segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Lei Magnitsky é soberana? - Irapuã Santana

O Globo

Problema é político, com reflexos no mundo do Direito, e não o contrário, porque, juridicamente falando, não há para onde correr

Muito tem se falado sobre os efeitos da Lei Magnitsky nas últimas semanas. Sua essência reside na imposição de sanções a indivíduos e entidades estrangeiros considerados responsáveis por violações graves de direitos humanos ou atos de corrupção significativos.

Um ponto central é a natureza da decisão de aplicar as sanções. A inclusão do nome de qualquer pessoa na lista da Lei Magnitsky é um ato privativo do presidente dos Estados Unidos, com base no interesse nacional. Portanto, sua legitimidade está ligada somente à ordem jurídica americana.

As sanções são aplicadas primariamente dentro do território americano: bloqueio de bens e ativos sob a jurisdição dos Estados Unidos e proibição do acesso dos indivíduos sancionados a seu sistema financeiro e ao país (banimento de vistos). No entanto o alcance do dólar e do sistema financeiro americano no mundo faz com que essas limitações tenham um efeito cascata. Bancos, empresas e prestadores de serviços de qualquer país que queiram manter relações com os Estados Unidos ou usar suas moedas e plataformas financeiras são compelidos a seguir as sanções, sob pena de também ser sancionados.

Essa dinâmica levanta discussões sobre a soberania de outras nações. Politicamente, a Lei Magnitsky é uma forma de coação e pressão, projetando o poder americano para influenciar a conduta de atores estrangeiros. Juridicamente, todavia, não há violação de soberania. Os Estados Unidos não obrigam outro país a mudar suas leis ou a adotar suas políticas. Apenas estabelecem as regras para quem deseja operar em seu território ou fazer uso de seu sistema financeiro. Essa prerrogativa é manifestação da soberania de cada nação, que pode definir as condições para a entrada de pessoas e a realização de negócios em seu território.

Considerando o ordenamento jurídico brasileiro, a aplicação da Lei Magnitsky não viola nenhuma lei nacional. Isso porque a decisão de uma empresa brasileira ou da filial de uma empresa americana no Brasil de se adequar às sanções americanas é uma escolha estratégica de negócios. É ditada pela necessidade de manter acesso ao mercado americano e ao sistema financeiro global.

A partir desse entendimento, uma determinação judicial no Brasil para impedir o encerramento desses contratos seria inconstitucional. A Constituição brasileira garante, em seu artigo 170, o princípio da livre-iniciativa, um dos fundamentos da ordem econômica. Obrigar uma empresa a manter um contrato contra sua vontade, seja a que título for, destruiria a própria noção de formação de um negócio, já que seu nascimento se dá a partir da combinação de vontades de realizar algo.

Portanto, ao analisar a Lei Magnitsky, é importante ter em mente que se trata de problema político com reflexos no mundo do Direito, e não o contrário, porque, a rigor, juridicamente falando, não há para onde correr. Por isso ela se torna um instrumento tão poderoso, que deve ser combatido no campo político, onde há espaço para negociação e diálogo, sem perder a firmeza para que possamos resguardar nossos interesses.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.