quinta-feira, 3 de julho de 2025

Por um orçamento compreensível - Maria Clara R. M. do Prado

Valor Econômico

A ignorância alija o cidadão da possibilidade de influenciar o conteúdo dos orçamentos públicos

PPA, LDO, LOA. Quem consegue entender essas siglas? Pouca gente. Por certo, os especialistas em orçamento, os analistas fiscais e, talvez, alguns congressistas. Todas dizem respeito a procedimentos relacionados às contas públicas do governo federal, uma trata do planejamento com metas para quatro anos, outra aponta as orientações para o orçamento e a terceira define receitas e despesas para cada ano. Sem dúvida, são providências importantes nos trâmites do Orçamento Geral da União, mas nada dizem aos contribuintes brasileiros que sustentam as despesas públicas.

Despesas, diga-se, em boa parte arbitradas ao sabor de quem detém poder na cúpula de Brasília. Em nome do povo, tomam-se decisões nem sempre benéficas à uma sociedade seccionada por um fosso profundo, uma realidade conhecida há pelo menos dois séculos e que tende a se agravar com a polarização entre a direita e a esquerda.

Os menos esclarecidos são os mais vulneráveis não apenas do ponto de vista da renda, mas também político. Grande parcela da população brasileira não tem ideia do que seja orçamento público, não tem consciência de que paga imposto e muito menos de que contribui para custear os gastos do governo. Essa ignorância alija o cidadão da possibilidade de influenciar o conteúdo dos orçamentos públicos seja através de mobilizações nas ruas, de pressão sobre os parlamentares ou pela via do voto, principal instrumento de uma democracia.

O fato incontornável é que a situação convém à classe política. Enquanto a maior parcela da sociedade brasileira por espectro de renda, aquela que detém mais poder em número de votos, se mantiver na ignorância política, mais fácil será angariar eleitores com promessas inconsequentes. A questão que se coloca aqui é de como quebrar aquele círculo vicioso.

Via de regra, dizem os estudiosos, quanto maior a consciência política de uma sociedade, maiores as chances de os indivíduos influenciarem a confecção, a aprovação e a implementação dos orçamentos públicos. No entanto, a defasagem das condições necessárias à maturidade política no país — educação, habitação, saúde e saneamento — não nos deixa antever o cenário de uma evolução natural da consciência de cidadania na fatia mais ampla da sociedade. Pergunta-se, então, por que não começar de trás para frente?

Ou seja, ao invés de se esperar anos a fio para que a maturidade política dos brasileiros evolua naturalmente, sob o risco de se perder mais um século, quem sabe o caminho não possa ser encurtado através de um trabalho pedagógico de apresentação do orçamento público com as receitas e despesas das grandes contas, sua evolução temporal, objetivos dos gastos e fontes da arrecadação. Algo de fácil entendimento que cause impacto à primeira vista de modo a introduzir o conceito de contribuinte no cidadão comum.

Por exemplo, as principais contas da seguridade social — aposentadorias e pensões privados (das pessoas que trabalham para o setor privado) e aposentadorias e pensões do setor público — seriam desdobradas com a informação do valor médio gasto por aposentado/pensionista em cada uma e foco nas fontes de receita. Outro item importante, a conta de juros da dívida pública, deve ser apresentado sempre como despesa orçamentária, o que efetivamente é. No detalhe, seriam destacados alguns aspectos como a previsão desse gasto a cada ano, o peso no total do orçamento, a evolução temporal, o significado no aumento do endividamento e ou rolagem da dívida do governo e, ainda, quanto das demais despesas do orçamento se financiam com a emissão de novos títulos no mercado.

Outra conta, a dos gastos correntes, abordaria quanto o orçamento absorve com salário e benesses dos servidores e a distribuição entre os poderes da República, além do gasto médio com pessoal por poder, incluindo deputados e senadores, juízes e ministros dos tribunais superiores.

No campo dos benefícios fiscais, sugere-se listar as despesas pelos setores privilegiados, um a um, sua evolução, objetivos e participação no total do orçamento. A mesma transparência seria usada na apresentação das contas destinadas à saúde e à educação e das emendas parlamentares.

Grande parcela da população brasileira não tem ideia do que seja o orçamento público

Em suma, os grandes números seriam apresentados à opinião pública de forma simples e objetiva um dia antes do projeto orçamentário ser encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, com a vantagem de as modificações introduzidas pelos parlamentares poderem ser facilmente comparadas com a proposta inicial.

O trabalho de simplificação da apresentação do orçamento à opinião pública caberia, claro, ao Ministério do Planejamento e Orçamento. Tabelas didáticas e gráficos com comparações entre os gastos, os obrigatórios e os discricionários, facilitariam o entendimento dos números. Pode parecer complicado, mas não é impossível. Com bom senso e capacidade de resumir o todo sem perder de vista o fundamental daria até, talvez, para se criar um método de popularização do orçamento.

A data da divulgação das grandes contas do setor público federal seria marcada como o dia do orçamento, algo relevante, com muita divulgação. Passaria a fazer parte do calendário anual de grandes eventos do governo.

Com essa nova abordagem, espera-se que o cidadão comum comece a perceber que a parafernália de siglas e rubricas do orçamento resume-se, ao fim e ao cabo, a duas grandes informações: de um lado, o dinheiro que entra nos cofres do governo pela via dos impostos e/ou do endividamento tem o contribuinte como contraparte e, de outro, o dinheiro repassado pelo governo aos vários órgãos e entidades para as despesas sob a sua responsabilidade tem como contraparte o cidadão receptor dos serviços prestados pelo setor público.

Se esse aprendizado for capaz de despertar na população o senso de cidadania e um melhor discernimento a respeito do caráter e das intenções dos políticos, possivelmente a distribuição de dentaduras desapareça de vez do cenário eleitoral do país.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.