terça-feira, 12 de agosto de 2025

Portas fechadas e diálogo suspenso - Míriam Leitão

O Globo

O cancelamento da agenda do secretário americano com Fernando Haddad mostra que o canal de diálogo com os EUA está fechado e é preciso correr com as medidas de apoio às empresas

Todas as portas do diálogo foram fechadas pelo governo dos Estados Unidos. Numa situação assim, tudo o que o Brasil pode fazer é continuar se mostrando aberto à negociação. Por outro lado, é preciso rapidez com as medidas de mitigação de danos para que as empresas que enfrentam esse tarifaço de frente possam se reorganizar. A economia vai crescer menos, o país perderá exportações e 10 mil empresas serão atingidas. Na inflação, o efeito será de redução da pressão nos preços. O mercado prevê menos PIB e menos inflação.

O ministro Fernando Haddad foi ontem ao Estúdio i, programa da GloboNews comandado pela jornalista Andréia Sadi, e disse que até a conversa marcada com o secretário do Tesouro, Scott Bessent, para a próxima quarta-feira foi desmarcada. Quando a equipe tentou remarcar, ficou claro que simplesmente a conversa fora interrompida. O mesmo Bessent havia considerado em conversa anterior, há três meses, que até os 10% eram inadequados. Haddad contou que quando disse que a taxa era alta para uma região que é deficitária no comércio com os Estados Unidos, o americano respondeu: “você tem um ponto”. Depois disso, a tarifa é elevada para 50% e o secretário nem quer conversar.

Segundo a coluna "Painel" da Folha de S.Paulo, o secretário do Tesouro chegou a mandar o link para a conversa. “Menos de 16 horas depois, Scott Bessent cancelou abruptamente a conversa.” O deputado Eduardo Bolsonaro continua trabalhando para que os Estados Unidos aumentem as sanções contra o Brasil e, em seu post fixado na rede X, pede que seus seguidores agradeçam aos Estados Unidos. Haddad lembrou que para exercer o mandato de deputado, o salário é pago pelos impostos dos brasileiros. Eduardo não exerce o mandato e trabalha para que a economia brasileira seja ainda mais atingida.

O governador Tarcísio de Freitas mantém sua ambiguidade. Não funciona. “Quantas vezes vamos ter reuniões de alto nível no Departamento de Estado? Quantas vezes vamos ter a ligação do presidente brasileiro com o presidente americano? É isso que vai fazer a diferença. Para que a gente mostre e traga os argumentos”, disse ele num evento do agronegócio. É hipocrisia ser de um campo político que trabalha o tempo todo para bloquear o diálogo e exigir que o presidente Lula dialogue. O jogo duplo faz com que a posição do governador não pare em pé. Ele vai tentando mudar o discurso, mas nunca repudiou os atos do filho do ex-presidente. É o mesmo que colocou o boné de Trump ou inventou que Jair Bolsonaro poderia ser o negociador.

No Estúdio i, Haddad falou das medidas que serão anunciadas, explicando que parte delas será de mudanças estruturais, como a melhora do Fundo de Garantia à Exportação, para que todas as empresas, não apenas as grandes, tenham apoio à exportação. Falou também em linhas de crédito subsidiadas, diferimento de tributo e melhora no sistema de quem importa para exportar. Admitiu que muitas empresas, dependendo do produto, não têm como, de imediato, prospectar novos mercados. Como frutas, por exemplo. Nesses casos, seriam atendidas por compras governamentais. A dificuldade está em desenhar um pacote de ajuda a empresas tão diferentes entre si.

— Nós não vamos conseguir colocar na mesma moldura todo mundo, desde o pescado do Ceará até a Embraer, máquinas e equipamentos, o pessoal da manga do São Francisco. Não vai conseguir colocar todo mundo na MP.

É complexo, as situações são distintas, mas as empresas já estão sentindo os efeitos. Há um aumento do custo do frete, ou das horas extras para antecipar produção e envio. Pior, as empresas enfrentam a total incerteza sobre contratos futuros, como mostrou a reportagem de Vinicius Neder de ontem no GLOBO. Por isso, o governo precisa ser mais veloz em suas medidas. Afinal, desde o começo de julho, o governo americano disse que elevaria as tarifas. Como a exigência que fazia era inaceitável, o pior cenário era mesmo o mais provável.

O governo tem que ser mais ágil no anúncio do socorro às empresas e a oposição tem que explicar ao país o que a leva a trabalhar para que a economia seja bombardeada pela maior potência do planeta. Felizmente, o Brasil, por inúmeras razões, já vinha reduzindo o comércio com os Estados Unidos nos últimos dez anos. Caiu de 25% para 12% do nosso comércio internacional. Será inevitável que continue encolhendo depois dessa crise, o pior da história de nossa relação bilateral.

 

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