O Estado de S. Paulo
O ataque de Donald Trump ao Brasil não tem
paralelos históricos. Trata-se sobretudo de uma agressão política, cujos termos
são por definição inegociáveis. Trump age com a prepotência de quem, de fato,
escolheu dividir o mundo em esferas onde os fortões fazem o que querem, e os
fracos – como o Brasil – que se virem.
A última vez em que um presidente americano
agiu contra o Brasil por questões políticas ocorreu sob Jimmy Carter em meados
da década de 1970. As semelhanças são remotas dada a brutalidade – e a
irracionalidade ideológica – exibida por Trump neste momento.
Naquela época dois fatores haviam se combinado: a pressão contra a ditadura militar brasileira por violações de direitos humanos e o acordo nuclear do Brasil com a Alemanha, que incluía a transferência de tecnologia sensitiva. O presidente era o general Ernesto Geisel, que reagiu cancelando um acordo de cooperação militar com os EUA. O Brasil fez um programa nuclear paralelo e a democratização liquidou a questão dos direitos humanos.
Do ponto de vista apenas comercial e
geopolítico o tratamento que Trump dá ao Brasil é simplesmente burrice. Mas é
um extraordinário nível de mediocridade estratégica, ignorância histórica e
posturas prejudiciais aos próprios interesses da superpotência que Trump vem
exibindo desde que assumiu. Em nome de um eleitorado que aplaude o populista
que está diminuindo em vez de aumentar a liderança e a capacidade de ação
americana.
Os danos comerciais ao Brasil são
consideráveis, mas em situações semelhantes de imposição de tarifas Trump
demonstrou a falta de consistência habitual – é algo que pode ser eventualmente
“negociado”. Problema muito mais grave é político e terá impacto no contexto
eleitoral doméstico brasileiro. Como aconteceu em países como Canadá,
Austrália, México e, até certo ponto, Alemanha, a interferência política de
Trump nos assuntos de cada um produziu os resultados contrários. Trump
desmoralizou, enfraqueceu e tirou potencial eleitoral das forças políticas que
quis “proteger”. No caso brasileiro, o clã Bolsonaro e todo agente político que
aderiu ao fãclube de Trump.
É claro que esse é um problema do capitão e
sua ilusão infantiloide de que um prepotente como Trump possa livrá-lo da
cadeia – onde provavelmente mais e não menos gente vai querer vê-lo agora. Bem
mais complicada é a situação do governo brasileiro que, ao contrário da
esquerdista que preside o México, não soube criar qualquer canal direto com a
Casa Branca.
O Brasil é uma potência menor, com escassa
capacidade de retaliação que não nos torne ainda mais vulneráveis, sobretudo em
relação a insumos. É grande a tentação de pular para um lado no confronto
geopolítico, mas um pouco de inteligência estratégica indica que os Trumps
acabam indo embora, e a profundidade dos laços entre Brasil e EUA permanece.
Mas o mais provável é que ninguém vai enxergar esse horizonte nos próximos
dias.
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