terça-feira, 19 de agosto de 2025

Licença para transgredir, por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Foco do Congresso é voltar ao tempo em que ações do Supremo dependiam de aval dos parlamentares

O presidente da Câmara dos Deputados apregoa rejeição à anistia ampla a golpistas e impõe reparos ao fim do foro privilegiado para deputados e senadores, mas avisa que há "ambiente na Casa" para tirar do Supremo Tribunal Federal o poder de abrir ações contra parlamentares.

Hugo Motta (Republicanos-PB) vocaliza, assim, o desejo primordial reinante no Congresso: a retirada definitiva de seus pares do alcance dos rigores do STF.

É a maneira mais eficiente de assegurar que ali não se instaurariam inquéritos como as dezenas que correm para apurar ilícitos no uso de emendas ao Orçamento.

Na prática, uma licença para transgredir. Exatamente como acontecia até 2001, quando a obrigatoriedade de aval do Parlamento impedia investigações e permitia que fosse cometida toda sorte de ilegalidades, algumas atrozes, sem o risco de punições. Esse tipo de retrocesso é o que está na mira.

Necessitado de recuperar autoridade e refazer a atmosfera de unanimidade que cercou sua eleição, Motta vai ao encontro do anseio da maioria nem que para isso seja preciso sacrificar um avanço civilizatório datado de 24 anos atrás.

fim do foro por prerrogativa de função não forneceria as garantias pretendidas. Levaria de qualquer forma os parlamentares aos tribunais regionais federais ou os submeteria a desconfortáveis circunstâncias locais das primeiras instâncias.

Já a necessidade de aval para o Supremo atuar mantém o privilégio e, ao mesmo tempo, se configura como a proteção perfeita a um Legislativo ávido por dar trocos ao que vê como agressões do Judiciário.

O presidente da Câmara argumenta que é preciso salvaguardar seus comandados de sanções por "crimes de opinião". Dá o tiro numa direção para atingir alvo localizado em outro endereço, um tanto mais oculto.

Talvez seja bom mesmo que se ponha o tema em votação. Uma vez aprovado, veríamos com clareza o Congresso que temos. E depois disso, quem sabe, a anistia aos golpistas, o perdão aos amotinados e a quem mais se disponha a insurreições.

 

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