É urgente combater exposição infantil nas redes sociais
O Globo
Vídeo revelando perversidade dos algoritmos é
prova eloquente da necessidade de regular plataformas
O vídeo viral sobre a exposição de crianças
em redes sociais publicado pelo humorista Felipe Bressanim Pereira, o Felca,
tem o mérito de pautar uma discussão oportuna sobre crimes como exploração de
menores e pedofilia. É um debate que foi assumido pelo Congresso Nacional — e
que o país não pode mais adiar, sob pena de comprometer seu futuro. Felca obteve
raro consenso entre representantes de direita, centro e esquerda na busca de
respostas a essa ignomínia.
No vídeo, cuja repercussão extrapolou as plataformas digitais, Felca relata casos de exploração de crianças e adolescentes por meio de sexualização precoce, situações constrangedoras, vexatórias, como pornografia, danças erotizadas e uso de trajes sumários, muitas vezes promovidos por influenciadores digitais com objetivos meramente pecuniários. Ele mostra como os algoritmos das plataformas digitais, num mecanismo perverso, disseminam rapidamente as imagens, não raramente capturadas por redes de pedofilia. Concretamente, cita o caso de um influenciador investigado pelo Ministério Público por exploração de menores em postagens. Para se referir à absurda exposição infantil em comportamentos típicos de adultos, Felca cunhou o neologismo “adultização”.
Parlamentares de diferentes legendas se
mostraram sensíveis à causa — e não poderiam ignorá-la. Novos projetos sobre o
tema foram apresentados, além dos mais de 60 já em tramitação. O presidente da
Câmara, Hugo Motta,
prometeu apresentar em 30 dias “o mais avançado e efetivo” projeto para
proteger crianças e adolescentes nas redes sociais. E anunciou a criação de um
grupo de trabalho para analisar as propostas. As denúncias sobre exploração de
menores também dispararam em canais oficiais nos últimos dias.
A discussão sobre proteção de crianças nas
redes não diz respeito apenas ao Legislativo, mas também às famílias. O vídeo
de Felca mostra de forma didática, com imagens borradas, como fotos
aparentemente inocentes de menores, postadas por familiares incautos, podem
atrair pedófilos e gerar engajamento em redes perversas. Preservar a
privacidade dos mais vulneráveis é responsabilidade de todos.
Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), de 1990, estabeleça um arcabouço de proteção, é necessário adaptar a
legislação ao ambiente digital. Crianças expostas nas redes não conseguem se
dar conta dos riscos a que estão submetidas — e nem cabe a elas zelar pela
própria proteção. Os efeitos nefastos serão percebidos na fase adulta, com
danos já consumados. Daí a necessidade de regras sensatas, capazes de tornar
realidade as promessas de moderação das plataformas que raramente se
concretizam na prática.
As iniciativas anunciadas pelo Congresso
devem ser aplaudidas. Mas não é por falta de projetos que as redes continuam a
ser terreno propício a crimes de toda sorte. O Projeto de Lei (PL) das Redes
Sociais, infelizmente engavetado, endereçaria boa parte das preocupações. Até
agora os parlamentares, sob as mais variadas desculpas, não fizeram o menor
esforço para resgatá-lo. O PL propõe um bem-vindo equilíbrio entre as
necessidades de coibir abusos e proteger a liberdade de expressão. A enorme
repercussão do vídeo de Felca, em que a perversidade dos algoritmos é exposta
de modo eloquente, é mais uma prova de que as plataformas precisam ser
consideradas corresponsáveis pelo conteúdo que veiculam.
Operação paulista contra corrupção deve
servir de exemplo a outros estados
O Globo
Esquema para acelerar processos na Secretaria
da Fazenda desmascarou ‘assessoria tributária criminosa’
Causam consternação os fatos revelados pela
operação comandada pelo Ministério Público (MP) de São Paulo contra
a corrupção na Secretaria da Fazenda e Planejamento do estado. O supervisor da
diretoria de fiscalização, Artur Gomes da Silva Neto, é acusado de liderar
esquema de cobrança de propina para apressar a análise de processos de
ressarcimento de impostos. De acordo com o MP, essa “assessoria tributária
criminosa” recebeu mais de R$ 1 bilhão de várias empresas. Entre os alvos,
foram presos o empresário Sidney Oliveira, dono da rede de farmácias
Ultrafarma, e Mario Otávio Gomes, diretor da varejista Fast Shop. Outras
companhias estão sob investigação. Dada a gravidade da operação paulista, ela
deveria servir de inspiração para outros estados.
