terça-feira, 5 de agosto de 2025

Longe do insensato mundo – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

O erro de cálculo dos extremistas oferece a chance de a política se livrar da armadilha do populismo

Aquilo que o bom senso não conseguiu, a insensatez dos operadores brasileiros de Donald Trump pode alcançar, proporcionando um respiro na divisão política local lastreada na radicalização e no personalismo, irmão gêmeo do populismo que nos torna refém do atraso.

Antagonistas sempre haverá, embates entre governo e oposição são da essência da democracia. Sem eles o que se tem é a ausência do contraditório, fator imprescindível ao exercício do espírito crítico numa sociedade plural e vigilante na cobrança ao atendimento de suas demandas por parte das lideranças.

Isso é uma coisa. Outra bem diferente é o aprisionamento a dicotomias orquestradas por dois polos divergentes que se retroalimentam.

Tal processo leva a escolhas referidas na rejeição acrítica do oponente, dispensando-se a prática do discernimento. O eleitorado fica, assim, posto eternamente na condição de seguidor, quando deveria ser ele o condutor.

Não se trata, portanto, de defender a ideia do atual governo de aproveitar o ensejo da ofensiva de Trump contra o Brasil para promover um ambiente de união nacional em torno do presidente Luiz Inácio da Silva (PT), sob a bandeira da soberania.

A oportunidade que se tem agora —registrada na pesquisa do Datafolha de que há convicção quase unânime sobre o prejuízo das sanções e repúdio da maioria à tentativa de interferência no julgamento de Jair Bolsonaro (PL)— é a de não nos atermos apenas à oferta de dois pratos na balança.

Pode haver vida inteligente fora deles. Certamente há, mas é preciso que isso se apresente à nação de maneira convincente, consistente e independente das forças que se atraem por gravidade e com isso interditam a circulação de boas ideias e projetos inovadores para o país.

Tarefa que pode ser assumida pelo centro, seja ele mais próximo da direita ou da esquerda, tanto faz. Desde que seja democrático, civilizado e, sobretudo, capaz de se livrar de performances retrógradas e imprimir nova dinâmica ao modo de fazer política no Brasil.

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