COP30 corre risco de naufragar antes mesmo de começar
O Globo
Países assinam documento
sugerindo transferência do evento se preço de hospedagem em Belém não baixar
(COP30) em Belém, representantes de 25 países
assinaram documento sugerindo a transferência do evento para outro local, se os
preços das hospedagens não baixarem. Eles estão certos. O pior que poderia
acontecer é o cancelamento da presença de nações pobres, afetando o quórum de
decisões. A COP30 acabaria antes de começar.
Cidades que hospedam COPs e outros grandes eventos registram altas de diárias de hotéis e aluguéis de imóveis. Quando a demanda aumenta, os valores sobem. Porém o que está acontecendo em Belém é fora do comum. Adotar um tabelamento seria inaceitável. Mas, em situações em que a lei da oferta e da procura sai de controle, governos podem e devem intervir aumentando a oferta. Nesse caso, isso aconteceria com a transferência de parte do evento para o Rio de Janeiro.
Na quinta-feira, o
presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, reconheceu que há “uma
sensação de revolta, sobretudo por parte dos países em desenvolvimento, que
estão dizendo que não poderão vir à COP por causa dos preços extorsivos que
estão sendo cobrados”. Em alguns casos, o valor da diária foi multiplicado por
dez. Existem estabelecimentos cobrando até US$ 2 mil por noite. Pressionado,
nesta sexta-feira, Corrêa do Lago deu entrevista negando a existência de um
plano B. Se tal plano não existe, deveria ser feito rapidamente.
No começo da semana, o
escritório climático da ONU realizou uma reunião de emergência para discutir a
questão dos preços das acomodações. Nela, países pediram abertamente a mudança
de local. Uma nova reunião foi agendada para 11 de agosto. A Secretaria Extraordinária
da COP30 alega que o plano de acomodação está sendo implementado em fases, “com
prioridade”, nesta etapa, para as delegações que participarão das negociações.
Afirma ainda que estão disponíveis 2.500 quartos com diárias de até US$ 600.
Tais declarações não estão acalmando as autoridades estrangeiras em busca de
vagas.
Em 2023, quando confirmou a
cidade de Belém como sede da COP30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
sabia que a capital paraense, a despeito de suas qualidades, não tinha
condições de infraestrutura para abrigar um evento dessa magnitude. Os governos
federal e estadual até realizaram obras, mas os problemas — em especial a falta
de estrutura hoteleira — não foram solucionados. A falha no planejamento é
evidente. Acomodar cerca de 50 mil visitantes não seria tarefa fácil para a
maioria das cidades brasileiras. Construir hotéis para depois deixá-los vazios
não faria nenhum sentido econômico.
drama é que as alternativas
cogitadas pelo governo, como os dois navios de cruzeiro que oferecerão 6 mil
vagas extras, a utilização de escolas para abrigar agentes da Polícia
Rodoviária Federal e até a possibilidade de usar habitações de um condomínio do
Minha Casa, Minha Vida, não estão conseguindo baixar os preços de diárias em
hotéis e de aluguéis de imóveis próximos ao local do evento.
Também preocupam as obras de
requalificação do aeroporto de Belém. O Rio de Janeiro conta com milhares de
quartos em sua boa estrutura hoteleira. A segunda maior cidade do país seria
uma boa opção. Não resta muito tempo para as autoridades brasileiras avaliarem
melhor os riscos de uma COP30 esvaziada.
Currículos de licenciatura e
pedagogia têm de incluir curso sobre uso de IA
O Globo
Ferramentas de inteligência
artificial estão disseminadas na rede particular. É preciso fazer o mesmo na
pública
Ligado ao Ministério
da Educação (MEC),
o Conselho Nacional de Educação (CNE) prepara-se para indicar a inclusão do
ensino sobre inteligência
artificial (IA) nos currículos de pedagogia e licenciatura. A
intenção é oportuna e precisa ser levada adiante. A área do ensino é uma das
mais promissoras para a adoção da nova tecnologia. Usada de forma adequada,
pode ser uma ferramenta para ajudar professores a atender demandas individuais
de estudantes.
