sábado, 2 de agosto de 2025

O ideólogo do maga – Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back

Curtis Yarvin é o olavo de carvalho da seita que reverencia Trump

Viva a Sociedade Alternativa/ Viva o Novo Aeon/… Faz o que tu queres/ Pois é tudo da lei, propunham Raul Seixas e Paulo Coelho, na letra de Sociedade Alternativa.

Nos anos 70, durante o regime militar, Raul Seixas e Paulo Coelho foram convocados a prestar depoimento no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), para explicar o que seria essa tal sociedade alternativa. Esse novo Aeon. Foram dispensados algumas horas depois ao descreverem o novo Aeon como uma sociedade das estrelas turbinadas com pílulas de LSD, uma droga psicodélica!

“O ser humano é aquilo que a educação faz dele”, proferiu Immanuel Kant. O novo Aeon foi apresentado em 2008 por um blogueiro anônimo conhecido como Mencius Moldbug. Ele defendeu uma guerra contra a Catedral, metáfora para designar a “maldita” aliança entre a mídia e a Academia, um conciliábulo para perpetuar o poder das esquerdas liberais.

O lema de Mencius – muito diferente da sociedade estelar lisérgica da sociedade alternativa – tinha como alvo o igualitarismo, o maior dos males. Anos mais tarde, esse blogueiro assume sua verdadeira identidade, Curtis Yarvin. O tecnólogo-influencer assumiu o trono de guru dos executivos do Vale do Silício e dos seguidores do movimento MAGA (Make America Great Again). Em torno de 34% dos republicanos seguem fielmente esse movimento.

“Ele simplesmente está dizendo algo em voz alta que muitos republicanos estão ansiosos para ouvir”, decifrou o senador democrata Chris Murphy, de Connecticut.

Como alertou Ava Kofman, articulista da The New Yorker, em junho deste ano, o apelo do blogueiro reacionário por um monarca para governar o país parecia uma piada. Agora, a direita está pronta para se curvar.

Nosso blogueiro propõe a liquidação da democracia, da Constituição e do Estado de Direito e a transferência do poder para um CEO-chefe que seria uma espécie de monarca ou imperador e transformaria o governo em uma corporação fortemente armada e ultralucrativa. Uma grande Sociedade Anônima, sem cidadãos, mas com acionistas.

Esse novo regime, esse novo Aeon, venderia escolas públicas, destruiria universidades, aboliria a imprensa e aprisionaria populações “descivilizadas”. Last, but not least, Yarvin demitiria funcionários públicos em massa, o RAGE (Aposentar Todos os Funcionários do Governo) e descontinuaria as relações internacionais, incluindo garantias de segurança, ajuda externa e imigração em massa.

As elites das big techs se deliciaram com a ideia de que eles deveriam comandar a nação. Uma relação diretamente proporcional entre ego e poderio financeiro. Música para os ouvidos dos CEOs. Uma nação corporativa, digital e algorítmica! Talvez comandada por uma inteligência perfeita, a Inteligência Artificial.

É prudente levar a sério esse garoto prodígio que se formou com 18 anos na Brown University, hipnotizou Peter Thiel, um dos fundadores do PayPal, J.D. Vance, vice-presidente norte-americano, Elon Musk, Marc ­Andreessen, um dos chefes da Andreessen Horowitz­ e conselheiro informal do chamado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) e Andrew Kloster, o novo conselheiro-geral do Escritório de Gestão de Pessoal do governo.

Substituir funcionários públicos por Funcionários da Riqueza poderia ajudar Trump a derrotar “a Catedral”. Essa ideia foi promovida por Andrew Kloster, conselheiro sênior da organização hiperconservadora Compass Legal Group. Kloster é uma liderança de longa data no movimento conservador, prestando assessoria aos clientes da nova direita em uma ampla variedade de questões criminais, civis, político-eleitorais e administrativas.

No mês passado, um assessor anônimo do DOGE disse ao Washington Post que era “um segredo aberto que todos os ocupantes, em funções de formulação de políticas, liam Yarvin”. Stephen Miller, vice-chefe de gabinete do presidente Trump, recentemente citou Yarvin no Twitter. Vance pediu que os EUA se afastassem da Europa, um antigo desejo de Yarvin. Na primavera passada, Yarvin propôs expulsar todos os palestinos da Faixa de Gaza e transformá-la em um resort de luxo.

O blogueiro prega o fim da democracia e a entrega do poder a um CEO com ares de monarca

Ava Kofman, a já mencionada colunista da revista The New Yorker, foi convidada por Yarvin para um baile de gala um dia depois da posse de Donald Trump. O evento recebeu o patrocínio da Passage Press e foi proclamado com o refrão de “MAGA Encontra a Direita Tecnológica”: Michael Anton, do Departamento de Estado, Laura Loomer, uma sussurrante  conselheira de Trump (conhecida por sua intolerância antimuçulmana) e Jack Posobiec, que popularizou a teoria da conspiração, o famoso Pizzagate, se misturaram a capitalistas de risco, aceleracionistas de criptomoedas e astros do Subtrack. Na noite de gala dos dançantes, os convidados jantavam vieiras grelhadas e filé-mignon. Entre uma garfada e outra, Steve Bannon, orador principal do baile, pediu deportações em massa, o “Götterdämmerung (Crepúsculo dos Deuses)” do estado administrativo e a prisão de Mark Zuckerberg”.

Em entrevista a Gillian Tett, articulista do Financial Times, Yarvin recomendou a Trump acabar com a independência do Banco Central, colocando-o sob controle do Tesouro, para que este possa reestruturar a dívida estadunidense de 37 trilhões de dólares e “desconectar” as finanças do país do resto do mundo.

Scott Bessent, atual secretário do Tesouro norte-americano, ex-administrador de fundo hedge, faz parte da turba de Yarvin. Essa turba está de olho na substituição de ­Jerome Powell, atual presidente do Federal Reserve.

Encerramos com um trecho da biografia de Yarvin apresentada no livro Curtis Yarvin & The Neoreactionary Canon, Made Simple, de Hugo Thornton Rowley:

“O movimento retórico mais eficaz de Yarvin é apresentar a monarquia, a ditadura e o governo da elite não como relíquias obsoletas. Curtis Yarvin adota um cânone neorreacionário simplificado: a permissão para combater a ilusão da democracia, a ascensão do governo da elite e a reformulação das formas políticas pelas big techs, um modelo de governança superior.

Yarvin evita a linguagem autoritária tradicional em favor de termos emprestados de negócios, tecnologia e engenharia. Em vez de se referir ao fracasso da democracia em termos morais ou ideológicos, ele apresenta as vantagens do autoritarismo tecnológico:

1. Em vez de “monarquia”, ele propõe o “neocameralismo” – um sistema em que o Estado é administrado como uma corporação com um CEO soberano.

2. Em vez de se referir ao fracasso da democracia em termos morais ou ideológicos, ele afirma que ela é um “sistema operacional ruim” – um software defeituoso que deve ser substituído.

3. Em vez de defender abertamente a ditadura, ele defende “remendar e atualizar” a governança como se fosse apenas uma questão técnica. •

Publicado na edição n° 1373 de CartaCapital, em 06 de agosto de 2025.

 

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