Pelo relatório do MP, a mãe de Gomes da Silva
Neto, uma professora aposentada de 73 anos, declarou patrimônio de R$ 411 mil
no Imposto de Renda de 2021. Dois anos depois, esse valor saltou para R$ 2
bilhões. A investigação descobriu que ela estava à frente da Smart Tax, uma
empresa de fachada, para a qual o filho atraía a clientela do esquema. Na casa
de um dos investigados por lavagem de dinheiro, foram encontrados dois sacos
com pedras preciosas e R$ 1,2 milhão em espécie.
O trabalho dos investigadores ainda
desvendará se a ilegalidade na Secretaria da Fazenda paulista se resumiu a
acelerar processos administrativos com demandas justas. Mas mesmo esse não
seria crime menor. Ao antecipar o ressarcimento de impostos, as empresas
melhoram seu fluxo de caixa, reduzem custos financeiros e ficam mais fortes
ante a concorrência. No mercado onde essas empresas atuam, furar a fila causa
enormes distorções. Ganha quem corrompe, não necessariamente o negócio bem
gerido.
O Brasil tem longo histórico de escândalos
envolvendo o Fisco. Em 2015, a Polícia Federal deflagrou a Operação Zelotes
para desvendar esquema de corrupção no Conselho de Administração de Recursos
Fiscais (Carf), que julga autuações da Receita Federal no âmbito
administrativo. A suspeita era que conselheiros e auditores passavam
informações privilegiadas e facilitavam a reversão de multas. Passados dez anos
da Zelotes, nem todas as ações foram julgadas.
A investigação de suspeitas de crimes contra o Fisco não é apenas um imperativo jurídico. Ao fim, a conta do prejuízo é paga por todos. É conhecida a relação entre mais corrupção e menor desenvolvimento. Por anos, se discutiu na academia se a primeira era uma das causas do segundo. Mais recentemente, tem ficado claro que o combate à corrupção tende a levar a maior crescimento econômico. Um ambiente de negócios em que as empresas que mais avançam são as mais eficientes — não as que pagam propina — é benéfico para toda a sociedade.
Tendência de baixa do petróleo favorece
combate à inflação
Valor Econômico
Previsão é que demanda no ano seja um terço menor que a prevista e a oferta, 30% maior
Com produção em alta e demanda em baixa,
haverá excesso de petróleo no mercado no último trimestre do ano, que deverá se
prolongar por parte de 2026, segundo relatório da Agência Internacional de
Energia (AIE) divulgado ontem. Em abril e maio os preços internacionais do óleo
encostaram nos menores valores dos últimos quatro anos, e, no ano até ontem,
recuaram 12%. A fraqueza das cotações no segundo trimestre ajudou a Petrobras a
reduzir o custo doméstico da gasolina e do diesel em julho. A superoferta é uma
boa notícia para o combate à inflação nos próximos meses, se nenhuma surpresa
ocorrer nos mercados - algo impossível de garantir na mais “geopolítica” das
commodities.
A volta de Donald Trump à Presidência dos
Estados Unidos e o início de sua guerra tarifária mudaram o jogo das
commodities. O protecionismo americano contribuirá para reduzir o crescimento
global, em especial na China e nas economias dinâmicas do Sudeste Asiático, boa
parte delas atingidas em cheio pela taxação de suas competitivas exportações ao
mercado americano.
A volubilidade das ambições de Trump no
xadrez político global afeta diretamente o mercado de petróleo. Sua dança
indecisa de aproximação e repulsa em relação à Rússia fez vítimas certas, como
a Índia, que ganhou 50% de tarifas por ser a maior compradora do petróleo russo
escoado por mar. As ameaças de sanções contra a Rússia e quem compra petróleo
dela mal passaram disso até agora - o que pode mudar após encontro com o
presidente Vladimir Putin no Alasca, amanhã. Há um risco de ampliação do cerco
às exportações russas, e o castigo despejado sobre a Índia pode ser estendido
ao Brasil, cujo petróleo escapou da tarifa adicional de 40% que passou a vigir
em 6 de agosto.
A redução do crescimento econômico global fez
a AIE diminuir em um terço, para 680 mil barris por dia, a previsão de aumento
da demanda de petróleo em relação à realizada no início do ano, no que é a
menor expansão desde 2009, no início da grande crise financeira de 2008. A
oferta, por outro lado, vai aumentar em 2,5 milhões de barris por dia no ano,
30% maior que a previsão de janeiro. O aumento se deve em grande parte à ação
do cartel da Opep+, que voltou a aumentar a produção, após um corte de 2,2
milhões de barris acertado em janeiro de 2024. Como parte dessa elevação
gradativa, o cartel aumentará a produção em 547 mil barris por dia a partir de
1 de setembro.