Disseminados em muitas
escolas privadas, os recursos de IA não devem sofrer atrasos para chegar com
força às instituições públicas. É preciso impedir que a tecnologia faça crescer
ainda mais a distância entre a qualidade do ensino das duas redes. O relator do
parecer no CNE sobre a adoção da IA, Celso
Niskier, disse ao GLOBO que o objetivo é ensinar os professores a utilizar os
recursos para que seus alunos aprendam “todas as disciplinas”. A
intenção é que não haja um uso mecânico da tecnologia.
Entre os críticos da adoção
da medida estão os que argumentam ser preciso antes atacar problemas básicos,
como abastecimento de luz e água intermitente em parte dos prédios escolares.
Tal ponto de vista desconhece o que acontece em outros lugares. Países não
esperam atingir 100% de metas previamente determinadas para adotar novos
objetivos. Não faria o menor sentido condenar alunos de redes públicas de
ensino com boa infraestrutura a esperar até que todas as escolas do país
atingissem o mesmo nível. É possível e desejável avançar em várias frentes de
forma simultânea.
O Estado de São Paulo já
adota IA na correção de deveres da casa dos alunos da sua rede, a partir de
gabaritos criados pelos professores. O Rio de Janeiro disponibiliza na rede
estadual tecnologia do grupo Eureka, a Professor IA. Avatares inspirados em professores
reais interagem com os estudantes, tirando dúvidas e fazendo correções. O
governo do Espírito Santo utiliza há quatro anos tecnologia da Letrus na
revisão de redações. Os alunos do ensino médio usam a plataforma para se
preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Embora a onda de adoção de
IA na educação seja positiva, é preciso fazer avaliações detalhadas sobre os
resultados pedagógicos de cada um dos programas. Por estar em evidência, a
sigla pode ser usada por governos como peça de promoção política, sem que os
ganhos de aprendizado sejam relevantes. Na formação de professores e pedagogos,
é também essencial destacar as limitações. Os algoritmos se alimentam de
incontáveis bases de dados e, por vezes, incorporam informações erradas ou com
vieses de toda ordem — de ideologia à religião.
Tais problemas não são
razões para evitar as plataformas. Mas é preciso estar atento. Empregadas para
facilitar a aprendizagem, não para produzir no lugar dos alunos, as ferramentas
de IA podem ser um apoio revolucionário para os educadores e ajudar o Brasil a
acelerar avanços na educação pública.
Trump impõe danos ao mundo e
aos americanos
Folha de S. Paulo
- Na taxação de 15% a 50% sobre produtos
de 69 países, Brasil é o maior impactado por razões ideológicas
- As tarifas, na prática, representam um
imposto sobre o consumo, repassado aos preços pagos pelos americanos numa
economia já enfraquecida
A despeito de certo otimismo
dos mercados financeiros nos últimos meses com as negociações comerciais, na
prática muitos países acabaram por não celebrar acordos com os Estados
Unidos.
Como resposta, Donald Trump dobrou
a aposta em sua política de agressão, impondo tarifas
de 15% a 50% sobre importações de 69 parceiros, com vigência a partir deste
mês de agosto.
A medida reflete a
truculência característica do mandatário, que utiliza o poder econômico
americano de maior mercado consumidor global como arma de pressão geopolítica e
comercial —impondo perdas também aos próprios cidadãos de seu país.
Com raciocínio tosco, o
republicano justifica as tarifas como resposta à falta de reciprocidade nas
transações, apontando déficits dos EUA que atingem cerca de US$ 1 trilhão
anuais. A Casa Branca argumenta que práticas como barreiras não tarifárias,
manipulação cambial e impostos elevados de parceiros prejudicam a indústria
americana.
