O Estado de S. Paulo
Em um cenário global
fragmentado e volátil, a aposta mais segura é o alinhamento múltiplo
A volta de Donald Trump teve
um efeito inesperado: dar novo fôlego ao Brics. Com sua retórica errática,
tarifas punitivas, ameaças contra o grupo e disposição de interferir na
política interna de países do bloco, ele reforçou a necessidade de diversificar
parcerias e reduzir a dependência de Washington.
Enquanto os antecessores de Trump ignoraram o grupo, os ataques do atual presidente representam, paradoxalmente, um elemento unificador. Até na Índia, que vinha estreitando laços com os EUA, as tarifas reforçaram a percepção de que é arriscado depender demais de um aliado volátil, levando Nova Délhi a valorizar a estratégia de alinhamentos múltiplos como um seguro geopolítico.
Esse movimento poderia, em
tese, fazer o bloco avançar. Com a expansão recente, que incluiu Egito,
Etiópia, Irã, Emirados Árabes e Indonésia, o Brics passou a reunir mais da
metade da população mundial e a responder por uma parcela cada vez maior do PIB
global. A lógica parece clara: quanto maior o desgaste dos EUA junto a países
emergentes, maior a utilidade do Brics como plataforma de cooperação.
A realidade, porém, é mais
complexa. O bloco tem potencial limitado para agir de forma coordenada –
justamente quando o cenário externo lhe oferece oportunidades raras. Em abril,
pela primeira vez, uma reunião de chanceleres do Brics terminou sem comunicado
conjunto. Na cúpula de julho, no Rio de Janeiro, metade dos líderes não
compareceu.
DILUIÇÃO. A diversidade de
interesses – ampliada com a entrada de novos membros – dificulta um
posicionamento unificado em temas sensíveis. Rússia e Irã enxergam o Brics como
instrumento para contestar o Ocidente. Brasil, Índia e Indonésia preferem preservar
pontes. Disputas internas, como a resistência de Egito e Etiópia a apoiar a
candidatura sul-africana a um assento permanente no Conselho de Segurança da
ONU, mostram como rivalidades regionais se sobrepõem a agendas comuns.
A própria expansão do grupo,
imposta por Pequim e Moscou, à revelia dr Brasil e Índia, também dilui sua
coesão. A categoria de “parceiros do Brics”, criada para acomodar países como
Vietnã e Belarus, revela informalidade e incerteza quanto às regras de
engajamento. Riad, por exemplo, mantém ambiguidade sobre se aceitará o convite
para ser membro pleno, usando-o como carta de barganha em negociações com os
EUA.
Diante disso, duas visões
dominam o debate sobre o Brics – ambas equivocadas. A primeira, que o considera
irrelevante por causa das divisões internas, ignora que a simples existência do
bloco já amplia o poder de barganha de seus membros e cria espaços de
cooperação. Independentemente de convicções ideológicas, é preciso reconhecer
que, do ponto de vista econômico e político, a Ásia será cada vez mais
importante para o Brasil, que precisa se preparar para isso, e o Brics pode
ajudar nesse sentido.
A segunda visão, que o
posiciona como embrião de uma nova ordem mundial, ignora os grandes obstáculos
para transformar afinidades parciais em coordenação estratégica duradoura – e
menospreza o fato de que o Ocidente continuará relevante no século 21.
CAMINHO. A verdade está no
meio-termo. É um fórum útil, sobretudo em tempos de incerteza, mas limitado por
contradições internas e pela falta de mecanismos institucionais robustos.
Trump, com sua política externa transacional e punitiva, acaba funcionando como
combustível para o discurso e a coesão pontual do grupo. Mas dificilmente o
Brics aproveitará essa “janela de oportunidade”.
Para o Brasil, isso exige
evitar a tentação de uma visão “tudo ou nada”. Participar do Brics é
importante, mas não pode ser o eixo exclusivo da política externa. É preciso
fortalecer simultaneamente os laços com União Europeia, Japão, México, vizinhos
sul-americanos, o mundo árabe e outros parceiros – e investir em contenção de
danos na relação com os EUA, que seguirão sendo um parceiro crucial para o
Brasil.
Em um cenário internacional
fragmentado e volátil, a aposta mais segura continua sendo o alinhamento
múltiplo: diversificar parcerias, maximizar a autonomia e evitar cair em
alinhamentos automáticos, seja com EUA ou China. A diplomacia brasileira não
deve se deixar levar nem pelo entusiasmo com o potencial do Brics nem pelo
ceticismo radical. •
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