Valor Econômico
A ignorância alija o cidadão da possibilidade
de influenciar o conteúdo dos orçamentos públicos
PPA, LDO, LOA. Quem consegue entender essas
siglas? Pouca gente. Por certo, os especialistas em orçamento, os analistas
fiscais e, talvez, alguns congressistas. Todas dizem respeito a procedimentos
relacionados às contas públicas do governo federal, uma trata do planejamento
com metas para quatro anos, outra aponta as orientações para o orçamento e a
terceira define receitas e despesas para cada ano. Sem dúvida, são providências
importantes nos trâmites do Orçamento Geral da União, mas nada dizem aos contribuintes
brasileiros que sustentam as despesas públicas.
Despesas, diga-se, em boa parte arbitradas ao sabor de quem detém poder na cúpula de Brasília. Em nome do povo, tomam-se decisões nem sempre benéficas à uma sociedade seccionada por um fosso profundo, uma realidade conhecida há pelo menos dois séculos e que tende a se agravar com a polarização entre a direita e a esquerda.
Os menos esclarecidos são os mais vulneráveis
não apenas do ponto de vista da renda, mas também político. Grande parcela da
população brasileira não tem ideia do que seja orçamento público, não tem
consciência de que paga imposto e muito menos de que contribui para custear os
gastos do governo. Essa ignorância alija o cidadão da possibilidade de
influenciar o conteúdo dos orçamentos públicos seja através de mobilizações nas
ruas, de pressão sobre os parlamentares ou pela via do voto, principal
instrumento de uma democracia.
O fato incontornável é que a situação convém
à classe política. Enquanto a maior parcela da sociedade brasileira por
espectro de renda, aquela que detém mais poder em número de votos, se mantiver
na ignorância política, mais fácil será angariar eleitores com promessas
inconsequentes. A questão que se coloca aqui é de como quebrar aquele círculo
vicioso.
Via de regra, dizem os estudiosos, quanto
maior a consciência política de uma sociedade, maiores as chances de os
indivíduos influenciarem a confecção, a aprovação e a implementação dos
orçamentos públicos. No entanto, a defasagem das condições necessárias à
maturidade política no país — educação, habitação, saúde e saneamento — não nos
deixa antever o cenário de uma evolução natural da consciência de cidadania na
fatia mais ampla da sociedade. Pergunta-se, então, por que não começar de trás
para frente?
Ou seja, ao invés de se esperar anos a fio
para que a maturidade política dos brasileiros evolua naturalmente, sob o risco
de se perder mais um século, quem sabe o caminho não possa ser encurtado
através de um trabalho pedagógico de apresentação do orçamento público com as
receitas e despesas das grandes contas, sua evolução temporal, objetivos dos
gastos e fontes da arrecadação. Algo de fácil entendimento que cause impacto à
primeira vista de modo a introduzir o conceito de contribuinte no cidadão comum.
Por exemplo, as principais contas da
seguridade social — aposentadorias e pensões privados (das pessoas que
trabalham para o setor privado) e aposentadorias e pensões do setor público —
seriam desdobradas com a informação do valor médio gasto por aposentado/pensionista
em cada uma e foco nas fontes de receita. Outro item importante, a conta de
juros da dívida pública, deve ser apresentado sempre como despesa orçamentária,
o que efetivamente é. No detalhe, seriam destacados alguns aspectos como a
previsão desse gasto a cada ano, o peso no total do orçamento, a evolução
temporal, o significado no aumento do endividamento e ou rolagem da dívida do
governo e, ainda, quanto das demais despesas do orçamento se financiam com a
emissão de novos títulos no mercado.
Outra conta, a dos gastos correntes,
abordaria quanto o orçamento absorve com salário e benesses dos servidores e a
distribuição entre os poderes da República, além do gasto médio com pessoal por
poder, incluindo deputados e senadores, juízes e ministros dos tribunais
superiores.
No campo dos benefícios fiscais, sugere-se
listar as despesas pelos setores privilegiados, um a um, sua evolução,
objetivos e participação no total do orçamento. A mesma transparência seria
usada na apresentação das contas destinadas à saúde e à educação e das emendas
parlamentares.
Grande parcela da população brasileira não
tem ideia do que seja o orçamento público
Em suma, os grandes números seriam
apresentados à opinião pública de forma simples e objetiva um dia antes do
projeto orçamentário ser encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, com
a vantagem de as modificações introduzidas pelos parlamentares poderem ser
facilmente comparadas com a proposta inicial.
O trabalho de simplificação da apresentação
do orçamento à opinião pública caberia, claro, ao Ministério do Planejamento e
Orçamento. Tabelas didáticas e gráficos com comparações entre os gastos, os
obrigatórios e os discricionários, facilitariam o entendimento dos números.
Pode parecer complicado, mas não é impossível. Com bom senso e capacidade de
resumir o todo sem perder de vista o fundamental daria até, talvez, para se
criar um método de popularização do orçamento.
A data da divulgação das grandes contas do
setor público federal seria marcada como o dia do orçamento, algo relevante,
com muita divulgação. Passaria a fazer parte do calendário anual de grandes
eventos do governo.
Com essa nova abordagem, espera-se que o
cidadão comum comece a perceber que a parafernália de siglas e rubricas do
orçamento resume-se, ao fim e ao cabo, a duas grandes informações: de um lado,
o dinheiro que entra nos cofres do governo pela via dos impostos e/ou do
endividamento tem o contribuinte como contraparte e, de outro, o dinheiro
repassado pelo governo aos vários órgãos e entidades para as despesas sob a sua
responsabilidade tem como contraparte o cidadão receptor dos serviços prestados
pelo setor público.
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