quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Brasil tem de saber sofrer - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Prisão de Bolsonaro piora conflito externo e alimenta insurreição permanente da extrema direita

O Brasil tem de "saber sofrer", diz um integrante do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito dos ataques de Donald Trump. Cita, em brincadeira agoniada, o ex-técnico da seleção brasileira de futebol masculino, o Tite: é preciso ser esperto para aguentar momento ruim de pressão.

É uma pessoa que advoga a atitude mais discreta possível do governo e que torce para que o Supremo ande assim também. Isto é, que conduza o processo de Jair Bolsonaro do modo menos conturbado possível.

Para certas pessoas do governo Lula, para o comando do Congresso e para integrantes do STF, a prisão domiciliar de Bolsonaro foi ruim para a estratégia de negociação do país e para quem prefere atenuar a conturbação política, que será crescente. Relatos de que a atitude de Alexandre de Moraes não foi bem recebida pela maioria do Supremo foram confirmados por Mônica Bergamo, nesta Folha.

Este integrante do governo obviamente diz que o governo não vai admitir conversas sobre instituições brasileiras com os Estados Unidos. Mas seria conveniente "tirar a luz" desses assuntos e trabalhar para diminuir o ruído do conflito político. Neste caso, quanto mais dramático o processo, maiores as perdas para o governo, no Congresso também. Notava-se nesta terça que mesmo lideranças e setores mais moderados da direita voltaram a fazer declarações públicas de solidariedade a Bolsonaro.

No entanto e isto posto, nota-se como as agressões de Trump passaram a moldar as atitudes do sistema político inteiro.

O comando do Congresso e, por ora, a maioria dos líderes partidários não têm intenção de colocar em votação projetos de anistia para golpistas em geral. O comando da Câmara, presidente e próximos, pretendem deixar de lado, enquanto puderem, o caso de Eduardo Bolsonaro, que conspira contra instituições e interesses brasileiros. Alexandre de Moraes talvez mire os filhos todos.

Quando tomarem pé e conta da situação de baderna bolsonarista no Congresso, pretendem fazer com que os trabalhos parlamentares sigam como se a situação fosse normal: negociações de projetos prioritários e negociações para azeitar emendas, "business as usual".

Mas a situação pode sair do controle, novas coalizões podem se formar. A situação não é normal. Além da política de insurreição permanente comandada pela família, Bolsonaro pai deve ser condenado antes do final do ano, aproxima-se a eleição agonística de 2026 e há o risco duradouro de ataques políticos e econômicos mais violentos dos Estados Unidos.

De início, a agressão de Trump pode ter passado a impressão de que os Bolsonaro poderiam ficar mais isolados, sem mais. Não foi assim, como indica também o Datafolha. Segundo a pesquisa, 46% do eleitorado é contra a prisão de Jair Bolsonaro, resultado atenuado de leve por aqueles 61% que não votariam em candidato que prometesse anistiar o capitão e outros golpistas.

Trump pode anunciar sanções a autoridades brasileiras. Há o risco de que os ataques possam ir além das restrições comerciais diretas: pode afetar relações com terceiros países, finanças e investimentos no Brasil. As tarifas já ajudaram a aumentar a conturbação política. A inabilidade para administrar o conflito econômico externo e a guerra política doméstica, isolando o quanto possível os golpistas, pode ter consequências funestas. Para administrar a crise, é preciso "saber sofrer", baixar as temperaturas e tentar anestesiar conflitos.

 

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