quinta-feira, 14 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É urgente combater exposição infantil nas redes sociais

O Globo

Vídeo revelando perversidade dos algoritmos é prova eloquente da necessidade de regular plataformas

O vídeo viral sobre a exposição de crianças em redes sociais publicado pelo humorista Felipe Bressanim Pereira, o Felca, tem o mérito de pautar uma discussão oportuna sobre crimes como exploração de menores e pedofilia. É um debate que foi assumido pelo Congresso Nacional — e que o país não pode mais adiar, sob pena de comprometer seu futuro. Felca obteve raro consenso entre representantes de direita, centro e esquerda na busca de respostas a essa ignomínia.

No vídeo, cuja repercussão extrapolou as plataformas digitais, Felca relata casos de exploração de crianças e adolescentes por meio de sexualização precoce, situações constrangedoras, vexatórias, como pornografia, danças erotizadas e uso de trajes sumários, muitas vezes promovidos por influenciadores digitais com objetivos meramente pecuniários. Ele mostra como os algoritmos das plataformas digitais, num mecanismo perverso, disseminam rapidamente as imagens, não raramente capturadas por redes de pedofilia. Concretamente, cita o caso de um influenciador investigado pelo Ministério Público por exploração de menores em postagens. Para se referir à absurda exposição infantil em comportamentos típicos de adultos, Felca cunhou o neologismo “adultização”.

Parlamentares de diferentes legendas se mostraram sensíveis à causa — e não poderiam ignorá-la. Novos projetos sobre o tema foram apresentados, além dos mais de 60 já em tramitação. O presidente da Câmara, Hugo Motta, prometeu apresentar em 30 dias “o mais avançado e efetivo” projeto para proteger crianças e adolescentes nas redes sociais. E anunciou a criação de um grupo de trabalho para analisar as propostas. As denúncias sobre exploração de menores também dispararam em canais oficiais nos últimos dias.

A discussão sobre proteção de crianças nas redes não diz respeito apenas ao Legislativo, mas também às famílias. O vídeo de Felca mostra de forma didática, com imagens borradas, como fotos aparentemente inocentes de menores, postadas por familiares incautos, podem atrair pedófilos e gerar engajamento em redes perversas. Preservar a privacidade dos mais vulneráveis é responsabilidade de todos.

Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, estabeleça um arcabouço de proteção, é necessário adaptar a legislação ao ambiente digital. Crianças expostas nas redes não conseguem se dar conta dos riscos a que estão submetidas — e nem cabe a elas zelar pela própria proteção. Os efeitos nefastos serão percebidos na fase adulta, com danos já consumados. Daí a necessidade de regras sensatas, capazes de tornar realidade as promessas de moderação das plataformas que raramente se concretizam na prática.

As iniciativas anunciadas pelo Congresso devem ser aplaudidas. Mas não é por falta de projetos que as redes continuam a ser terreno propício a crimes de toda sorte. O Projeto de Lei (PL) das Redes Sociais, infelizmente engavetado, endereçaria boa parte das preocupações. Até agora os parlamentares, sob as mais variadas desculpas, não fizeram o menor esforço para resgatá-lo. O PL propõe um bem-vindo equilíbrio entre as necessidades de coibir abusos e proteger a liberdade de expressão. A enorme repercussão do vídeo de Felca, em que a perversidade dos algoritmos é exposta de modo eloquente, é mais uma prova de que as plataformas precisam ser consideradas corresponsáveis pelo conteúdo que veiculam.

Operação paulista contra corrupção deve servir de exemplo a outros estados

O Globo

Esquema para acelerar processos na Secretaria da Fazenda desmascarou ‘assessoria tributária criminosa’

Causam consternação os fatos revelados pela operação comandada pelo Ministério Público (MP) de São Paulo contra a corrupção na Secretaria da Fazenda e Planejamento do estado. O supervisor da diretoria de fiscalização, Artur Gomes da Silva Neto, é acusado de liderar esquema de cobrança de propina para apressar a análise de processos de ressarcimento de impostos. De acordo com o MP, essa “assessoria tributária criminosa” recebeu mais de R$ 1 bilhão de várias empresas. Entre os alvos, foram presos o empresário Sidney Oliveira, dono da rede de farmácias Ultrafarma, e Mario Otávio Gomes, diretor da varejista Fast Shop. Outras companhias estão sob investigação. Dada a gravidade da operação paulista, ela deveria servir de inspiração para outros estados.

