sábado, 5 de julho de 2025

PT posa de paladino da justiça social – Pablo Ortellado

O Globo

Partido tenta fazer parecer que sua inabilidade de navegar o sistema político é, na verdade, luta de classes

Desde a semana passada a esquerda se engajou numa campanha contra o Congresso e os BBBs — Bilionários, Bancos e Bets. Nesta semana, a campanha virou “oficial”. Na quarta-feira, o perfil do governo federal publicou uma charge com um cabo de guerra tendo, de um lado, o povo trabalhador com a descrição “avanço” e, no outro lado, madames e engravatados com a inscrição “retrocesso”. Em seu perfil pessoal, Lula publicou uma foto, no meio da multidão, segurando o cartaz “Taxação dos super ricos”. O PT religou sua máquina de prestidigitação, tentando fazer parecer que sua inabilidade de navegar o sistema político é, na verdade, luta de classes.

O argumento do governo é que sua agenda de reformas tributárias, que inclui a reforma do Imposto de Renda (IR) — com isenção para quem ganha até R$ 5 mil mensais e tributação obrigatória para quem ganha acima de R$ 600 mil anuais — e o aumento do IOF, encontrou resistência no Congresso porque os mais ricos se recusam a pagar sua parte dos impostos. Isso, prossegue o argumento, obriga o governo a passar a conta aos mais pobres, com cortes no orçamento de saúde e educação. A intransigência do Congresso, reflexo de compromisso com a classe empresarial, conclui o raciocínio, obriga o governo a mobilizar trabalhadores e a classe média a promover enfrentamento “nas ruas e nas redes”.

O diagnóstico é completamente equivocado. É falsa tanto a suposição de que o impacto distributivo das medidas é significativo como a de que o governo está realmente empenhado em combater a desigualdade. É falsa também a alegação de que o foco da resistência às medidas se deve ao fato de atingirem o “andar de cima”.

Quando a reforma do IR foi proposta, o foco da resistência não foi a tributação obrigatória para quem ganha acima de R$ 600 mil por ano. Foi a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, como o debate público da época claramente mostra. Os entes subnacionais, estados, mas sobretudo prefeituras, exigiram um sistema claro de compensação para a perda de recursos. Quase um quarto da arrecadação líquida do IR é repassado a elas pelo Fundo de Participação dos Municípios. Além disso, ficam com o IR retido na fonte sobre salários de servidores e pagamentos a fornecedores. Como mais de 70% dos servidores municipais ganham até R$ 5 mil, a nova faixa de isenção praticamente zeraria essa retenção.

Não foi diferente com o aumento do IOF. Na sociedade, o principal argumento foi que oneraria o crédito, aumentando o custo de capital num momento de juros elevados. Mas mesmo isso foi o que menos se discutiu no Parlamento. Na votação acelerada nas duas Casas, o recado era contra o atropelo do governo, que não negociava com o Parlamento e atrasava o cronograma de pagamento das emendas. Ninguém ali supôs que julgava o mérito da questão. Até PDT e PSB votaram majoritariamente contra.

É pouco crível supor que medidas tão moderadas na progressividade tributária provocariam reação feroz das elites econômicas contra o governo. Mas o governo prefere se enganar — e enganar a sociedade — a reconhecer que está perdido e não sabe administrar o Congresso com a nova configuração de forças trazida pelas emendas impositivas.

Naturalmente, o fato de enfrentar dificuldades políticas para aprovar suas medidas não significa que, sem essa provocação do Executivo, o Congresso faria qualquer outra coisa para corrigir as iniquidades tributárias. Aquilo é um antro de interesses paroquiais, movido a emendas e fundo partidário — com as conhecidas exceções.

Ao tratar suas dificuldades como fruto de resistência de classe, e não da sua inabilidade política, o governo quer se apresentar como paladino da justiça social, apostando na cegueira ideológica da militância. Olhando sobriamente para o Brasil, quem poderia aceitar essa imagem? Com o intervalo do período Temer-Bolsonaro, o país é governado pelo PT há 16 anos e segue com uma das piores desigualdades da América Latina, comparável à de um país africano.

Se pegarmos a redução da desigualdade no período que vai de Lula 1 a Dilma 2 e a projetarmos no futuro, ainda faltariam 15 anos para atingir a desigualdade da Argentina — isso se os ganhos dos anos iniciais se mantiverem no mesmo ritmo no futuro e não houver qualquer tipo de sobressalto.

O PT espera que o Brasil vote num discurso militante de combate à desigualdade por 32 anos — quase duas gerações! — para entregar, no melhor cenário, a desigualdade da Argentina? E se mesmo isso der errado, a culpa é da resistência das elites e não da inépcia do partido?

Esse é o discurso que o governo quer vender. Compra quem quiser.

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