terça-feira, 26 de agosto de 2025

O crucial e o terrível no debate dos juros, por Pedro Cafardo

Valor Econômico

Quinze dias atrás, sugerimos aqui que a discussão do tarifaço não pode silenciar o debate do problema dos juros, que continuam absurdamente altos no país apesar da inflação em queda. Em nome da coerência, então, seguem dois comentários sobre a proposta que a coluna apresentou, feita pelo professor da UnB José Luis Oreiro a pedido da Comissão de Debates e Estudos Estratégicos da Câmara. O economista sugeriu uma reforma na arquitetura institucional da condução da política monetária no país.

Luiz Gonzaga Belluzzo, economista que dispensa apresentações, entende que a coluna tratou de “questões cruciais” e fez as observações abaixo sobre câmbio-juros na configuração da política monetária.

As condições monetárias nos países desenvolvidos - particularmente nos EUA, o gestor da moeda de reserva - determinam o volume de capitais que procuram os mercados emergentes. Às políticas econômicas “internas” cabe o papel de buscar relações entre câmbio e juros atraentes para os capitais em movimento.

Num ambiente internacional de livre movimentação de capitais, os bancos centrais dos países de moeda fraca encontram dificuldades em manter, simultaneamente, boas condições de crédito doméstico e a estabilidade de sua moeda.

O controle da liquidez em moeda forte é, portanto, crucial para a sempre precária combinação entre estabilidade e crescimento nas economias de moeda não conversível. Os países periféricos mais bem-sucedidos, como a China, preferiram manter controles seletivos e pragmáticos de câmbio e de capitais. Acumulam reservas elevadas em moeda forte (dólares ou euros) com o propósito de evitar “choques de desvalorização” que possam afetar negativamente a taxa de juro doméstica.

Nas pegadas da globalização financeira, o Brasil manteve por 20 anos uma combinação câmbio-juro hostil ao crescimento da indústria e amigável à arbitragem sem risco.

Diante de frequentes episódios de aguçamento da instabilidade cambial, as vozes de sempre descarregam as culpas sobre os ombros das “condições internas”. Proclamam - sempre e sempre - os danos do “risco fiscal”, exibido como um pecado irremissível. Ignoram que os países de moeda não conversível se dilaceram entre o objetivo de manter a inflação sob controle e o propósito de não danar o crescimento ou colocar em risco a estrutura industrial e, consequentemente, o “arcabouço” de geração de renda e emprego. No Brasil, a derrocada exportadora da indústria faz parceria com a invasão das importações de produtos manufaturados, prenhes de incentivos e subsídios oferecidos generosamente pelos competidores espertos.

O consultor e economista Felipe Adaime, ex-VP do Banco de Chicago, sugere que o colunista deveria ser “mais cauteloso” na escolha de “especialistas” de esquerda e “mesclá-los” com vozes do mercado. Escoimadas de divagações e alguns insultos, seguem resumidas observações de Adaime, que foi aluno de Maria da Conceição Tavares na UFRJ, mas diz não se orgulhar disso, porque ela lhe teria ensinado “um monte de porcarias”.

Todas essas sugestões [de Oreiro] já foram testadas, especialmente nos governos Sarney, Lula e Dilma, e nenhuma deu certo, nem aqui nem em lugar algum.

O Brasil não caiu em armadilha alguma dos juros e do câmbio - foi levado à situação atual porque a esquerda acha que resolve todos os problemas emitindo moeda e tomando dívida. Se fosse simples assim, não haveria pobreza no mundo. Não dá certo porque o crescimento tem que estar associado à produtividade, à tecnologia e, mais que tudo, ao capital. Também precisa ter estoque de mão de obra, território e recursos naturais. O Brasil tem quase tudo isso, mas é pobre, sem capital. Essa é uma das razões para os juros altos. Como a demanda por capital excede sua oferta, impacta o preço do capital - os juros.

Oreiro começa mal na primeira sugestão. A principal função de qualquer banco central é preservar a moeda, não se envolver com política de crescimento e emprego. É óbvio o conflito de interesses nessas três questões, que não podem ser entregues ao mesmo administrador. Nos EUA, o BC não administra todas essas variáveis. Atua coordenado com o ministro da Economia para que não aconteça o que acontece aqui: cada um puxa a corda para um lado, a Fazenda com política monetária irresponsável e o BC com política de juros superconservadora para mitigar os efeitos danosos sobre a inflação.

A segunda sugestão de Oreiro é a flexibilização da meta de inflação. Se isso ocorrer, o BC perderá toda a sua credibilidade e entraremos numa espiral inflacionária.

A medida número 3 foi plagiada do Plano Real, que precisava de mais um governo do PSDB para se consolidar. O câmbio tinha que ser mantido fixo ou quase fixo por mais tempo até que a inflação estivesse completamente dominada. A crise nos países asiáticos e na Rússia, infelizmente, precipitou a mexida no câmbio.

De fato, ainda temos alguma correção monetária na economia e o principal culpado por isso é o governo federal, que não consegue controlar seus gastos.

A quarta medida envolve a dívida pública, que está chegando numa situação em que não terá mais compradores para os títulos públicos. Uma das razões para os juros estarem tão elevados é o tamanho da dívida e o risco, percebido pelos investidores, de comprar esses títulos. Quem vai querer papéis pré-fixados numa situação de inflação ascendente, como vai acontecer no Brasil, devido ao déficit fora de controle?

Na quinta proposta, ele [Oreiro] está sugerindo câmbio administrado? Isso seria terrível e teria o mesmo efeito de um tabelamento de preços. Basta olhar para a Argentina, modelo de câmbio administrado - ou melhor, subsidiado. O tripé “câmbio flutuante-meta de inflação-equilíbrio fiscal” consertou a economia em pouco tempo e permitiu que o Plano Real sobrevivesse até hoje.

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