No caso do Brasil, Trump foi
além da economia ao
atrelar a taxação a questões ideológicas, como críticas ao Judiciário e ao
alinhamento com o Brics. Abre-se um
vale tudo em que qualquer motivo pode ser invocado.
As tarifas, na prática,
representam um imposto sobre o consumo, repassado aos preços pagos pelos
americanos. Estima-se, com elas, arrecadação de até US$ 400 bilhões anuais. A
estratégia fiscal de Trump as combina com cortes de impostos corporativos, visando
equilibrar o já elevado déficit fiscal, enquanto parceiros são pressionados a
negociar acordos bilaterais.
Os riscos são enormes. A
economia dos EUA, já enfraquecida no primeiro semestre deste 2025, enfrenta
ameaças adicionais.
Dados do mercado de trabalho
mostram desaceleração, com aumento do desemprego.
O crescimento da atividade deve recuar para 1% ao ano no segundo semestre,
segundo projeções de mercado. A inflação também
deve subir para até 4% anuais.
É grave também, por óbvio, o
impacto sobre a economia internacional. A incerteza compromete investimentos,
interrompe cadeias de suprimentos e eleva custos, enquanto retaliações
intensificam a guerra
comercial.
Embora a maior
responsabilidade recaia sobre o líder americano, a China tem
papel central na crise, por adotar
políticas mercantilistas. Sua dominância industrial, já na casa de 30% do
total mundial, associada ao insuficiente consumo doméstico e apoiada por
subsídios estatais considerados ilegais também pela União
Europeia, distorce mercados.
Um redesenho dos fluxos
mundiais parece inevitável, e pode se dar inclusive no sentido de reduzir a
influência americana. A longo prazo, é plausível uma redefinição das cadeias
globais de valor, em que nações busquem maior autossuficiência e novos parceiros
comerciais —numa transição a ser marcada por instabilidade e sacrifícios
econômicos.
À direita, El Salvador imita
o chavismo
Folha de S. Paulo
- Nayib Bukele obtém do Legislativo aval
para sucessivas reeleições, enquanto restringe as liberdades civis
- Em 2021, a Corte Suprema já havia
removido o impedimento à reeleição, logo após Bukele substituir
magistrados do tribunal
O autoritarismo é uma
tradição de governos populistas latino-americanos, independentemente da
ideologia professada. Em El Salvador, por exemplo, a trajetória do direitista
Nayib Bukele cada vez mais se aproxima à de Nicolás Maduro, na Venezuela, e à
de Daniel Ortega, na Nicarágua.
A começar pela pretensão de
manter-se no poder indefinidamente. Na quinta (31), a Assembleia Legislativa do
país aprovou emendas constitucionais que permitirão
ao presidente reeleições sem limites. Dos 60 congressistas, apenas os
únicos três da oposição votaram contra.
A afronta à alternância de
poder, mecanismo essencial das democracias liberais, teve início em 2021, no
terceiro ano de seu mandato, quando a Corte Suprema removeu
o impedimento à reeleição imediata para presidente —logo após Bukele
substituir magistrados do tribunal, com aval de uma Assembleia governista.
A medida ora aprovada também
amplia a duração da gestão de cinco para seis anos e elimina o segundo turno
das disputas, além de antecipar o fim do mandato atual de Bukele para alinhar a
eleição presidencial às legislativas e municipais —o que é visto como meio de
fortalecer o Novas Ideias, partido do presidente.
A repressão a opositores, à
imprensa e a organizações de direitos humanos desde a ascensão de Bukele ao
poder, em 2019, igualmente reproduz o autoritarismo de Maduro e Ortega.
Sob a promessa de reduzir a
violência do crime organizado, o populista governa há três anos sob um estado
de exceção. A diminuição na taxa de homicídios foi
acompanhada por prisões em massa realizadas ao arrepio do devido
processo legal, sem contar denúncias de torturas e mortes de encarcerados.