Essa grande disparidade entre procura e
oferta fez a Agência prever um “grande excesso” de petróleo a partir do fim do
ano, com “sobra” de 2 milhões de barris diários que se estenderá por 2026. Além
disso, joga a favor de cotações mais baixas o contínuo aumento dos estoques. Em
junho, eles subiram pelo quinto mês consecutivo, totalizando 7,8 bilhões de
barris, o maior volume em quase 4 anos (46 meses).
A AIE aponta que um aperto nas sanções contra
a Rússia e Irã poderá reduzir o excesso de oferta previsto. No entanto, isso
pode não ocorrer na magnitude esperada. A Rússia e o Irã encontraram mercados
cativos mesmo com o cerco americano e europeu (no caso russo). China e Índia
compram grandes quantidades do óleo russo. Apenas até junho, a Índia adquiriu
US$ 19,5 bilhões, e, desde a invasão da Ucrânia, dispendeu US$ 137 bilhões
nisso (FT, 8 de agosto). Dificilmente esses países deixarão de continuar a se
abastecer com o óleo de Putin para satisfazer o desejo de um rival cada vez
mais agressivo, Trump.
Até 2030, enquanto a oferta crescerá, a
procura encontrará mais freios decorrentes da transição energética. Um em cada
4 veículos novos vendidos em 2025 é elétrico, em uma frota que atingirá no ano
20 milhões de carros que dispensam combustíveis fósseis. Até o fim da década, a
AIE estima que eles substituirão o equivalente a 5,4 milhões de barris por dia
de petróleo.
Por outro lado, a China, o segundo maior
consumidor mundial (depois dos Estados Unidos) e o maior poluidor mundial, tem
feito esforços para reduzir suas emissões de carbono. Como resultado, seu
consumo em 2030 será, segundo a AIE, apenas marginalmente superior ao que foi
em 2024. Os EUA continuarão um consumidor voraz de petróleo. Com a queda de
venda de veículos elétricos no país, e o desmonte dos incentivos para sua
expansão por Donald Trump, a produção de óleo deverá aumentar 1,1 milhão de
barris por dia ao ano. Já a produção mundial pulará dos atuais 105,6 milhões
para 114,7 milhões de barris por dia.
O cartel dos países produtores (Opep) e alguns
associados, como a Rússia, na Opep+, deverão continuar produzindo mais. “Se a
oferta continuar no ritmo corrente, enquanto a demanda se retrai, o suprimento
de petróleo aumentará para 107,2 milhões de barris por dia em 2030, 1,7 milhão
de barris a mais que a procura projetada, sugerindo que os preços terão de cair
para prevenir um insustentável acúmulo de estoques”, avalia a AIE.
No curto prazo, o panorama do petróleo tem uma feição baixista, que poderá permitir à Petrobras realizar mais cortes tempestivos de preços de um dos itens que mais influência têm nos índices de inflação.
Decisões do STF não bastam para moralizar
emendas
Arranjo na pasta da Saúde evidencia que
parlamentares encontram meios de avançar sobre o Orçamento
Câmara deu nova mostra de desfaçatez ao aprovar R$ 10,5 bilhões em emendas de comissão, sem debate nem transparência
Nos últimos anos tem havido esforços para ao
menos moralizar as emendas apresentadas por deputados e senadores ao Orçamento,
que alcançaram volumes descabidos.
Decisões do Supremo Tribunal Federal
impuseram critérios mínimos de transparência na apresentação e na execução
desses gastos, enquanto a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia
Federal deram início a apurações diversas de malversação do
dinheiro do contribuinte.
Nada disso, no entanto, muda o contexto
político que deu origem à hipertrofia das emendas —o enfraquecimento do
Executivo federal desde Dilma
Rousseff (PT), há cerca de uma
década, e o avanço de um Congresso
Nacional dominado por partidos especializados em se apropriar
de recursos da máquina pública.
Em tal cenário, controlar a avidez
parlamentar se torna algo semelhante a tapar com os dedos as rachaduras de um
dique.
Assim se vê com o arranjo no Ministério da
Saúde, revelado pelo UOL e recém-esmiuçado
pela Folha, por meio do qual deputados e senadores orientam o
envio de verbas para seus redutos eleitorais sem a necessidade de apresentação
formal de emendas, driblando exigências do STF.
Fora a identificação transparente do padrinho
da despesa, todo o restante transcorre como numa emenda individual. O
parlamentar trabalha pela destinação de dinheiro a uma cidade, em geral para
uma obra paroquial, conforme tratativas com políticos e gestores municipais.