Pelo relatório do MP, a mãe de Gomes da Silva Neto, uma professora aposentada de 73 anos, declarou patrimônio de R$ 411 mil no Imposto de Renda de 2021. Dois anos depois, esse valor saltou para R$ 2 bilhões. A investigação descobriu que ela estava à frente da Smart Tax, uma empresa de fachada, para a qual o filho atraía a clientela do esquema. Na casa de um dos investigados por lavagem de dinheiro, foram encontrados dois sacos com pedras preciosas e R$ 1,2 milhão em espécie.

O trabalho dos investigadores ainda desvendará se a ilegalidade na Secretaria da Fazenda paulista se resumiu a acelerar processos administrativos com demandas justas. Mas mesmo esse não seria crime menor. Ao antecipar o ressarcimento de impostos, as empresas melhoram seu fluxo de caixa, reduzem custos financeiros e ficam mais fortes ante a concorrência. No mercado onde essas empresas atuam, furar a fila causa enormes distorções. Ganha quem corrompe, não necessariamente o negócio bem gerido.

O Brasil tem longo histórico de escândalos envolvendo o Fisco. Em 2015, a Polícia Federal deflagrou a Operação Zelotes para desvendar esquema de corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), que julga autuações da Receita Federal no âmbito administrativo. A suspeita era que conselheiros e auditores passavam informações privilegiadas e facilitavam a reversão de multas. Passados dez anos da Zelotes, nem todas as ações foram julgadas.

A investigação de suspeitas de crimes contra o Fisco não é apenas um imperativo jurídico. Ao fim, a conta do prejuízo é paga por todos. É conhecida a relação entre mais corrupção e menor desenvolvimento. Por anos, se discutiu na academia se a primeira era uma das causas do segundo. Mais recentemente, tem ficado claro que o combate à corrupção tende a levar a maior crescimento econômico. Um ambiente de negócios em que as empresas que mais avançam são as mais eficientes — não as que pagam propina — é benéfico para toda a sociedade.

Tendência de baixa do petróleo favorece combate à inflação

Valor Econômico

Previsão é que demanda no ano seja um terço menor que a prevista e a oferta, 30% maior

Com produção em alta e demanda em baixa, haverá excesso de petróleo no mercado no último trimestre do ano, que deverá se prolongar por parte de 2026, segundo relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) divulgado ontem. Em abril e maio os preços internacionais do óleo encostaram nos menores valores dos últimos quatro anos, e, no ano até ontem, recuaram 12%. A fraqueza das cotações no segundo trimestre ajudou a Petrobras a reduzir o custo doméstico da gasolina e do diesel em julho. A superoferta é uma boa notícia para o combate à inflação nos próximos meses, se nenhuma surpresa ocorrer nos mercados - algo impossível de garantir na mais “geopolítica” das commodities.

A volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos e o início de sua guerra tarifária mudaram o jogo das commodities. O protecionismo americano contribuirá para reduzir o crescimento global, em especial na China e nas economias dinâmicas do Sudeste Asiático, boa parte delas atingidas em cheio pela taxação de suas competitivas exportações ao mercado americano.

A volubilidade das ambições de Trump no xadrez político global afeta diretamente o mercado de petróleo. Sua dança indecisa de aproximação e repulsa em relação à Rússia fez vítimas certas, como a Índia, que ganhou 50% de tarifas por ser a maior compradora do petróleo russo escoado por mar. As ameaças de sanções contra a Rússia e quem compra petróleo dela mal passaram disso até agora - o que pode mudar após encontro com o presidente Vladimir Putin no Alasca, amanhã. Há um risco de ampliação do cerco às exportações russas, e o castigo despejado sobre a Índia pode ser estendido ao Brasil, cujo petróleo escapou da tarifa adicional de 40% que passou a vigir em 6 de agosto.

A redução do crescimento econômico global fez a AIE diminuir em um terço, para 680 mil barris por dia, a previsão de aumento da demanda de petróleo em relação à realizada no início do ano, no que é a menor expansão desde 2009, no início da grande crise financeira de 2008. A oferta, por outro lado, vai aumentar em 2,5 milhões de barris por dia no ano, 30% maior que a previsão de janeiro. O aumento se deve em grande parte à ação do cartel da Opep+, que voltou a aumentar a produção, após um corte de 2,2 milhões de barris acertado em janeiro de 2024. Como parte dessa elevação gradativa, o cartel aumentará a produção em 547 mil barris por dia a partir de 1 de setembro.

