Valor Econômico
Presidente americano tenta remodelar a ordem
internacional em favor dos Estados Unidos
Tal qual um crupiê conduzindo um jogo de
“Blackjack”, o presidente Donald Trump puxou o Brasil para a mesa em que tenta,
a cada mão, remodelar a ordem internacional em favor dos Estados Unidos.
Popular entre frequentadores de cassinos e modalidade sempre ofertada pelos donos das casas de jogos, o “Blackjack” tem como fundamento uma estratégia baseada na probabilidade, divisão do jogo em mais de uma frente, o aumento progressivo das apostas e - por que não? - o blefe.
Seu objetivo é terminar a partida com uma soma das cartas superior às do crupiê, sem exceder 21 pontos. As mesas podem reunir de dois a sete jogadores, mas eles não jogam uns contra os outros. Todos jogam contra a banca, ou seja, contra o cassino. E este, por sua vez, é representado pelo crupiê. Ele conduz o jogo, distribuindo as cartas e gerenciando as apostas. Mas atenção: as apostas são feitas antes do início de cada rodada, mesmo que não se tenha como prever exatamente qual será o desfecho.
Algo semelhante tem ocorrido na mesa em que
Trump estabelece a política externa dos EUA. Neste caso, contudo, as cartas são
ameaças de tarifas comerciais e pressão militar.
Já estavam sentados em frente ao feltro verde
Europa, China, Rússia e México, por exemplo. O Brasil havia sido chamado para
entrar no cassino pagando a tarifa básica de 10%. Tentava manter-se discreto,
longe da mesa de “Blackjack”, enquanto negociava uma redução do valor do cacife
exigido para entrar no mercado americano. Mas sua intromissão no processo
eleitoral local passado, na qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se
afastou da tradição diplomática e apoiou os adversários de Trump, deixou o país
como mais um estranho no recinto.
Um dos primeiros que precisaram jogar com
Trump foi o México, contra quem foi feita uma ameaça de taxação por conta da
fragilidade da fronteira que divide os dois países e o fluxo de drogas que
inunda o território americano. Para a Casa Branca, os feitos alcançados pelo
México no combate aos cartéis e na redução da porosidade da fronteira ainda não
são suficientes, o que o México rechaça. O jogo ainda está em andamento.
A Europa foi outro alvo. Trump mira no
déficit da sua balança comercial e, também, em uma forma de pressionar por um
acordo de livre comércio vantajoso com os integrantes da União Europeia até 1º
de agosto. No entanto, em uma rodada anterior, já atingiu em cheio o objetivo
de induzir um aumento dos gastos militares dos países da região que integram a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e temem um eventual avanço da
Rússia no continente.
Após forte pressão de Washington, incluindo a
ameaça de os EUA não enviarem tropas para defender países atacados em razão da
relutância dos membros da Otan em aumentar os gastos com defesa, os integrantes
da organização se comprometeram a investir na área 5% de seus Produtos Internos
Brutos (PIB). Na sequência, mas só depois de mais uma vitória da banca, Trump
manifestou o “compromisso inabalável” de defender qualquer país membro em caso
de ataque, o que, aliás, já estabelecia o estatuto da aliança militar ocidental
firmado há décadas.
Pode-se citar o caso da Ucrânia. Ao
distribuir as cartas, Trump impôs um acordo ao presidente Volodymyr Zelensky
por meio do qual, na prática, o país europeu aceitou vender para os EUA
minerais estratégicos, as chamadas terras raras, em troca do apoio militar
americano que garante sua sobrevivência na guerra contra a Rússia.
Com o acordo, os Estados Unidos passaram a
ter um interesse adicional no fim do conflito, uma vez que o retorno dos
investimentos dos EUA fica vinculado à segurança da Ucrânia. Não surpreende,
diante desse novo contexto, que em um lance mais recente Trump alterou o
discurso que vinha adotando e ameaçou ampliar as sanções à Rússia e ainda taxar
os países que insistirem em manter relações comerciais com o país governado por
Vladimir Putin.
Em outra frente, Trump demonstra estar
decidido a tentar mitigar a influência da China na América do Sul, assim como
evitar que o Brics desenvolva o comércio entre os países que integram o bloco
com meios de pagamentos alternativos ao uso do dólar.
Com uma cartada inaceitável, justificou o
tarifaço de 50% contra as exportações brasileiras agredindo a soberania
nacional e o pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito. Esse lance
reforçou em Brasília uma leitura de que, no limite, o presidente americano
demonstra disposição de interferir em assuntos internos de um parceiro
tradicional para que este país, o mais importante da região, possa
eventualmente ter no poder um aliado subserviente.
Uma resposta altiva das instituições
brasileiras foi a apresentação, pela Procuradoria-Geral da República (PGR), das
alegações finais ao Supremo Tribunal Federal (STF) no processo da trama
golpista em que se pede a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Com
cautela e firmeza, cabe agora ao governo Lula defender a soberania nacional e
os interesses do setor produtivo brasileiro com as cartas que dispõe, como o
diálogo, retaliações pontuais ou até mesmo a aplicação da lei de reciprocidade.
Trump tem um jeito agressivo de jogar. Em sua história como empreendedor, já ganhou muito dinheiro com cassinos. Mas também enfrentou severos revezes.
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