As distorções
desse modelo são conhecidas. Os recursos são pulverizados em uma
miríade de pequenos projetos, atendendo aos interesses dos grupos locais de
poder —ou também, nos piores exemplos, a negócios de parentes e aliados. Mas a
pasta da Saúde assevera
que todos os repasses estão seguindo critérios técnicos.
Podem-se imaginar os fabulosos critérios
técnicos que levam deputados e senadores —já donos de exorbitantes R$ 50
bilhões no Orçamento deste ano, em emendas individuais e coletivas— a se
engajarem nas minudências de investimentos do ministério e receberem os
créditos pelas verbas nas redes sociais.
Há muito a Saúde, que dispõe de R$ 60 bilhões
anuais para gastos discricionários, é alvo da cobiça das legendas fisiológicas
associadas ao centrão. Esse foi um dos fatores de pressão sobre a
ex-ministra Nísia Trindade,
substituída em fevereiro por Alexandre
Padilha, até então responsável pela articulação política do governo
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
A coalizão frágil de Lula deixa poucas
escolhas ao Planalto além de se submeter à voracidade do Congresso. Não por
acaso, a Câmara deu nova
mostra de desfaçatez nesta quarta-feira (13), ao aprovar, em
votações-relâmpago, a destinação de R$ 10,5 bilhões em emendas de comissão, sem
debate nem transparência.
Mais que de ordens do STF, a correção dessa
anomalia dependerá de um longo trabalho de reequilíbrio político e
institucional.
Sala VIP e carros de luxo para os ministros
do TST
Corte amplia mordomias para magistrados, que
já recebem acima do teto; inação do Congresso é inaceitável
O TST diz que objetivo é evitar indivíduos inconvenientes, mas juízes não são as únicas figuras públicas que podem vir a ser assediadas
Carros de luxo, sala VIP em aeroporto e
supersalários compõem a rotina luxuosa de ministros do Tribunal Superior do
Trabalho, que assim mostra sem pudores seu descaso com o dinheiro do
contribuinte.
Num regime de fato republicano, juízes não
deveriam constituir uma casta apartada do restante do funcionalismo e da
sociedade. Mas não é o que ocorre aqui. É interminável a sucessão de casos
que evidenciam a farra financeira no Poder Judiciário.
Desde 2017, o Supremo Tribunal Federal possui
um lounge reservado para seus integrantes no aeroporto da capital do país.
Em abril deste ano, o TST
fechou um contrato de R$ 1,5 milhão com a administradora do
Aeroporto de Brasília para
construção e manutenção de uma sala de uso exclusivo para seus 27 ministros,
com direito a carro privativo até os aviões, inclusive durante viagens
pessoais.
Em nota, o tribunal alega que o objetivo é
conter riscos para as autoridades diante da "aproximação de indivíduos
mal-intencionados ou inconvenientes".
Contudo, exceto em situações excepcionais e
temporárias que exigem maior segurança, a população não deve arcar com o
distanciamento social de juízes, que não são as únicas figuras públicas que
podem vir a ser assediadas. Políticos e celebridades, por exemplo, quando
querem evitar contato, usam recursos próprios.
Fez bem, portanto, o Ministério
Público ao pedir a suspensão temporária do contrato ao Tribunal
de Contas da União (TCU).
O escárnio não para aí. Como noticiou o
portal Metrópoles, o TST comprou 30 veículos de luxo, por R$ 346,5 mil cada um,
para transportar os ministros por Brasília. Ora, segundo o Índice de
Disparidade Salarial 2025 da associação civil Livres, juízes recebem 23,5 vezes
o salário médio da população; por óbvio são capazes de custear sua locomoção.
Penduricalhos elevam a remuneração de
ministros da corte acima do teto constitucional do funcionalismo (R$ 46,4 mil
mensais). Dados do Conselho Nacional de Justiça revelam que a média recebida
por magistrado, já com descontos e inflada por pagamentos retroativos, foi de
R$ 357 mil em dezembro do ano passado.
Sob a presidência do ministro Luís Roberto
Barroso, o STF e
o CNJ aprofundaram
as brechas que permitem mais privilégios e menos transparência. É inaceitável
que o Congresso
Nacional não aja para fazer valer o que a Carta estabelece de
forma clara.
Apesar da fantasia elitista, com carros de luxo e salas VIP, a realidade é que juízes são servidores públicos e devem respeitar a lei.