Em paralelo, segundo a
imprensa salvadorenha, Bukele teria firmado acordos sigilosos com o crime
organizado para reduzir índices de assassinatos e roubos.
Certo é que o caudilho caiu
nas graças de Donald Trump, ao oferecer suas penitenciárias a imigrantes
deportados dos Estados Unidos. A boa vontade da Casa Branca com seu modus
operandi talvez exponha o maior contraste entre o governo de El Salvador e os da
Venezuela, Nicarágua e de Cuba.
Outra distância em relação a
tais regimes estaria em sua aprovação por 85,2% da população, aferida por
pesquisa do jornal La Prensa Gráfica —a ser lida com reserva, dado o grau de
repressão vigente. O pendor autocrata de Bukele está exposto em fatos. Mas
ainda assombra sua franqueza ao dizer que não se importa em "ser chamado
de ditador".
Vexame iminente na COP
O Estado de S. Paulo
Países cobram solução para
os problemas de infraestrutura de Belém para sediar a COP-30. O risco é a
conferência do clima se tornar um desastre logístico e político de proporções
amazônicas
Belém do Pará, a cidade que
sediará a conferência sobre mudanças climáticas da ONU, a COP-30, está sob
críticas severas – e todas procedentes. A quase três meses de seu início, um
grupo de 29 negociadores internacionais, incluindo representantes africanos e
de nações desenvolvidas como Canadá e Noruega, respeitadas em matéria
climática, assinou um documento no qual alertam para o óbvio: se os problemas
de hospedagem e falhas de infraestrutura da cidade não forem resolvidos
imediatamente, parte da conferência deveria ser transferida para outro local. A
carta fala em problemas concretos, como hotéis insuficientes e caríssimos,
insegurança, transporte precário e ausência de garantias para que as delegações
participem com conforto e segurança.
Há meses as queixas vêm se
repetindo, sem que o governo de Lula da Silva, a presidência da COP-30 e o
governador Helder Barbalho demonstrem capacidade de reação à altura. Mesmo não
signatários do documento, como China, Alemanha e Reino Unido, têm expressado ao
Brasil e à ONU temores sobre as condições para Belém receber as comitivas
oficiais e representantes da sociedade civil. Três meses atrás, diante da
incerteza do problema básico de hospedagem, maior fator de apreensão, já se
levantava a hipótese de redução drástica das delegações oficiais e
transferência da cúpula de chefes de Estado.
“Não vamos nos mudar”,
garantiu o presidente da COP-30, André Corrêa do Lago, em comentário à
divulgação da carta. Mas a pressão existe e, por ora, a única certeza é a
incerteza se essa convicção vai se confirmar. E mesmo que se consiga aplacar os
temores internacionais, o risco está posto: a primeira conferência no Brasil,
difundida como a “COP da implementação”, corre o risco virar a “COP do vexame”,
e o que poderia ser um marco para o protagonismo do País na agenda climática
global ameaça tornar-se um desastre logístico e político de proporções
amazônicas.
Os maiores receios recaem
sobre representantes de países mais pobres, sobretudo os africanos, além de
movimentos sociais, organizações da sociedade civil e ativistas de todo o
mundo. Com preços escorchantes, são eles os maiores candidatos a ficar de fora,
incluindo os povos indígenas e as comunidades tradicionais da Amazônia. Um tiro
de morte no simbolismo prometido por Lula da Silva ao lançar a candidatura de
Belém, ao desejar levar ao mundo o peso e a experiência da floresta para a luta
climática – e, de quebra, apresentar-se como o salvador do planeta.
Originalmente a ideia tinha
sua lógica, sobretudo para um governo afeito a anúncios grandiosos e adepto
mais à forma do que ao conteúdo: um evento climático às portas da maior
floresta tropical do mundo. Mas, para que desse certo, seria imprescindível uma
grande, ágil e organizada preparação. Foram quase três anos desde quando o
Brasil se candidatou a sediar a COP, tempo suficiente, portanto, para o País
fazer o que era necessário. E se não o fez, não foi por falta de aviso.
