quinta-feira, 10 de julho de 2025

Prepotência burra - William Waack

O Estado de S. Paulo

O ataque de Donald Trump ao Brasil não tem paralelos históricos. Trata-se sobretudo de uma agressão política, cujos termos são por definição inegociáveis. Trump age com a prepotência de quem, de fato, escolheu dividir o mundo em esferas onde os fortões fazem o que querem, e os fracos – como o Brasil – que se virem.

A última vez em que um presidente americano agiu contra o Brasil por questões políticas ocorreu sob Jimmy Carter em meados da década de 1970. As semelhanças são remotas dada a brutalidade – e a irracionalidade ideológica – exibida por Trump neste momento.

Naquela época dois fatores haviam se combinado: a pressão contra a ditadura militar brasileira por violações de direitos humanos e o acordo nuclear do Brasil com a Alemanha, que incluía a transferência de tecnologia sensitiva. O presidente era o general Ernesto Geisel, que reagiu cancelando um acordo de cooperação militar com os EUA. O Brasil fez um programa nuclear paralelo e a democratização liquidou a questão dos direitos humanos.

Do ponto de vista apenas comercial e geopolítico o tratamento que Trump dá ao Brasil é simplesmente burrice. Mas é um extraordinário nível de mediocridade estratégica, ignorância histórica e posturas prejudiciais aos próprios interesses da superpotência que Trump vem exibindo desde que assumiu. Em nome de um eleitorado que aplaude o populista que está diminuindo em vez de aumentar a liderança e a capacidade de ação americana.

Os danos comerciais ao Brasil são consideráveis, mas em situações semelhantes de imposição de tarifas Trump demonstrou a falta de consistência habitual – é algo que pode ser eventualmente “negociado”. Problema muito mais grave é político e terá impacto no contexto eleitoral doméstico brasileiro. Como aconteceu em países como Canadá, Austrália, México e, até certo ponto, Alemanha, a interferência política de Trump nos assuntos de cada um produziu os resultados contrários. Trump desmoralizou, enfraqueceu e tirou potencial eleitoral das forças políticas que quis “proteger”. No caso brasileiro, o clã Bolsonaro e todo agente político que aderiu ao fãclube de Trump.

É claro que esse é um problema do capitão e sua ilusão infantiloide de que um prepotente como Trump possa livrá-lo da cadeia – onde provavelmente mais e não menos gente vai querer vê-lo agora. Bem mais complicada é a situação do governo brasileiro que, ao contrário da esquerdista que preside o México, não soube criar qualquer canal direto com a Casa Branca.

O Brasil é uma potência menor, com escassa capacidade de retaliação que não nos torne ainda mais vulneráveis, sobretudo em relação a insumos. É grande a tentação de pular para um lado no confronto geopolítico, mas um pouco de inteligência estratégica indica que os Trumps acabam indo embora, e a profundidade dos laços entre Brasil e EUA permanece. Mas o mais provável é que ninguém vai enxergar esse horizonte nos próximos dias.

 

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