Brasil deve evitar o abraço chinês
O Estado de S. Paulo
A China tenta usar a beligerância de Trump
para atrair o Brasil cada vez mais para sua esfera de influência. Felizmente,
por ora, Lula tem resistido. O País precisa se manter equidistante
A nota do Palácio do Planalto sobre o recente
telefonema entre os presidentes do Brasil, Lula da Silva, e da China, Xi
Jinping, adotou um tom prudente, ao não citar as agressões americanas contra o
País e ao focar apenas nas possibilidades de “parceria estratégica bilateral” e
de novas oportunidades de negócios com os chineses. Mostrou, ao menos no
discurso, que o Brasil, a despeito das inclinações ideológicas do lulopetismo,
não está disposto a correr para os braços da China para se abrigar da
virulência do presidente americano Donald Trump.
O contraste com o comunicado chinês a
respeito do telefonema não poderia ser mais evidente. A nota de Pequim exalta a
intenção brasileira de fortalecer a comunicação e a coordenação com a China em
mecanismos multilaterais como o Brics, de opor-se a atos de intimidação
unilateral e de defender os interesses comuns de todos os países. Ademais,
destacou o apoio chinês ao povo brasileiro na defesa de sua soberania nacional
e de seus legítimos direitos e interesses, uma clara referência às chantagens
de Trump. Ou seja, trata-se de um comunicado com forte caráter político, que na
prática procura retratar o Brasil como um país ansioso por estreitar os laços
com Pequim a fim de responder ao bullying dos
EUA. Tudo isso é obviamente muito conveniente para a China, que tenta ampliar
seu raio de alcance comercial e diplomático na sua guerra particular contra os
EUA.
A beligerância com que Trump tem tratado o
País é útil aos objetivos dos chineses, que há tempos tentam convencer o Brasil
a aderir formalmente à Nova Rota da Seda, projeto por meio do qual a China
busca exercer sua influência global via investimentos de infraestrutura e de
comunicações executados e financiados por empresas e bancos chineses.
Tal alinhamento, por óbvio, não viria sem um
custo geopolítico elevado, e o Brasil, felizmente, tem resistido a essa
armadilha. Apesar das dificuldades impostas por Trump, a economia brasileira
tem porte mais que suficiente para manter sua tradição de equilíbrio e
independência na defesa de valores e interesses sem abrir mão de fazer negócios
com o mundo todo, inclusive a própria China.
Nesse sentido, o discurso do presidente Lula
no lançamento do Plano Brasil Soberano foi bastante sensato, diferentemente do
tom que o petista costuma adotar nesse tipo de situação. No anúncio de medidas
para socorrer os exportadores prejudicados pelo tarifaço norte-americano, Lula
descartou adotar, neste momento, medidas para retaliar os EUA e disse,
reiteradas vezes, que vai investir na melhoria das relações entre os dois
países.
A despeito da evidente má vontade de Trump
para negociar com o Brasil, há a possibilidade de que novos produtos sejam
incluídos na lista de quase 700 exceções ao tarifaço de 50%, como o café. Lula
disse ainda que o País vai procurar novos parceiros comerciais dispostos a
comprar parte de nossa produção. Em outubro, ele pretende ir à Cúpula da
Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), na Malásia, e, em janeiro, à
Índia, acompanhado de centenas de empresários.
Há muito a ser feito para minimizar o impacto
do tarifaço na economia. Além da ajuda imediata aos produtores prejudicados via
crédito, devolução e diferimento de tributos, o Ministério da Agricultura e
Pecuária tem investido na busca de novos mercados para expandir a exportação de
carnes e frango, setor no qual o País tem desempenho promissor e um dos mais
afetados pelas sanções.
Embora Lula não tenha tocado no assunto,
passou da hora também de acertar os últimos detalhes que ainda atravancam o
acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Esse acordo, além de ser do
interesse de todos, ganhou ainda mais relevância num momento de tantas
incertezas.
É importante lembrar que Trump acaba de
estender por mais 90 dias a trégua com Pequim para a vigência do tarifaço, o
que dá uma dimensão dos limites da agressiva política americana perante o
gigante asiático, com quem acumula o maior déficit comercial. Para o Brasil, o
momento é desafiador, mas pede serenidade e equidistância, atributos que
historicamente têm sido a marca de nossas relações internacionais, a despeito
das pressões vindas de todos os lados.
O direito de incomodar
O Estado de S. Paulo
Uma feminista chamou a deputada Erika Hilton
de ‘homem’. Foi o bastante para que Hilton a perseguisse nos tribunais. Que o
STF mande arquivar esse flagrante caso de cerceamento de opinião
O procurador-geral da República, Paulo Gonet,
em boa hora pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento de um
recurso impetrado pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) por meio do qual
a parlamentar requer a reabertura de uma ação penal contra a designer gráfica
Isabella Cêpa. Gonet sustenta o pedido em questões técnicas, mas oxalá seja
aceito pelo ministro Gilmar Mendes, relator do caso, porque o arquivamento,
seja qual for a razão, é a única medida possível para a preservação de um dos
fundamentos mais caros do Estado Democrático de Direito: a liberdade de
expressão.