Essa grande disparidade entre procura e oferta fez a Agência prever um “grande excesso” de petróleo a partir do fim do ano, com “sobra” de 2 milhões de barris diários que se estenderá por 2026. Além disso, joga a favor de cotações mais baixas o contínuo aumento dos estoques. Em junho, eles subiram pelo quinto mês consecutivo, totalizando 7,8 bilhões de barris, o maior volume em quase 4 anos (46 meses).

A AIE aponta que um aperto nas sanções contra a Rússia e Irã poderá reduzir o excesso de oferta previsto. No entanto, isso pode não ocorrer na magnitude esperada. A Rússia e o Irã encontraram mercados cativos mesmo com o cerco americano e europeu (no caso russo). China e Índia compram grandes quantidades do óleo russo. Apenas até junho, a Índia adquiriu US$ 19,5 bilhões, e, desde a invasão da Ucrânia, dispendeu US$ 137 bilhões nisso (FT, 8 de agosto). Dificilmente esses países deixarão de continuar a se abastecer com o óleo de Putin para satisfazer o desejo de um rival cada vez mais agressivo, Trump.

Até 2030, enquanto a oferta crescerá, a procura encontrará mais freios decorrentes da transição energética. Um em cada 4 veículos novos vendidos em 2025 é elétrico, em uma frota que atingirá no ano 20 milhões de carros que dispensam combustíveis fósseis. Até o fim da década, a AIE estima que eles substituirão o equivalente a 5,4 milhões de barris por dia de petróleo.

Por outro lado, a China, o segundo maior consumidor mundial (depois dos Estados Unidos) e o maior poluidor mundial, tem feito esforços para reduzir suas emissões de carbono. Como resultado, seu consumo em 2030 será, segundo a AIE, apenas marginalmente superior ao que foi em 2024. Os EUA continuarão um consumidor voraz de petróleo. Com a queda de venda de veículos elétricos no país, e o desmonte dos incentivos para sua expansão por Donald Trump, a produção de óleo deverá aumentar 1,1 milhão de barris por dia ao ano. Já a produção mundial pulará dos atuais 105,6 milhões para 114,7 milhões de barris por dia.

O cartel dos países produtores (Opep) e alguns associados, como a Rússia, na Opep+, deverão continuar produzindo mais. “Se a oferta continuar no ritmo corrente, enquanto a demanda se retrai, o suprimento de petróleo aumentará para 107,2 milhões de barris por dia em 2030, 1,7 milhão de barris a mais que a procura projetada, sugerindo que os preços terão de cair para prevenir um insustentável acúmulo de estoques”, avalia a AIE.

No curto prazo, o panorama do petróleo tem uma feição baixista, que poderá permitir à Petrobras realizar mais cortes tempestivos de preços de um dos itens que mais influência têm nos índices de inflação.

Decisões do STF não bastam para moralizar emendas

Arranjo na pasta da Saúde evidencia que parlamentares encontram meios de avançar sobre o Orçamento

Câmara deu nova mostra de desfaçatez ao aprovar R$ 10,5 bilhões em emendas de comissão, sem debate nem transparência

Nos últimos anos tem havido esforços para ao menos moralizar as emendas apresentadas por deputados e senadores ao Orçamento, que alcançaram volumes descabidos.

Decisões do Supremo Tribunal Federal impuseram critérios mínimos de transparência na apresentação e na execução desses gastos, enquanto a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal deram início a apurações diversas de malversação do dinheiro do contribuinte.

Nada disso, no entanto, muda o contexto político que deu origem à hipertrofia das emendas —o enfraquecimento do Executivo federal desde Dilma Rousseff (PT), há cerca de uma década, e o avanço de um Congresso Nacional dominado por partidos especializados em se apropriar de recursos da máquina pública.

Em tal cenário, controlar a avidez parlamentar se torna algo semelhante a tapar com os dedos as rachaduras de um dique.

Assim se vê com o arranjo no Ministério da Saúde, revelado pelo UOL e recém-esmiuçado pela Folha, por meio do qual deputados e senadores orientam o envio de verbas para seus redutos eleitorais sem a necessidade de apresentação formal de emendas, driblando exigências do STF.

Fora a identificação transparente do padrinho da despesa, todo o restante transcorre como numa emenda individual. O parlamentar trabalha pela destinação de dinheiro a uma cidade, em geral para uma obra paroquial, conforme tratativas com políticos e gestores municipais.

