segunda-feira, 11 de agosto de 2025

O Brics em tempos de Trump - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

Em um cenário global fragmentado e volátil, a aposta mais segura é o alinhamento múltiplo

A volta de Donald Trump teve um efeito inesperado: dar novo fôlego ao Brics. Com sua retórica errática, tarifas punitivas, ameaças contra o grupo e disposição de interferir na política interna de países do bloco, ele reforçou a necessidade de diversificar parcerias e reduzir a dependência de Washington.

Enquanto os antecessores de Trump ignoraram o grupo, os ataques do atual presidente representam, paradoxalmente, um elemento unificador. Até na Índia, que vinha estreitando laços com os EUA, as tarifas reforçaram a percepção de que é arriscado depender demais de um aliado volátil, levando Nova Délhi a valorizar a estratégia de alinhamentos múltiplos como um seguro geopolítico.

Esse movimento poderia, em tese, fazer o bloco avançar. Com a expansão recente, que incluiu Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes e Indonésia, o Brics passou a reunir mais da metade da população mundial e a responder por uma parcela cada vez maior do PIB global. A lógica parece clara: quanto maior o desgaste dos EUA junto a países emergentes, maior a utilidade do Brics como plataforma de cooperação.

A realidade, porém, é mais complexa. O bloco tem potencial limitado para agir de forma coordenada – justamente quando o cenário externo lhe oferece oportunidades raras. Em abril, pela primeira vez, uma reunião de chanceleres do Brics terminou sem comunicado conjunto. Na cúpula de julho, no Rio de Janeiro, metade dos líderes não compareceu.

DILUIÇÃO. A diversidade de interesses – ampliada com a entrada de novos membros – dificulta um posicionamento unificado em temas sensíveis. Rússia e Irã enxergam o Brics como instrumento para contestar o Ocidente. Brasil, Índia e Indonésia preferem preservar pontes. Disputas internas, como a resistência de Egito e Etiópia a apoiar a candidatura sul-africana a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, mostram como rivalidades regionais se sobrepõem a agendas comuns.

A própria expansão do grupo, imposta por Pequim e Moscou, à revelia dr Brasil e Índia, também dilui sua coesão. A categoria de “parceiros do Brics”, criada para acomodar países como Vietnã e Belarus, revela informalidade e incerteza quanto às regras de engajamento. Riad, por exemplo, mantém ambiguidade sobre se aceitará o convite para ser membro pleno, usando-o como carta de barganha em negociações com os EUA.

Diante disso, duas visões dominam o debate sobre o Brics – ambas equivocadas. A primeira, que o considera irrelevante por causa das divisões internas, ignora que a simples existência do bloco já amplia o poder de barganha de seus membros e cria espaços de cooperação. Independentemente de convicções ideológicas, é preciso reconhecer que, do ponto de vista econômico e político, a Ásia será cada vez mais importante para o Brasil, que precisa se preparar para isso, e o Brics pode ajudar nesse sentido.

A segunda visão, que o posiciona como embrião de uma nova ordem mundial, ignora os grandes obstáculos para transformar afinidades parciais em coordenação estratégica duradoura – e menospreza o fato de que o Ocidente continuará relevante no século 21.

CAMINHO. A verdade está no meio-termo. É um fórum útil, sobretudo em tempos de incerteza, mas limitado por contradições internas e pela falta de mecanismos institucionais robustos. Trump, com sua política externa transacional e punitiva, acaba funcionando como combustível para o discurso e a coesão pontual do grupo. Mas dificilmente o Brics aproveitará essa “janela de oportunidade”.

Para o Brasil, isso exige evitar a tentação de uma visão “tudo ou nada”. Participar do Brics é importante, mas não pode ser o eixo exclusivo da política externa. É preciso fortalecer simultaneamente os laços com União Europeia, Japão, México, vizinhos sul-americanos, o mundo árabe e outros parceiros – e investir em contenção de danos na relação com os EUA, que seguirão sendo um parceiro crucial para o Brasil.

Em um cenário internacional fragmentado e volátil, a aposta mais segura continua sendo o alinhamento múltiplo: diversificar parcerias, maximizar a autonomia e evitar cair em alinhamentos automáticos, seja com EUA ou China. A diplomacia brasileira não deve se deixar levar nem pelo entusiasmo com o potencial do Brics nem pelo ceticismo radical. •

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.