Em 2020, após a divulgação do resultado das
eleições municipais em São Paulo, quando Erika Hilton foi eleita vereadora,
Isabella Cêpa, que se apresenta como uma “feminista radical”, publicou a
seguinte mensagem em uma rede social: “Decepcionada. Com as eleições dos
vereadores, óbvio. Quer dizer, candidatas verdadeiramente feministas não foram
eleitas. A mulher mais votada é homem”. Foi o que bastou para a sra. Hilton
iniciar uma implacável perseguição judicial contra a designer gráfica.
Movido por representação da então vereadora,
o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) ofereceu denúncia contra Isabella
Cêpa por “crime de transfobia”. E a denúncia, pasme o leitor, foi aceita pela
Justiça paulista. Temendo uma condenação a vários anos de cadeia por ter
publicado um simples desabafo, Isabella Cêpa buscou refúgio no exterior –
consta que ela estaria vivendo em um país do Leste Europeu, onde teria obtido
asilo político –, razão pela qual a ação penal passou para o âmbito federal.
Trazendo sensatez para onde antes só havia
histeria persecutória, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu não
prosseguir com a ação penal, sob a alegação formal de que a legislação
brasileira não tipifica o crime de transfobia. De fato, o texto da designer
gráfica, reproduzido ipsis
litteris acima, pode ser ácido ou mesmo desconfortável para quem
o recebeu, mas não é criminoso. Isabella Cêpa expressou uma opinião política.
Portanto, está amparada pelo artigo 5.º da Constituição, que assegura a todos
os cidadãos a livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato.
Aquela publicação só foi considerada
criminosa pelo MP-SP em razão da confusão criada pelo STF, em 2019, ao
equiparar, por analogia, os crimes de homofobia e transfobia a racismo,
alegando ter havido “omissão legislativa” do Congresso. O resultado disso foi a
abertura de uma zona cinzenta em que livres manifestações de pensamento, mesmo
sem a mais tênue incitação à violência contra a população LGBTQIA+, passaram a
ser passíveis de enquadramento criminal. A ação penal contra Isabella Cêpa cabe
perfeitamente como exemplo dessa brutal insegurança jurídica.
Também é digna de registro a incoerência da
atitude da sra. Hilton. Afinal, trata-se de uma parlamentar que construiu sua
imagem pública na defesa dos direitos humanos e dos primados do Estado
Democrático de Direito, mas que, diante de uma crítica pessoal, feita por uma
mulher que se identifica com uma vertente do feminismo que sobrepõe a condição
biológica feminina a outras questões, não hesitou em recorrer ao aparato
judicial para punir quem apenas fez alusão à sua condição biológica masculina.
Direitos fundamentais não são de gozo restrito a determinados grupos ou causas:
numa democracia digna do nome, são assegurados a todos, inclusive, e sobretudo,
aos que emitem opiniões incômodas.
Não resta dúvida de que a violência contra a
população LGBTQIA+, e em especial contra pessoas trans, é um problema real e
gravíssimo no Brasil. Casos de agressão física ou psicológica, motivados
exclusivamente pela identidade de gênero, devem ser investigados e punidos com
rigor. Mas o Brasil precisa enfrentar o preconceito com políticas públicas
eficazes, educação e diálogo social, e não com interpretações jurídicas que
criam tipos penais por via oblíqua. Confundir violência com opinião, ainda que
formulada em termos pouco amistosos, é punir a liberdade com censura. A
democracia deixa de ser democracia quando um cidadão é privado de dizer coisas
que outros simplesmente se incomodam ao ouvir.
Olimpíada infame
O Estado de S. Paulo
Juízes do Trabalho poderão faltar no serviço,
sem perder salário, para participar de torneio
Juízes e desembargadores da Justiça do
Trabalho dos Estados do Amapá, do Pará e da Bahia participarão da 22.ª
Olimpíada Nacional do Judiciário Federal sem ter descontado nenhum dia de
falta. Diferentemente do que ocorreria com qualquer trabalhador brasileiro, os
magistrados vão receber como se estivessem trabalhando enquanto, na verdade,
participarão de um torneio esportivo com as práticas de atletismo, beach tennis, ciclismo, damas,
dominó, futebol de mesa, futevôlei, natação, pesca, tênis de mesa, tiro ao alvo
e xadrez. Esses dias de integração e lazer de 20 a 26 de setembro se darão em
Foz do Iguaçu, no Paraná, um dos principais cartões-postais do Brasil.