Primeiro, já se sabia que
Belém era uma cidade de infraestrutura deficiente, pontilhada de esgoto a céu
aberto e sem quantidade compatível de leitos de hotel para um evento global
desse porte. Segundo, o País se recorda dos embaraçosos problemas na preparação
da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, que entraram para a História pelos
atrasos, superfaturamento e legados não concretizados. Estádios hoje
subutilizados, sistemas de transporte inacabados, obras abandonadas e promessas
esquecidas afligiram o País e macularam nossa imagem internacional. Nas duas
ocasiões, o governo da então presidente Dilma Rousseff garantiu até o fim que
tudo estava sob controle. Não estava.
Diante das súplicas
internacionais e do constrangimento brasileiro, é preciso admitir: a escolha de
Belém foi um erro. Obras, instalações e ampliações previstas, mesmo que
concluídas tardiamente, acabarão ociosas no dia seguinte à COP-30. E quem
bancará a combinação entre extravagância e incompetência são aqueles que mais
sofrerão as consequências das mudanças climáticas debatidas na conferência.
Belém foi escolhida pelo seu simbolismo. Debalde, pois não há simbolismo que
cumpra o que só a eficiência, o planejamento e o respeito ao dinheiro público
podem resolver.
Um raro gesto árabe pela paz
O Estado de S. Paulo
Inédita convergência na Liga
Árabe contra o Hamas abre caminho diplomático promissor. Já os gestos europeus
de reconhecimento incondicional do Estado palestino arriscam premiar o
extremismo
A diplomacia em torno do
conflito entre Israel e os palestinos vive um momento raro. Em meio à
devastação de Gaza, ao endurecimento de Israel e à fragmentação da liderança
palestina, irrompeu uma iniciativa inesperada: uma declaração conjunta de
países árabes recriminando de forma inédita o Hamas, exigindo seu desarmamento
e renúncia ao poder e defendendo uma transição sob supervisão internacional
rumo à retomada do controle civil pela Autoridade Palestina.
Em contraste com os três
“nãos” da Liga Árabe após a derrota da guerra de 1967 – nenhuma paz com Israel,
nenhuma negociação com Israel, nenhum reconhecimento de Israel –, a declaração,
ainda que não reconheça explicitamente Israel, sugere uma articulação viável
para o conflito e para uma solução de dois Estados. A proposta de uma missão
internacional da ONU para administrar temporariamente Gaza aponta a uma
transição, malgrado dura, pragmática.
Diante dessa oportunidade,
espera-se da comunidade internacional clareza e responsabilidade. No entanto, o
que se viu nos últimos dias foi uma corrida simbólica por parte de potências
europeias, como França e Reino Unido, para anunciar um iminente reconhecimento
do Estado da Palestina. Embora envoltas na retórica dos direitos e da paz,
essas promessas soam, na prática, mais como gestos idealistas – se não
demagógicos – do que instrumentos eficazes de diplomacia. Ambas as potências
abrem mão de uma das poucas alavancas diplomáticas que poderiam usar
futuramente numa negociação junto à Autoridade Palestina. Sem qualquer
contrapartida institucional ou de segurança, o gesto corre o risco de premiar a
narrativa do Hamas de que a violência compensa – e de deslegitimar, ainda mais,
os palestinos moderados.
Ao contrário dessas
iniciativas contraproducentes, a declaração árabe aponta para uma estratégia
coerente: desarmar e isolar politicamente o Hamas, responsabilizando-o por sua
atuação criminosa, e construir – com apoio internacional – uma transição que combine
segurança, governança legítima e reconstrução. Um caminho estreito e incerto,
mas que oferece, pela primeira vez em anos, uma possibilidade concreta de
articulação entre os interesses regionais e os valores universais de paz e
autodeterminação.