As distorções desse modelo são conhecidas. Os recursos são pulverizados em uma miríade de pequenos projetos, atendendo aos interesses dos grupos locais de poder —ou também, nos piores exemplos, a negócios de parentes e aliados. Mas a pasta da Saúde assevera que todos os repasses estão seguindo critérios técnicos.

Podem-se imaginar os fabulosos critérios técnicos que levam deputados e senadores —já donos de exorbitantes R$ 50 bilhões no Orçamento deste ano, em emendas individuais e coletivas— a se engajarem nas minudências de investimentos do ministério e receberem os créditos pelas verbas nas redes sociais.

Há muito a Saúde, que dispõe de R$ 60 bilhões anuais para gastos discricionários, é alvo da cobiça das legendas fisiológicas associadas ao centrão. Esse foi um dos fatores de pressão sobre a ex-ministra Nísia Trindade, substituída em fevereiro por Alexandre Padilha, até então responsável pela articulação política do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A coalizão frágil de Lula deixa poucas escolhas ao Planalto além de se submeter à voracidade do Congresso. Não por acaso, a Câmara deu nova mostra de desfaçatez nesta quarta-feira (13), ao aprovar, em votações-relâmpago, a destinação de R$ 10,5 bilhões em emendas de comissão, sem debate nem transparência.

Mais que de ordens do STF, a correção dessa anomalia dependerá de um longo trabalho de reequilíbrio político e institucional.

Sala VIP e carros de luxo para os ministros do TST

Corte amplia mordomias para magistrados, que já recebem acima do teto; inação do Congresso é inaceitável

O TST diz que objetivo é evitar indivíduos inconvenientes, mas juízes não são as únicas figuras públicas que podem vir a ser assediadas

Carros de luxo, sala VIP em aeroporto e supersalários compõem a rotina luxuosa de ministros do Tribunal Superior do Trabalho, que assim mostra sem pudores seu descaso com o dinheiro do contribuinte.

Num regime de fato republicano, juízes não deveriam constituir uma casta apartada do restante do funcionalismo e da sociedade. Mas não é o que ocorre aqui. É interminável a sucessão de casos que evidenciam a farra financeira no Poder Judiciário.

Desde 2017, o Supremo Tribunal Federal possui um lounge reservado para seus integrantes no aeroporto da capital do país.

Em abril deste ano, o TST fechou um contrato de R$ 1,5 milhão com a administradora do Aeroporto de Brasília para construção e manutenção de uma sala de uso exclusivo para seus 27 ministros, com direito a carro privativo até os aviões, inclusive durante viagens pessoais.

Em nota, o tribunal alega que o objetivo é conter riscos para as autoridades diante da "aproximação de indivíduos mal-intencionados ou inconvenientes".

Contudo, exceto em situações excepcionais e temporárias que exigem maior segurança, a população não deve arcar com o distanciamento social de juízes, que não são as únicas figuras públicas que podem vir a ser assediadas. Políticos e celebridades, por exemplo, quando querem evitar contato, usam recursos próprios.

Fez bem, portanto, o Ministério Público ao pedir a suspensão temporária do contrato ao Tribunal de Contas da União (TCU).

O escárnio não para aí. Como noticiou o portal Metrópoles, o TST comprou 30 veículos de luxo, por R$ 346,5 mil cada um, para transportar os ministros por Brasília. Ora, segundo o Índice de Disparidade Salarial 2025 da associação civil Livres, juízes recebem 23,5 vezes o salário médio da população; por óbvio são capazes de custear sua locomoção.

Penduricalhos elevam a remuneração de ministros da corte acima do teto constitucional do funcionalismo (R$ 46,4 mil mensais). Dados do Conselho Nacional de Justiça revelam que a média recebida por magistrado, já com descontos e inflada por pagamentos retroativos, foi de R$ 357 mil em dezembro do ano passado.

Sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso, o STF e o CNJ aprofundaram as brechas que permitem mais privilégios e menos transparência. É inaceitável que o Congresso Nacional não aja para fazer valer o que a Carta estabelece de forma clara.

Apesar da fantasia elitista, com carros de luxo e salas VIP, a realidade é que juízes são servidores públicos e devem respeitar a lei.