Realizada pela Associação Nacional dos
Servidores do Judiciário Trabalhista (Anastra), essa “olimpíada”, segundo a
entidade, serve para celebrar o esporte e estimular a “união entre os
servidores e magistrados do Judiciário federal”. Como afirma a entidade em seu
site, o torneio é “uma oportunidade única de vivenciar o espírito esportivo e a
camaradagem”. E esses camaradas que, não raro, como mostram reiteradamente
reportagens deste jornal, recebem acima do teto constitucional – hoje de R$
46,3 mil, o salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – foram
incentivados pelas direções de seus tribunais a participarem do torneio.
O Tribunal Regional do Trabalho da 8.ª Região
(TRT-8), que abrange o Pará e o Amapá, informou em seu site que bastava ao
interessado fazer um “requerimento de dispensa de ponto”. Tanto o TRT-8 como o
TRT-5, que fica na Bahia e cujos magistrados também foram estimulados a
participar da “olimpíada”, afirmaram que a ida ao evento não isenta os
magistrados de cumprir com suas obrigações. De acordo com as cortes, o
atendimento não será afetado, seguindo-se a agenda de audiência e sessões. É de
perguntar, porém, como os magistrados darão conta de seu trabalho a milhares de
quilômetros de distância de seus gabinetes e a poucos metros das Cataratas do
Iguaçu.
O que parece importar mesmo, como afirmou o
TRT-5, é que a Olimpíada Nacional do Judiciário Federal promove integração e
“saúde física e mental dos trabalhadores”, como preceitua o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) em uma de suas muitas resoluções. O problema é que parte desse
entretenimento desportivo será custeada, mais uma vez, com o dinheiro do
contribuinte. Afinal, quem não trabalha não recebe salário.
Trata-se de mais um capítulo de caprichos e privilégios da Justiça do Trabalho, agora num evento que escancara uma proximidade entre as direções das cortes e as associações de classe que beira a promiscuidade. Recentemente, a Justiça do Trabalho, que se autointitula a “Justiça social”, mandou construir no Aeroporto de Brasília uma sala vip para que os ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) não fossem incomodados por “pessoas inconvenientes”. Também há poucos dias o TST comprou 30 veículos Lexus, avaliados em quase R$ 350 mil cada, para atender seus 27 ministros. Sala vip, carros de luxo e torneios exclusivos fazem a “Justiça social” mais parecer a “Justiça do deboche”.
Direitos humanos sem base técnica
Correio Braziliense
A reconhecida qualidade técnica do relatório
dos EUA sobre direitos humanos o alçou ao status de referência em tribunais
internacionais. A versão atual, sem base técnica, perde tal importância
Em um novo capítulo da escalada da tensão
entre Brasília e Washington, a diplomacia estadunidense divulga relatório
afirmando que o Brasil vive um momento de "declínio" dos direitos
humanos — conclusão feita a partir de "relatos confiáveis" de
crimes como assassinatos arbitrários e ilegais, torturas, restrições à
liberdade de imprensa e repressão ao debate democrático. Falta embasamento para
as graves acusações, e sobram críticas ao Judiciário e ao Executivo brasileiro,
deixando evidente que o documento tem, na verdade, pretensões políticas.
A interpretação seletiva não é exclusiva à
análise da situação brasileira. Reconhecido internacionalmente por traçar um
cenário técnico sobre o respeito aos direitos humanos pelo mundo, o relatório
elaborado na chamada gestão Trump 2.0 não se presta ao objetivo tradicional.
Perde, portanto, profundidade — tem um quarto do tamanho da edição anterior,
feita no governo Biden — e cai no descrédito.
A leitura da nova avaliação do Departamento
de Estado americano leva, por exemplo, à conclusão de que El Salvador vive um
momento de avanço na garantia dos direitos fundamentais, sem "relatos
confiáveis de violações significativas dos direitos humanos" em 2024 e uma
investida do presidente Nayib Bukele para "identificar e punir autoridades
que cometeram violações". Organizações reconhecidas na área, como a Human
Rights Watch, relatam o contrário.
Menor que o Sergipe, El Salvador, na América
Central, tem a maior taxa de encarceramento do planeta. A política de
tolerância zero adotada por Bukele, um aliado de Trump, é entendida por
especialistas como um regime de exceção que levou mais de 81 mil pessoas à
prisão — sendo 3 mil menores de idade — e funciona à base de detenções sem
mandado, torturas e falta de acesso a advogados, entre outras atrocidades.
Bukele se autointitula o "ditador mais legal do mundo" e recebe
dinheiro da Casa Branca para receber deportados em suas penitenciárias.