O sucesso da estratégia,
contudo, depende de quatro frentes interdependentes repletas de dificuldades. A
primeira é a interna palestina: a Autoridade Palestina é corrupta, carece de
legitimidade junto à população e teria dificuldade para assumir Gaza sem
profundas reformas institucionais. A segunda é a governança do próprio
território devastado: dadas a destruição das estruturas civis e a fragilidade
política da Autoridade Palestina, cresce a hipótese de uma tutela internacional
transitória – como a ONU já realizou em Timor-Leste ou Kosovo. Essa
alternativa, embora controversa, talvez seja a única capaz de evitar o colapso
institucional ou a ocupação militar indefinida.
A terceira frente é a
posição de Israel: o atual governo, sustentado por expansionistas radicais,
rejeita a possibilidade de um Estado palestino e do retorno da Autoridade
Palestina a Gaza. Ainda assim, setores mais pragmáticos da sociedade israelense
começam a perceber que não só a permanência do Hamas, mas também o vácuo
institucional que sua saída deixaria, representam uma ameaça existencial a
longo prazo.
A quarta frente é a
cooperação internacional. Os governos árabes, ao adotarem essa nova atitude,
assumem riscos políticos internos significativos. Cabe às potências ocidentais
– em especial EUA e Europa – garantir que essa coragem diplomática seja amparada
técnica, política e financeiramente.
Reconstruir Gaza,
estabilizar a região e viabilizar um Estado palestino são tarefas imensas –
talvez as mais difíceis em uma geração. Mas não há alternativa. A perpetuação
do conflito só alimenta o ciclo de decadência, ressentimento e extremismo, que
ameaça tanto palestinos quanto israelenses. Por isso a iniciativa árabe, embora
embrionária e imperfeita, deve ser entendida como o que é: uma rara janela de
oportunidade. Mas essas janelas, como mostra a experiência, não permanecem
abertas por muito tempo.
Valhacouto de delinquentes
O Estado de S. Paulo
Expulsão de deputado que
ousou defender o Brasil contra Trump mostra no que o PL se tornou
O PL de Valdemar Costa Neto
decidiu expulsar de seus quadros o deputado federal Antonio Carlos Rodrigues
(SP), conhecido como ACR. Isso porque o parlamentar paulista ousou não prestar
vassalagem a Jair Bolsonaro e disse uma obviedade: a sanção imposta pelo
governo dos Estados Unidos, com base na Lei Magnitsky, ao ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes é “o maior absurdo”.
O notório capo do
PL alegou que a pressão de sua grei no Congresso “foi muito grande” para que
ele expulsasse sumariamente um correligionário de longa data, um filiado ao que
eles chamam de “PL raiz”. Sem disfarçar a genuflexão aos pés de Donald Trump,
Valdemar afirmou que “atacar o presidente dos Estados Unidos é uma ignorância
sem tamanho”, comprovando, como se precisasse, que o PL deixou de ser um
partido político digno do nome para servir como agente do que este jornal
designou como a “Internacional Golpista” liderada por Trump. Um vexame.
O caso do PL é pitoresco.
Muito provavelmente, está-se diante de um sequestro no qual é a suposta vítima
quem recebe um vultoso resgate. O que um dia já foi um partido político que, a
despeito de seus problemas, jogava o jogo democrático, deixou-se capturar por
Bolsonaro e seus asseclas em troca de dinheiro, muito dinheiro – mais
especificamente, os bilionários Fundos Partidário e Eleitoral. O PL nunca foi
tão rico até escancarar suas portas para delinquentes que usam a legenda para
atacar as instituições republicanas e emporcalhar a política nacional.
O sr. Valdemar e seus peões
no partido – o qual seguimos designando dessa forma por mera convenção, e não
por merecimento – são tão hipócritas que as justificativas para a expulsão de
ACR seriam só risíveis caso não fossem tão ofensivas à inteligência alheia. Com
a maior caradura, o cacique escreveu, pasme o leitor, que o que o Brasil
precisa “é de diplomacia e de diálogo, não de populismo barato, que só
atrapalha o desenvolvimento da nossa nação”. Esse discurso é tudo o que o
bolsonarismo jamais praticou e nem sequer representa como ideia.