Brasil deve evitar o abraço chinês

O Estado de S. Paulo

A China tenta usar a beligerância de Trump para atrair o Brasil cada vez mais para sua esfera de influência. Felizmente, por ora, Lula tem resistido. O País precisa se manter equidistante

A nota do Palácio do Planalto sobre o recente telefonema entre os presidentes do Brasil, Lula da Silva, e da China, Xi Jinping, adotou um tom prudente, ao não citar as agressões americanas contra o País e ao focar apenas nas possibilidades de “parceria estratégica bilateral” e de novas oportunidades de negócios com os chineses. Mostrou, ao menos no discurso, que o Brasil, a despeito das inclinações ideológicas do lulopetismo, não está disposto a correr para os braços da China para se abrigar da virulência do presidente americano Donald Trump.

O contraste com o comunicado chinês a respeito do telefonema não poderia ser mais evidente. A nota de Pequim exalta a intenção brasileira de fortalecer a comunicação e a coordenação com a China em mecanismos multilaterais como o Brics, de opor-se a atos de intimidação unilateral e de defender os interesses comuns de todos os países. Ademais, destacou o apoio chinês ao povo brasileiro na defesa de sua soberania nacional e de seus legítimos direitos e interesses, uma clara referência às chantagens de Trump. Ou seja, trata-se de um comunicado com forte caráter político, que na prática procura retratar o Brasil como um país ansioso por estreitar os laços com Pequim a fim de responder ao bullying dos EUA. Tudo isso é obviamente muito conveniente para a China, que tenta ampliar seu raio de alcance comercial e diplomático na sua guerra particular contra os EUA.

A beligerância com que Trump tem tratado o País é útil aos objetivos dos chineses, que há tempos tentam convencer o Brasil a aderir formalmente à Nova Rota da Seda, projeto por meio do qual a China busca exercer sua influência global via investimentos de infraestrutura e de comunicações executados e financiados por empresas e bancos chineses.

Tal alinhamento, por óbvio, não viria sem um custo geopolítico elevado, e o Brasil, felizmente, tem resistido a essa armadilha. Apesar das dificuldades impostas por Trump, a economia brasileira tem porte mais que suficiente para manter sua tradição de equilíbrio e independência na defesa de valores e interesses sem abrir mão de fazer negócios com o mundo todo, inclusive a própria China.

Nesse sentido, o discurso do presidente Lula no lançamento do Plano Brasil Soberano foi bastante sensato, diferentemente do tom que o petista costuma adotar nesse tipo de situação. No anúncio de medidas para socorrer os exportadores prejudicados pelo tarifaço norte-americano, Lula descartou adotar, neste momento, medidas para retaliar os EUA e disse, reiteradas vezes, que vai investir na melhoria das relações entre os dois países.

A despeito da evidente má vontade de Trump para negociar com o Brasil, há a possibilidade de que novos produtos sejam incluídos na lista de quase 700 exceções ao tarifaço de 50%, como o café. Lula disse ainda que o País vai procurar novos parceiros comerciais dispostos a comprar parte de nossa produção. Em outubro, ele pretende ir à Cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), na Malásia, e, em janeiro, à Índia, acompanhado de centenas de empresários.

Há muito a ser feito para minimizar o impacto do tarifaço na economia. Além da ajuda imediata aos produtores prejudicados via crédito, devolução e diferimento de tributos, o Ministério da Agricultura e Pecuária tem investido na busca de novos mercados para expandir a exportação de carnes e frango, setor no qual o País tem desempenho promissor e um dos mais afetados pelas sanções.

Embora Lula não tenha tocado no assunto, passou da hora também de acertar os últimos detalhes que ainda atravancam o acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Esse acordo, além de ser do interesse de todos, ganhou ainda mais relevância num momento de tantas incertezas.

É importante lembrar que Trump acaba de estender por mais 90 dias a trégua com Pequim para a vigência do tarifaço, o que dá uma dimensão dos limites da agressiva política americana perante o gigante asiático, com quem acumula o maior déficit comercial. Para o Brasil, o momento é desafiador, mas pede serenidade e equidistância, atributos que historicamente têm sido a marca de nossas relações internacionais, a despeito das pressões vindas de todos os lados.

O direito de incomodar

O Estado de S. Paulo

Uma feminista chamou a deputada Erika Hilton de ‘homem’. Foi o bastante para que Hilton a perseguisse nos tribunais. Que o STF mande arquivar esse flagrante caso de cerceamento de opinião

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, em boa hora pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento de um recurso impetrado pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) por meio do qual a parlamentar requer a reabertura de uma ação penal contra a designer gráfica Isabella Cêpa. Gonet sustenta o pedido em questões técnicas, mas oxalá seja aceito pelo ministro Gilmar Mendes, relator do caso, porque o arquivamento, seja qual for a razão, é a única medida possível para a preservação de um dos fundamentos mais caros do Estado Democrático de Direito: a liberdade de expressão.