Outro desencontro de interpretações tem como
palco a Faixa de Gaza. A constatação de que a população do conclave é vítima de
um genocídio e, consequemente, a pressão pelo fim do crime humanitário crescem
pelo mundo. Mas o relatório americano se limita a apontar que "as organizações
terroristas Hamas e Hezbollah continuam a atacar indiscriminadamente civis
israelenses, violando a lei dos conflitos armados". Em outro trecho, acusa
a África do Sul de cometer genocídio e racismo contra a população branca, uma
das pautas sem fundamento da extrema-direita.
França, Reino Unido e Alemanha também não são
poupados. Lá, a "deterioração" dos direitos humanos se dá sobretudo
em relação a violações na liberdade de expressão, na avaliação da diplomacia
estadunidense. Curiosamente é também no continente europeu onde há importantes
avanços na responsabilização das big techs sobre conteúdos criminosos
publicados nas redes sociais.
Não faltam evidências, portanto, de que os
Estados Unidos fazem um retrato comprometido dos direitos humanos pelo mundo. Sem,
inclusive, olhar para questões internas. Há de se destacar que, no mesmo dia em
que o relatório de viés ideológico foi divulgado, o chefe do Pentágono
compartilhou um vídeo defendendo o fim do voto feminino e homens da Guarda
Nacional desembarcaram em Washington para acabar com a "trágica
emergência de segurança" na capital, que, segundo dados oficiais, tem o
menor índice de criminalidade dos últimos 30 anos.
Para além dos embates políticos potencializados pelo novo documento, há o risco de prejuízos justamente na condução de questões humanitárias. A reconhecida qualidade técnica do relatório o alçou ao status de referência em tribunais internacionais. A versão atual, sem base técnica, perde tal importância. Assim, Trump dá novo golpe no sistema internacional de promoção da cooperação e da paz, a exemplo do movimento de enfraquecimento da OMS orquestrado antes mesmo de assumir a presidência.
Regulamentação protege crianças nas redes
O Povo (CE)
Foi preciso que um jovem de 27 anos, Felipe
Bressanim Pereira, conhecido como Felca, expusesse em um vídeo como crianças e
adolescentes são exploradas nas redes sociais para que a Câmara dos Deputados
retomasse o debate a respeito da regulamentação das big techs.
Em resumo, no vídeo com o título
“Adultização” ele expõe como uma rede de pedófilos atua no compartilhamento e
venda de imagens de crianças, e como alguns pais também ganham dinheiro
explorando os próprios filhos e filhas.
As redes sociais, segundo Felca, também
faturam com essa exposição indevida. Ele explica como os algoritmos de
recomendação passam a enviar cada vez mais conteúdos indevidos ou mesmo
ilegais, bastando um único clique nesse tipo de postagem.
A “moeda” das redes sociais é a quantidade de
cliques obtidos. Quanto maior for o número, maior o lucro das big techs e de
“influenciadores”, sem questionamentos sobre o modo como são alcançados.
O vídeo de Felca, com mais de 50 milhões de
visualizações, provocou um choque na sociedade que, apesar das evidências,
nunca tinha se deparado com uma explanação tão didática e objetiva quanto às
consequências maléficas da falta de uma regulamentação.
Não se trata de censura, como alguns alegam,
mas de impedir que crimes sejam cometidos impunemente. Não é razoável que uma
prática criminosa, punida no mundo real, possa se manifestar abertamente no
ambiente virtual, em nome de uma suposta “liberdade de expressão”. Mas não se
trata de responsabilizar o mensageiro, porém, de criar regras para o uso
adequado das redes sociais, onipresentes no mundo de hoje.
Um bom exemplo de que as redes podem ser
usadas em favor da sociedade, em defesa das boas causas, é o próprio vídeo de
Felca, divulgado em uma delas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deu um bom
indicativo de como a regulamentação pode ser feita, sem a necessidade de
censura. Em julgamento realizado no mês passado, o STF alterou o entendimento
do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Uma das mudanças foi estabelecer para as
plataformas o "dever de cuidado", cabendo a elas a resposabilidade de
retirar, por iniciativa própria, publicações de maior gravidades, como
pornografia infantil, ameaças à democracia, tráfico de pessoas, terrorismos,
incitação ao suicídio, discurso de ódio e crimes contra a mulher.
Frente à grande repercussão do caso, o
presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) fez acordo com
líderes partidários para montar uma comissão sobre o assunto, que terá a tarefa
de elaborar um texto para ir à votação em 30 dias. O foco principal será a
proteção às crianças, tema que une governistas e oposição, por isso mais fácil
de se chegar a um acordo.
É um bom começo.
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