O Brasil definirá como sobrevivem as democracias?
Viver em uma democracia liberal tornou-se um privilégio para poucos. Um levantamento realizado pela Universidade de Gotemburgo, na Suécia, constatou que a onda autoritária ganha força e transforma o cenário geopolítico internacional. No total, existem 88 democracias, incluindo as liberais e as eleitorais, aquelas nas quais existe o direito ao voto e eleições rotineiras ocorrem, mas sem que esse direito resulte numa transformação democrática mais ampla da sociedade, a garantia do Estado de Direito e de uma Justiça independente.
Em 2024, aponta o estudo, 91 países eram classificados como autocracias, desde os regimes mais fechados até aqueles nos quais existem eleições de fachada, marcadas por constantes manipulações e fraudes.
Os dados do instituto, referência no monitoramento da experiência democrática no mundo, trazem um alerta dilacerante. “As democracias liberais tornaram-se o tipo de regime menos comum no mundo, um total de 29 em 2024”, anotam os pesquisadores. Atualmente, abrigam menos de 12% da população mundial, cerca de 900 milhões de indivíduos. Trata-se do menor índice em 50 anos. O relatório prossegue: “2024 marca a primeira vez, desde 2002, em que há mais autocracias do que democracias no mundo. Esse é um recado contundente de quão longe foi o declínio democrático”.
A transformação do cenário político não é nova. A partir de 2009, quando as lideranças políticas decidiram salvar o capitalismo e o sistema financeiro em detrimento de direitos sociais, o que se viu foi um enfraquecimento das bases democráticas. “De fato, a última vez que havia apenas 29 democracias liberais no mundo foi em 1990, no fim da Guerra Fria”, alerta o estudo. Segundo os estudiosos, o aumento gradual do número de democracias eleitorais reflete o fato de que os países que costumavam ser democracias liberais sofreram um retrocesso e perderam algumas de suas características. A lista inclui Botsuana, Chipre, Grécia, Israel e Eslovênia.
O mais assustador é constatar que quase 3 em cada 4 seres humanos, 72% do planeta, vivem atualmente em autocracias. Esse é o índice mais alto desde 1978. Em pleno século XXI, a realidade é que as autocracias são maioria no mundo.
Ao mesmo tempo que as democracias perdem espaço, há uma tendência identificada pelos especialistas, a radicalização das ditaduras. “Os países já autoritários estão se tornando ainda mais autocráticos. O número de autocracias fechadas vem aumentando desde 2019, de 22 para 35.”
O mundo encontra-se, portanto, em uma encruzilhada e o futuro da democracia está no centro. Acabo de concluir meu período de um ano nos EUA e retornei à Europa. Em agosto de 2024, cheguei enquanto a terra tremia, num país que vive uma verdadeira encruzilhada entre ventos gelados do autoritarismo e o reconhecimento implícito do fracasso de um sistema em dar respostas a todos. Nas urnas, em novembro passado, estava à busca pela alma de um país em crise existencial. Um país que, pela primeira vez em 80 anos, se deparava com um questionamento de sua hegemonia, enquanto se dava conta de que a pobreza em suas periferias persiste, corrói e estabelece um clima de desilusão.
Constatei como o sistema norte-americano estava quebrado. Como uma sátira distópica, comícios flertavam com ideias supremacistas e eram emoldurados com declarações que, em outros momentos, entrariam na classificação do fascismo. Em encontros com grupos nas periferias pobres ou nos comícios, me deparei com eleitores repletos de indignação, ansiosos e sem destino. Vi corações partidos e promessas não cumpridas, esperanças frustradas e sonhos adiados.
Com Donald Trump no poder, não existe dúvida de que a superpotência caminha para a mesma direção autoritária imposta por grupos de extrema-direita. O risco é, porém, que esse não seja apenas um fenômeno limitado às fronteiras dos EUA. E as forças progressistas no Brasil e na América Latina sabem disso. Ao fazer uma ofensiva política para a desestabilização da economia brasileira, Trump busca influenciar diretamente o destino político do País. No Palácio do Planalto e no Itamaraty, a constatação é de que essa não será uma crise de curto prazo ou que um acerto comercial baste para encerrar a tensão.
No governo, prepara-se para uma tensão que deve marcar o restante do governo Lula e que redefine a política externa brasileira. Entre os governos estrangeiros, os serviços de inteligência e diplomacias não escondem a instalação no País de um sismógrafo para medir a capacidade de uma democracia de resistir ao terremoto autoritário. “Os brasileiros poderão ser o exemplo ao mundo sobre como sobrevive uma democracia”, afirmou num tom solene um experiente diplomata francês. Ou a última lágrima.
Publicado na edição n° 1373 de CartaCapital, em 06 de agosto de 2025.
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