aprovação do Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental (PL
2.159/2021), por 267 votos a favor e 116 contra, um grande retrocesso, coloca o
governo em uma posição delicada diante da comunidade internacional.
O texto aguarda sanção presidencial. Foi
elaborado com o objetivo de simplificar e dar mais agilidade aos processos de
licenciamento no país, mas as mudanças aprovadas descaracterizaram esses
objetivos, numa espécie de liberou geral. Entre as mudanças, destacam-se a
criação da Licença Ambiental Especial (LAE), válida por cinco a 10 anos e
emitida em até 12 meses, e da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que
permite a autodeclaração de empreendedores em atividades consideradas de baixo
ou médio impacto, dispensando estudos técnicos.
Setores produtivos, especialmente o
agronegócio e a mineração, comemoraram a aprovação. Entre os argumentos, o de
que a medida deve destravar investimentos e gerar "centenas de milhares de
empregos" em poucos anos. O licenciamento ambiental, argumentam, é hoje um
dos maiores entraves para novos empreendimentos, com processos que chegam a
levar mais de cinco anos para serem concluídos. Entretanto, o afrouxamento dos
controles e da fiscalização ameaçam todos os avanços obtidos até agora na legislação
ambiental.
Especialistas e organizações ambientais
alertam para esses riscos relevantes. O Observatório do Clima classificou a
proposta como "um retrocesso de quatro décadas", enquanto entidades,
como WWF e Greenpeace, afirmam que o projeto fragiliza a proteção de biomas
estratégicos. No Cerrado, onde estão nascentes de oito bacias hidrográficas, o
aumento da destruição coloca em xeque o abastecimento de água e de energia.
Na Amazônia, há temor de que
autodeclarações irresponsáveis comprometam o controle de atividades de maior
impacto sobre a floresta, estimulando o desmatamento, a pecuária predatória e o
garimpo ilegal. Outra preocupação envolve comunidades tradicionais. Órgãos como
a Funai e o ICMBio deixam de ter participação obrigatória em diversos
processos, o que pode enfraquecer o direito de povos indígenas e quilombolas de
vetar obras em seus territórios.
O PL prevê multas que podem chegar a R$ 50
milhões em caso de infrações, mas ambientalistas consideram que, sem estrutura
de fiscalização suficiente, o risco de impunidade cresce. A autonomia dada a
estados e municípios para definir regras próprias também gera receio de
insegurança jurídica e de disparidades regionais.
Para o governo, o dilema é político e
diplomático. Vetar o projeto significará mais um embate direto com a bancada
ruralista e parte do Congresso. Sancioná-lo integralmente, porém, compromete a
política ambiental e, ainda, a imagem do Brasil, por descumprimento de
compromissos internacionais, como o Acordo de Paris, além de abrir espaço para
barreiras comerciais com parceiros, como a União Europeia.
Às vésperas da COP30, o Brasil precisará
demonstrar que a simplificação de processos não significa abandono da proteção
ambiental. Veto parcial ou ajustes posteriores por regulamentação surgem como
possíveis caminhos para compatibilizar o incentivo ao desenvolvimento com a
preservação de biomas e o respeito a comunidades tradicionais. O fato é que o
país precisa apresentar resultados concretos que sustentem sua pretensão de
liderança verde. Em pleno século 21, ainda não conseguimos um consenso mínimo
sobre o que significa, de fato, desenvolvimento sustentável.
O STF reafirma a independência da Justiça
O Povo (CE)
Ministro Alexandre de Moraes agiu com acerto
ao impor medidas cautelares para impedir interferências indevidas no processo
e, principalmente, para evitar o risco de fuga do réu
Na quinta-feira, o presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, enviou uma carta a Jair Bolsonaro, na qual expunha
críticas ao "terrível tratamento" que ele estaria recebendo do
Judiciário Brasileiro, no caso o Supremo Tribunal Federal (STF), onde corre
processo contra o ex-presidente brasileiro por tentativa de golpe de Estado.
Em tom impositivo, Trump escreveu que o
julgamento deveria "terminar imediatamente", agindo como se pudesse
baixar uma "ordem executiva" para ser cumprida no STF.
No dia seguinte, sexta-feira, atendendo a uma
representação da Polícia Federal (PF), com parecer favorável da
Procuradoria-Geral da República (PGR), o ministro do STF Alexandre de Moraes
determinou medidas cautelares a serem cumpridas por Bolsonaro.
No entanto, seria equivocado considerar que a
decisão de Moraes seja uma "resposta" à provocação de Trump, como se
o STF quisesse "dobrar a aposta". Essa será a "narrativa"
que os bolsonaristas tentarão emplacar na tentativa de desqualificar as
investigações, além de alegar que as restrições são excessivas.
Porém, é preciso considerar que o inquérito
que levou às medidas cautelares não começou ontem. Depois, porque Moraes não
tomaria uma decisão dessa magnitude, que já repercute internacionalmente, ao
calor da emoção, sem elementos que sustentassem sua deliberação. Além disso,
existem fundadas razões que justificam a decisão de Moraes, sendo as cartas de
Trump apenas o corolário do conluio entre os Bolsonaros e o presidente
americano para atacar o Brasil.
De acordo com o levantamento da PF, Bolsonaro
vem atuando para dificultar o julgamento do processo, promovendo iniciativas
que caracterizam os crimes de coação no curso do processo, obstrução de Justiça
e ataque à soberania do Brasil. Ou seja, o STF entendeu que o movimento
protagonizado por Bolsonaro e seus aliados tinha o propósito de intimidar o
Judiciário.
É de se lembrar que, no início do ano,
Bolsonaro afirmou ter enviado R$ 2 milhões para o filho Eduardo, nos Estados
Unidos. O deputado, a partir dos EUA, organiza ações para ofender a soberania
brasileira, como o intento de provocar obstruções no processo contra o pai.
Logo após a instalação da tornozeleira
eletrônica, na sede da PF, em Brasília, Bolsonaro disse estar sentindo
"suprema humilhação" e que as medidas cautelares seriam
desnecessárias, porque nunca teria cogitado sair do Brasil. No entanto, em março
do ano passado, logo após o confisco de seu passaporte, ele passou duas noites
na embaixada da Hungria, atitude até hoje nunca bem explicada.
Feitas as contas, observa-se que Moraes agiu
com acerto ao impor medidas cautelares para impedir interferências indevidas no
processo e, principalmente, para evitar o risco de fuga do réu. O STF cumpriu
assim o seu papel, ao reafirmar a independência da Justiça e defender a
soberania nacional.
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