quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Steven Levitsky, professor de Harvard: "STF agiu absolutamente certo"

Por Israel Medeiros /Correio Braziliense

Autor consagrado e um dos mais respeitados acadêmicos norte-americanos, ele considera que a atuação da Corte tem sido fundamental para garantir a democracia brasileira

Os Estados Unidos poderiam ter evitado o declínio de sua democracia se tivessem feito com o hoje presidente Donald Trump o que o Brasil fez, ao investigar, processar e indiciar o ex-presidente Jair Bolsonaro por participação em uma trama golpista. Esta é a análise do cientista político Steven Levitsky, autor dos best-sellers Como as Democracias Morrem e Como Salvar a Democracia, que elogiou a firme atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) contra movimentos antidemocráticos no Brasil. Para o professor da Universidade Harvard, as instituições precisam se levantar contra o autoritarismo, pois as democracias "não conseguem se defender sozinhas".

"Acho que o (Supremo) tribunal agiu absolutamente certo ao defender a democracia de forma agressiva. As democracias não conseguem se defender sozinhas. Elas não podem ser defendidas passivamente, a distância", pontuou, em um evento, ontem, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília, ao lado do decano do STF, Gilmar Mendes. Levitsky ressaltou, no entanto, que a Corte também concentra um poder inédito, que a coloca entre as mais poderosas do mundo e abre a possibilidade de críticas sobre os limites de sua atuação.

Para Levitsky, se a Justiça dos Estados Unidos tivesse seguido a mesma linha que o STF seguiu no caso de Bolsonaro, a democracia norte-americana não estaria enfraquecida e ameaçada. "A democracia americana, vou ser muito claro, está entrando em colapso. Estamos perdendo nossa democracia. Nos últimos meses, os Estados Unidos deslizaram para um regime de autoritarismo competitivo, no qual existem eleições multipartidárias regulares, mas em que há abuso sistemático por parte do governo incumbente contra a oposição", pontuou.

A perseguição aos oponentes de Trump utilizando aparato do Estado é um sintoma, segundo Levitsky, da fragilidade da democracia dos EUA após alguns meses da gestão do atual presidente. O primeiro semestre da administração do republicano foi marcado por perseguição a imigrantes, cortes de recursos de algumas das principais e mais prestigiadas instituições de ensino norte-americanas — como a própria Universidade Harvard, que teve retenções bilionárias no orçamento por permitir, no passado, protestos de estudantes pró-Palestina — e o desmonte de políticas públicas voltadas às populações mais pobres em nome do corte de gastos.

Ele comparou a situação atual dos EUA com governos autoritários na Venezuela, na Hungria e na Turquia. "Os primeiros meses da administração Trump têm sido mais autoritários que (Hugo) Chávez, (Viktor) Orbán e (Tayyip) Erdogan", criticou.

Resposta eficaz

No sentido oposto, considera que o Brasil deu uma resposta "muito mais eficaz" às investidas de Bolsonaro contra a democracia. "Se tirarmos uma foto do cenário, os Estados Unidos são consideravelmente menos democráticos do que o Brasil. Como isso aconteceu? Nós sabíamos que Donald Trump era uma ameaça", lamentou.

"Nossos principais políticos, juízes de destaque, grandes proprietários de mídia, líderes empresariais e religiosos estão falhando em cumprir sua responsabilidade básica de se levantar e defender as instituições democráticas. Compare isso com o Brasil. A democracia brasileira tem suas falhas, suas deficiências, e a resposta a Bolsonaro foi confusa. Mas muito mais eficaz do que a dos Estados Unidos", comparou.

Levitsky citou como exemplos bem-sucedidos do combate ao autoritarismo no Brasil o inquérito das fake news, cujo relator no STF é o ministro Alexandre de Moraes, e os esforços do Judiciário brasileiro para frear a desinformação no período eleitoral de 2022.

A rapidez da Justiça brasileira em processar os envolvidos na trama golpista, segundo Levitsky, também coloca o Brasil à frente dos EUA. "Onde o sistema judiciário dos Estados Unidos se recusou a responsabilizar Trump por sua tentativa (de golpe, em 2021), o tribunal brasileiro agiu de forma decisiva, rápida e agressiva", analisou.

"Parece muito provável que Bolsonaro seja, de fato, condenado pelo seu ataque (referindo-se à tentativa de ruptura do Estado Democrático de Direito depois das eleições de 2022). Portanto, ao contrário de Trump, é improvável que ele retorne à Presidência. Essa é uma grande diferença, e é uma diferença com consequências. Pode ser uma diferença muito significativa a longo prazo", destacou.

Desconhecimento

Parte da dificuldade dos EUA em lidar com ameaças antidemocráticas, segundo Levitsky, tem a ver com a falta de memória de um período autoritário recente. Diferentemente do Brasil, que esteve sob um regime ditatorial de 1964 a 1985, e de outros países que vivem autocracias até hoje, os EUA se orgulham de serem uma democracia desde o século XVIII. Isso impediu autoridades, na análise do professor, de entender a gravidade das medidas que Trump tem colocado em prática.

"Ao contrário da Argentina, da China, da Coreia do Sul ou da Alemanha, a sociedade norte-americana não tem memória coletiva de autoritarismo. Nunca perdemos nossa democracia. Não temos experiência com isso. A maioria dos norte-americanos — até mesmo pessoas muito instruídas, incluindo ex-presidentes — ainda hoje não entende a ameaça que enfrentamos. Eles ainda acreditam que o autoritarismo, de alguma forma, não pode acontecer na América. Os brasileiros não têm essa ilusão. Isso, acredito, pode explicar por que o establishment brasileiro respondeu muito mais seriamente à ameaça autoritária", explicou.

Antes do evento no IDP, Levitsky esteve com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto. Ambos fizeram questão de posar para fotos ao lado segurando um exemplar de Como as Democracias Morrem, que estuda de que forma a ação de líderes personalistas (Trump é um exemplo) solapa o Estado de Direito.

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