Às raias da pilhéria, é
curioso notar que o mesmo partido político que apregoa dia sim e outro também
seu suposto compromisso com as liberdades democráticas, em particular a
liberdade de expressão, expulsa um parlamentar em pleno exercício do mandato
que nada mais fez, ora vejam, do que exercer o seu direito constitucional de
dizer o que pensa, sem cometer crime algum.
Com didática eloquência,
esse episódio eviscera o ethos do bolsonarismo: não há espaço para
o dissenso, não se tolera o pensamento independente e quem tiver a audácia de
ser ponderado será punido. Ou se se dobra ao líder – seja ele Valdemar,
Bolsonaro ou Trump – ou se está fora. É o culto à obediência cega, tão próprio
dos mesmos regimes populistas de viés autoritário que o sr. Valdemar condena em
sua nota sem-vergonha.
A democracia representativa
requer e o Brasil carece de partidos políticos que defendam princípios e
caminhos para o desenvolvimento do País, e não de legendas de aluguel a serviço
de projetos personalistas e destrutivos, quando não um valhacouto de delinquentes.
Resistir ao tarifaço e
negociar, com soberania
Correio Braziliense
Resistir ao tarifaço e
negociar com soberania não são caminhos excludentes. Pelo contrário, formam uma
única estratégia: firme na defesa dos interesses nacionais, diplomática na
forma, mas inegociável nos princípios
O governo brasileiro
enfrenta uma das mais sérias crises diplomáticas e comerciais das últimas
décadas, deflagrada pela decisão unilateral do presidente Donald Trump de impor
um tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros. Sob o pretexto de "ameaças à
segurança nacional", a medida é, na verdade, um instrumento de coerção
política, direcionado não contra o comércio, mas contra as instituições
brasileiras — em particular, o Supremo Tribunal Federal (STF), acusado
veladamente de perseguir Jair Bolsonaro, aliado pessoal do presidente
norte-americano.
Diante dessa investida, o
Brasil precisa responder com equilíbrio, firmeza e inteligência estratégica. O
ministro Alexandre de Moraes sinalizou corretamente a posição do Judiciário ao
afirmar que o STF "não se envergará a ameaças covardes e infrutíferas".
A mensagem é clara: as decisões judiciais no país não serão moldadas por
pressões externas, especialmente de governos que demonstram desprezo por normas
internacionais e pelo princípio da separação entre os Poderes.
Ao mesmo tempo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, adotou uma linha serena, anunciando medidas de proteção à indústria e ao agronegócio brasileiro sem falar em "retaliação". Longe de ser sinal de fraqueza, essa postura demonstra maturidade institucional e compromisso com uma saída racional, que evite a escalada do conflito. O Brasil não deve reagir com espelhamento, mas com soberania e responsabilidade.
Nesse cenário, ganha peso o
papel do Itamaraty, que precisa mobilizar toda sua capacidade de articulação
internacional. Há espaço para negociar setores específicos atingidos pelas
tarifas, como café, aço e proteínas animais, ao mesmo tempo em que o Brasil
deve buscar respaldo nos fóruns multilaterais — como a Organização Mundial do
Comércio (OMC) — e fortalecer alianças com outros países prejudicados pela
política tarifária agressiva de Trump.
O alerta mais contundente,
no entanto, veio do economista e Nobel Paul Krugman. Em artigo publicado
no The New York Times, Krugman classificou a medida como
"ilegal e politicamente desastrosa". Segundo ele, o uso de tarifas
como instrumento de pressão política fere as próprias leis americanas.
"Nem o advogado mais ardiloso e sem escrúpulos conseguiria justificar uma
sanção baseada em discordância com decisões judiciais de outro país",
escreveu.