Em 2020, após a divulgação do resultado das eleições municipais em São Paulo, quando Erika Hilton foi eleita vereadora, Isabella Cêpa, que se apresenta como uma “feminista radical”, publicou a seguinte mensagem em uma rede social: “Decepcionada. Com as eleições dos vereadores, óbvio. Quer dizer, candidatas verdadeiramente feministas não foram eleitas. A mulher mais votada é homem”. Foi o que bastou para a sra. Hilton iniciar uma implacável perseguição judicial contra a designer gráfica.

Movido por representação da então vereadora, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) ofereceu denúncia contra Isabella Cêpa por “crime de transfobia”. E a denúncia, pasme o leitor, foi aceita pela Justiça paulista. Temendo uma condenação a vários anos de cadeia por ter publicado um simples desabafo, Isabella Cêpa buscou refúgio no exterior – consta que ela estaria vivendo em um país do Leste Europeu, onde teria obtido asilo político –, razão pela qual a ação penal passou para o âmbito federal.

Trazendo sensatez para onde antes só havia histeria persecutória, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu não prosseguir com a ação penal, sob a alegação formal de que a legislação brasileira não tipifica o crime de transfobia. De fato, o texto da designer gráfica, reproduzido ipsis litteris acima, pode ser ácido ou mesmo desconfortável para quem o recebeu, mas não é criminoso. Isabella Cêpa expressou uma opinião política. Portanto, está amparada pelo artigo 5.º da Constituição, que assegura a todos os cidadãos a livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato.

Aquela publicação só foi considerada criminosa pelo MP-SP em razão da confusão criada pelo STF, em 2019, ao equiparar, por analogia, os crimes de homofobia e transfobia a racismo, alegando ter havido “omissão legislativa” do Congresso. O resultado disso foi a abertura de uma zona cinzenta em que livres manifestações de pensamento, mesmo sem a mais tênue incitação à violência contra a população LGBTQIA+, passaram a ser passíveis de enquadramento criminal. A ação penal contra Isabella Cêpa cabe perfeitamente como exemplo dessa brutal insegurança jurídica.

Também é digna de registro a incoerência da atitude da sra. Hilton. Afinal, trata-se de uma parlamentar que construiu sua imagem pública na defesa dos direitos humanos e dos primados do Estado Democrático de Direito, mas que, diante de uma crítica pessoal, feita por uma mulher que se identifica com uma vertente do feminismo que sobrepõe a condição biológica feminina a outras questões, não hesitou em recorrer ao aparato judicial para punir quem apenas fez alusão à sua condição biológica masculina. Direitos fundamentais não são de gozo restrito a determinados grupos ou causas: numa democracia digna do nome, são assegurados a todos, inclusive, e sobretudo, aos que emitem opiniões incômodas.

Não resta dúvida de que a violência contra a população LGBTQIA+, e em especial contra pessoas trans, é um problema real e gravíssimo no Brasil. Casos de agressão física ou psicológica, motivados exclusivamente pela identidade de gênero, devem ser investigados e punidos com rigor. Mas o Brasil precisa enfrentar o preconceito com políticas públicas eficazes, educação e diálogo social, e não com interpretações jurídicas que criam tipos penais por via oblíqua. Confundir violência com opinião, ainda que formulada em termos pouco amistosos, é punir a liberdade com censura. A democracia deixa de ser democracia quando um cidadão é privado de dizer coisas que outros simplesmente se incomodam ao ouvir.

Olimpíada infame

O Estado de S. Paulo

Juízes do Trabalho poderão faltar no serviço, sem perder salário, para participar de torneio

Juízes e desembargadores da Justiça do Trabalho dos Estados do Amapá, do Pará e da Bahia participarão da 22.ª Olimpíada Nacional do Judiciário Federal sem ter descontado nenhum dia de falta. Diferentemente do que ocorreria com qualquer trabalhador brasileiro, os magistrados vão receber como se estivessem trabalhando enquanto, na verdade, participarão de um torneio esportivo com as práticas de atletismo, beach tennis, ciclismo, damas, dominó, futebol de mesa, futevôlei, natação, pesca, tênis de mesa, tiro ao alvo e xadrez. Esses dias de integração e lazer de 20 a 26 de setembro se darão em Foz do Iguaçu, no Paraná, um dos principais cartões-postais do Brasil.

