sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Não era birra, era golpe, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Às vésperas de ser julgado pela tentativa de golpe, Jair Bolsonaro se diz vítima de um “massacre”. O capitão se queixa da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República e da imprensa. Só poupa o ministro Alexandre de Moraes, a quem costumava se referir com palavrões.

Nas alegações finais ao Supremo, os advogados do ex-presidente insistem na tática de desqualificar os investigadores e atacar o acusador. Descrevem Mauro Cid, ex-sombra de Bolsonaro, como “delator sem credibilidade”. O vaivém de versões conta a favor do réu, mas a denúncia empilha muitas provas além da palavra do militar.

Segundo a defesa, o ex-presidente nunca atentou contra a democracia. Ao contrário: ele emerge dos papéis como um estadista que reconheceu o resultado das urnas, ordenou o início da transição e “evitou o caos” no país.

O discurso não combina com os fatos. Depois de mover uma campanha para desacreditar a Justiça Eleitoral, o capitão se recusou a admitir a derrota e estimulou a permanência de acampamentos golpistas em frente aos quartéis do Exército.

Enquanto a tropa radicalizava nas ruas, Bolsonaro se mantinha trancado no Palácio da Alvorada, onde recebia militares e assessores para debater medidas de exceção. Um dos visitantes ilustres foi o general Mário Fernandes, autor de um plano para matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Moraes.

A defesa quer fazer crer que a temporada de conspiração não passou de um retiro espiritual. De acordo com o papelório, o capitão estava “doente”, “isolado” e “abatido”. Sua recusa a entregar a faixa é descrita como uma birra inocente, não como parte da trama golpista que culminaria nos ataques de 8 de Janeiro.

Em busca de argumentos para salvar Bolsonaro, os advogados apelam até à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A opção é curiosa, já que o ex-presidente sempre demonizou o tema. Numa de suas fotos mais famosas, ele exibe uma camiseta com a inscrição “Direitos humanos: esterco da vagabundagem”.

As alegações finais de Bolsonaro têm 197 páginas e um silêncio eloquente. Principal aposta do clã para acuar o Supremo e tentar melar o julgamento, o aliado Donald Trump não é citado nenhuma vez.

 

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