Krugman também sublinhou a
ineficácia da tática: os Estados Unidos representam apenas 12% das exportações
brasileiras. "Trump e seus assessores acham mesmo que podem intimidar um
país com mais de 200 milhões de habitantes quando 88% de seu comércio exterior
é com outras nações?", provocou. Para ele, a manobra tarifária é uma
tentativa de chantagem política que revela um delírio de grandeza típico de
líderes autoritários.
Diante desse quadro, a
resposta brasileira deve ser clara: negociar, sim, mas com dignidade; e
resistir sempre que os princípios da soberania e da democracia forem ameaçados.
Resistir ao tarifaço e negociar com soberania não são caminhos excludentes. Pelo
contrário, formam uma única estratégia: firme na defesa dos interesses
nacionais, diplomática na forma, mas inegociável nos princípios. Essa é a
resposta que uma democracia madura oferece diante de agressões disfarçadas de
política comercial.
Supremo faz defesa firme da democracia brasileira
O Povo (CE)
O embate tornou-se assunto
de Estado, que demanda uma resposta firme dos três poderes, e não pode haver
hesitação nem tibieza em opor-se a um ataque de tamanha magnitude à soberania
brasileira
O Supremo Tribunal Federal
(STF) fez uma altiva defesa da instituição, da democracia e da soberania
brasileiras, na reabertura de seus trabalhos, após o recesso de julho. Depois
dos discursos do presidente do STF, Roberto Barroso; do decano da Corte, Gilmar
Mendes; e do relator do processo, Alexandre de Moraes, que julga a tentativa de
golpe de Estado, fica a certeza de que não haverá o recuo no andamento do
processo que julga os participantes da tentativa de golpes de Estado, que
visava impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Barroso lembrou do movimento
golpista de 8 de janeiro de 2023, afirmando que o STF conseguiu evitar
"uma grave erosão democrática" e que a tarefa da Suprema Corte é
"impedir retrocessos e proteger a democracia". Mendes abordou o interesse
das big techs como um dos motivos do ataque à Corte.
Coube a Alexandre de Moraes
fazer o discurso mais veemente. Ele disse que foi usado o "modus
operandi" golpista para sobretaxar o Brasil, em referência ao deputado
Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que trabalha nos Estados Unidos para que o Brasil
sofra sanções.
Moraes chamou de
"organização criminosa" e "pseudopatriotas" brasileiros que
"se encontram foragidos e escondidos" no exterior. Ele também
comparou as ameaças a parentes de ministros do STF a uma "atitude
costumeiramente afeita a milicianos do submundo do crime".
Havia mesmo a necessidade de
uma resposta que não deixasse nenhuma dúvida sobre a interpretação da mensagem
que ela carrega. E a mensagem é: o Brasil é um país soberano, democrático, no
qual as instituições funcionam de forma livre e independente.
Nesse aspecto, sente-se
falta de uma atitude mais vigorosa do Congresso Nacional. Tanto o presidente do
Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), quanto o presidente da Câmara dos
Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), lançaram apenas notas burocráticas
sobre as sanções que os Estados Unidos querem impor ao Brasil.
Alcolumbre escreve: "O
Parlamento brasileiro permanece atento e unido na defesa dos interesses
nacionais, sempre vigilante na proteção das nossas instituições e da soberania
do país".
Hugo Motta fez uma postagem
em rede social, cujo trecho principal é este: "Como país soberano não
podemos apoiar nenhum tipo de sanção por parte de nações estrangeiras dirigida
a membros de qualquer Poder constituído da República".
Mas, até agora, nenhuma
iniciativa concreta. E isso depois de o deputado Eduardo Bolsonaro ter ameaçado
a ambos com sanções, como as que atingiram o ministro Moraes.
O embate tornou-se assunto
de Estado, que demanda resposta firme dos três poderes — e não pode haver
hesitação nem tibieza em opor-se a um ataque de tamanha magnitude à soberania
brasileira.
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