Realizada pela Associação Nacional dos Servidores do Judiciário Trabalhista (Anastra), essa “olimpíada”, segundo a entidade, serve para celebrar o esporte e estimular a “união entre os servidores e magistrados do Judiciário federal”. Como afirma a entidade em seu site, o torneio é “uma oportunidade única de vivenciar o espírito esportivo e a camaradagem”. E esses camaradas que, não raro, como mostram reiteradamente reportagens deste jornal, recebem acima do teto constitucional – hoje de R$ 46,3 mil, o salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – foram incentivados pelas direções de seus tribunais a participarem do torneio.

O Tribunal Regional do Trabalho da 8.ª Região (TRT-8), que abrange o Pará e o Amapá, informou em seu site que bastava ao interessado fazer um “requerimento de dispensa de ponto”. Tanto o TRT-8 como o TRT-5, que fica na Bahia e cujos magistrados também foram estimulados a participar da “olimpíada”, afirmaram que a ida ao evento não isenta os magistrados de cumprir com suas obrigações. De acordo com as cortes, o atendimento não será afetado, seguindo-se a agenda de audiência e sessões. É de perguntar, porém, como os magistrados darão conta de seu trabalho a milhares de quilômetros de distância de seus gabinetes e a poucos metros das Cataratas do Iguaçu.

O que parece importar mesmo, como afirmou o TRT-5, é que a Olimpíada Nacional do Judiciário Federal promove integração e “saúde física e mental dos trabalhadores”, como preceitua o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em uma de suas muitas resoluções. O problema é que parte desse entretenimento desportivo será custeada, mais uma vez, com o dinheiro do contribuinte. Afinal, quem não trabalha não recebe salário.

Trata-se de mais um capítulo de caprichos e privilégios da Justiça do Trabalho, agora num evento que escancara uma proximidade entre as direções das cortes e as associações de classe que beira a promiscuidade. Recentemente, a Justiça do Trabalho, que se autointitula a “Justiça social”, mandou construir no Aeroporto de Brasília uma sala vip para que os ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) não fossem incomodados por “pessoas inconvenientes”. Também há poucos dias o TST comprou 30 veículos Lexus, avaliados em quase R$ 350 mil cada, para atender seus 27 ministros. Sala vip, carros de luxo e torneios exclusivos fazem a “Justiça social” mais parecer a “Justiça do deboche”.

Direitos humanos sem base técnica

Correio Braziliense

A reconhecida qualidade técnica do relatório dos EUA sobre direitos humanos o alçou ao status de referência em tribunais internacionais. A versão atual, sem base técnica, perde tal importância

Em um novo capítulo da escalada da tensão entre Brasília e Washington, a diplomacia estadunidense divulga relatório afirmando que o Brasil vive um momento de "declínio" dos direitos humanos — conclusão feita a partir de  "relatos confiáveis" de crimes como assassinatos arbitrários e ilegais, torturas, restrições à liberdade de imprensa e repressão ao debate democrático. Falta embasamento para as graves acusações, e sobram críticas ao Judiciário e ao Executivo brasileiro, deixando evidente que o documento tem, na verdade, pretensões políticas.

A interpretação seletiva não é exclusiva à análise da situação brasileira. Reconhecido internacionalmente por traçar um cenário técnico sobre o respeito aos direitos humanos pelo mundo, o relatório elaborado na chamada gestão Trump 2.0 não se presta ao objetivo tradicional. Perde, portanto, profundidade — tem um quarto do tamanho da edição anterior, feita no governo Biden — e cai no descrédito.

A leitura da nova avaliação do Departamento de Estado americano leva, por exemplo, à conclusão de que El Salvador vive um momento de avanço na garantia dos direitos fundamentais, sem "relatos confiáveis de violações significativas dos direitos humanos" em 2024 e uma investida do presidente Nayib Bukele para "identificar e punir autoridades que cometeram violações". Organizações reconhecidas na área, como a Human Rights Watch, relatam o contrário.

Menor que o Sergipe, El Salvador, na América Central, tem a maior taxa de encarceramento do planeta. A política de tolerância zero adotada por Bukele, um aliado de Trump, é entendida por especialistas como um regime de exceção que levou mais de 81 mil pessoas à prisão — sendo 3 mil menores de idade — e funciona à base de detenções sem mandado, torturas e falta de acesso a advogados, entre outras atrocidades. Bukele se autointitula o "ditador mais legal do mundo" e recebe dinheiro da Casa Branca para receber deportados em suas penitenciárias.

