domingo, 17 de agosto de 2025

O passado enquadrado, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Em cruzada contra "ideologia imprópria", republicano busca reescrever história dos EUA

Deu no Wall Street Journal: a Casa Branca quer obrigar os museus americanos a se alinharem às ideias de Donald Trump.

A ofensiva começou pela Smithsonian Institution. A entidade recebeu ordens para exaltar os “ideais americanos” e eliminar o que o governo classifica como “narrativas divisivas ou partidárias”. A diretriz vale para exposições, materiais educativos e publicações na internet.

Em março, Trump já havia editado decreto para enquadrar os museus de Washington. Determinou a remoção do que chamou de “ideologia imprópria”, além do cancelamento de mostras que, na visão dele, “degradem os valores” do país. O republicano manifestou o desejo de banir qualquer referência que “deprecie inapropriadamente os americanos do passado” — especialmente os fazendeiros escravocratas. Quer reescrever a história do país omitindo conflitos de classe e questões de raça e de gênero.

Trump não inventou a roda. “Uma lição que o século passado nos ensinou é que, frequentemente, os regimes autoritários consideram a história uma grande ameaça”, afirma Jason Stanley em “Apagando a história: como os fascistas reescrevem o passado para controlar o futuro”. Recém-lançado no Brasil, o livro foi escrito antes da nova posse do republicano. Mas já delineava seus planos para sufocar o pensamento crítico e os movimentos que questionam o status quo.

Professor de filosofia na Universidade de Toronto, Stanley mostra como os autocratas usam o ensino para demonizar dissidentes e vender o mito de um passado glorioso. A história é contada como uma obra de heróis emoldurados, livres de conflitos ou contradições. Quem questiona a pregação nacionalista é tachado de subversivo — o que leva o autor a comparar os dias de hoje com o período do macartismo, na década de 1950.

“Estamos incontestavelmente voltando a algo parecido com a era da ameaça vermelha. Políticos e ativistas de direita estão mirando educadores em todos os níveis de ensino por suas supostas ideologias de esquerda, com o objetivo de eliminar qualquer ensino que questione a hierarquia racial ou o patriarcado”, anota Stanley, autor do best-seller “Como funciona o fascismo”, de 2018.

O obscurantismo não campeia só nos Estados Unidos. Na Hungria de Viktor Orbán e na Turquia de Recep Erdogan, o poder também fecha o cerco sobre a educação. O premiê húngaro forçou a Universidade Centro-Europeia a se mudar para a Áustria. O presidente turco ordenou a revisão de livros didáticos e baniu a teoria da evolução do currículo do ensino médio. “Faz muito tempo que os autoritários entenderam que, quando querem mudar a cultura política, precisam começar tomando o controle da educação”, escreve Stanley.

Antes da cruzada contra os museus, Trump atacou as universidades, ameaçadas de asfixia econômica se não reprimissem protestos contra o governo de Israel e encerrassem programas de diversidade e inclusão. Neto de judeus que fugiram da Alemanha nazista, Stanley farejou o perigo e não quis pagar para ver. Em abril, deixou a cátedra em Yale, cruzou a fronteira e foi trabalhar no Canadá.

 

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