Outro desencontro de interpretações tem como palco a Faixa de Gaza. A constatação de que a população do conclave é vítima de um genocídio e, consequemente, a pressão pelo fim do crime humanitário crescem pelo mundo. Mas o relatório americano se limita a apontar que "as organizações terroristas Hamas e Hezbollah continuam a atacar indiscriminadamente civis israelenses, violando a lei dos conflitos armados". Em outro trecho, acusa a África do Sul de cometer genocídio e racismo contra a população branca, uma das pautas sem fundamento da extrema-direita. 

França, Reino Unido e Alemanha também não são poupados. Lá, a "deterioração" dos direitos humanos se dá sobretudo em relação a violações na liberdade de expressão, na avaliação da diplomacia estadunidense. Curiosamente é também no continente europeu onde há importantes avanços na responsabilização das big techs sobre conteúdos criminosos publicados nas redes sociais. 

Não faltam evidências, portanto, de que os Estados Unidos fazem um retrato comprometido dos direitos humanos pelo mundo. Sem, inclusive, olhar para questões internas. Há de se destacar que, no mesmo dia em que o relatório de viés ideológico foi divulgado, o chefe do Pentágono compartilhou um vídeo defendendo o fim do voto feminino e homens da Guarda Nacional desembarcaram em Washington para acabar com a  "trágica emergência de segurança" na capital, que, segundo dados oficiais, tem o menor índice de criminalidade dos últimos 30 anos.

Para além dos embates políticos potencializados pelo novo documento, há o risco de prejuízos justamente na condução de questões humanitárias. A reconhecida qualidade técnica do relatório o alçou ao status de referência em tribunais internacionais. A versão atual, sem base técnica, perde tal importância. Assim, Trump dá novo golpe no sistema internacional de promoção da cooperação e da paz, a exemplo do movimento de enfraquecimento da OMS orquestrado antes mesmo de assumir a presidência.

Regulamentação protege crianças nas redes

O Povo (CE)

Foi preciso que um jovem de 27 anos, Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, expusesse em um vídeo como crianças e adolescentes são exploradas nas redes sociais para que a Câmara dos Deputados retomasse o debate a respeito da regulamentação das big techs.

Em resumo, no vídeo com o título “Adultização” ele expõe como uma rede de pedófilos atua no compartilhamento e venda de imagens de crianças, e como alguns pais também ganham dinheiro explorando os próprios filhos e filhas.

As redes sociais, segundo Felca, também faturam com essa exposição indevida. Ele explica como os algoritmos de recomendação passam a enviar cada vez mais conteúdos indevidos ou mesmo ilegais, bastando um único clique nesse tipo de postagem.

A “moeda” das redes sociais é a quantidade de cliques obtidos. Quanto maior for o número, maior o lucro das big techs e de “influenciadores”, sem questionamentos sobre o modo como são alcançados.

O vídeo de Felca, com mais de 50 milhões de visualizações, provocou um choque na sociedade que, apesar das evidências, nunca tinha se deparado com uma explanação tão didática e objetiva quanto às consequências maléficas da falta de uma regulamentação.

Não se trata de censura, como alguns alegam, mas de impedir que crimes sejam cometidos impunemente. Não é razoável que uma prática criminosa, punida no mundo real, possa se manifestar abertamente no ambiente virtual, em nome de uma suposta “liberdade de expressão”. Mas não se trata de responsabilizar o mensageiro, porém, de criar regras para o uso adequado das redes sociais, onipresentes no mundo de hoje.

Um bom exemplo de que as redes podem ser usadas em favor da sociedade, em defesa das boas causas, é o próprio vídeo de Felca, divulgado em uma delas.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deu um bom indicativo de como a regulamentação pode ser feita, sem a necessidade de censura. Em julgamento realizado no mês passado, o STF alterou o entendimento do artigo 19 do Marco Civil da Internet.

Uma das mudanças foi estabelecer para as plataformas o "dever de cuidado", cabendo a elas a resposabilidade de retirar, por iniciativa própria, publicações de maior gravidades, como pornografia infantil, ameaças à democracia, tráfico de pessoas, terrorismos, incitação ao suicídio, discurso de ódio e crimes contra a mulher.

Frente à grande repercussão do caso, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) fez acordo com líderes partidários para montar uma comissão sobre o assunto, que terá a tarefa de elaborar um texto para ir à votação em 30 dias. O foco principal será a proteção às crianças, tema que une governistas e oposição, por isso mais fácil de se chegar a um acordo.

É um bom começo.

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