quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Tudo ainda por fazer - Vera Magalhães

O Globo

De crise em crise, projetos se acumulam no Legislativo e carro-chefe de Lula corre riscos

De paralisação em paralisação, a verdade é que 2025 é um ano que ainda não começou no Congresso Nacional. As cenas do motim incivilizado dos bolsonaristas só escancararam o funcionamento precário que já vinha do primeiro semestre e, agora, faz com que haja uma pauta quilométrica e irreal a cobrir até o fim do ano.

A queda de braço entre Executivo e Legislativo para o cumprimento da meta fiscal foi um dos fatores a explicar a inação, mas não o único. Depois, a briga em torno da elevação do IOF para várias operações foi engolfada pelo susto do tarifaço dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros, e aquela discussão também resta inconclusa.

Com uma crise atropelando a outra, vai sobrando pouco tempo para discutir com o rigor necessário o projeto que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física para quem ganha até R$ 5 mil mensais. Era o carro-chefe de Lula para o ano, tratado internamente no governo como marca simbólica do terceiro mandato, assim como foram Bolsa Família, Prouni, cotas e PAC em mandatos anteriores. Agora, o relator Arthur Lira (PP-AL) já diz que a votação da matéria pode ficar para dezembro, mês sabidamente corrido, tomado pela necessidade (não cumprida no ano passado, diga-se) de votar o Orçamento da União.

Antes de o governo passar a vocalizar de forma mais aberta o discurso de que promove, com essa e outras iniciativas, a justiça tributária a que o Congresso resiste, Lira dizia claramente que promoveria profundas mudanças no projeto original do IR, sobretudo na contrapartida à isenção, o aumento da alíquota para quem ganha mais de R$ 50 mil. A resistência à ideia de fazer quem ganha mais pagar mais vem dos mesmos setores que se insurgiram contra a alta do IOF e encontram, sobretudo na Câmara, amparo em vários partidos e frentes parlamentares. Se a discussão continuar pautada pelo clima de “nós contra eles”, de fato a chance de o projeto avançar com a celeridade de que o governo gostaria se reduzirá bastante.

A crise com o governo Trump, que praticamente eclipsou as demais, sem resolvê-las, tirou um pouco do foco a falta de articulação de Lula nas duas Casas, que havia chegado ao ápice nos dias que antecederam o recesso. Não se sabe se o clima melhorou ou apenas se a necessidade de dar uma resposta aos exportadores afetados pela tarifa de 50% dos Estados Unidos fez com que os dois Poderes parassem de trocar acusações diárias.

Com o anúncio de que, finalmente, a Medida Provisória com o pacote de enfrentamento ao tarifaço sai hoje, com ajuda inicial de R$ 30 bilhões aos setores atingidos, os olhos do Parlamento se voltarão forçosamente para ela, com as pressões de praxe pela inclusão de quem ficou de fora e o aumento do escopo da ajuda e, se possível, do valor destinado a ela.

Trata-se de um clássico em momentos de emergência como este: o clamor para que o governo corte gastos e seja rigoroso no cumprimento da meta fiscal sempre dá lugar a pedidos igualmente eloquentes por socorro generoso. Até aqui, Fernando Haddad parece ter tido êxito ao convencer Lula e o resto do governo a circunscrever as medidas principalmente à concessão de crédito subsidiado, condicionando o socorro à manutenção de empregos. Mas o próprio presidente adicionou um “inicial” quando confirmou o valor do pacote em entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo, deixando uma brecha para que venha mais por aí.

Com tanto a administrar, o ano vai escoando pela ampulheta sem que as “entregas” prometidas lá nos primeiros meses tenham saído e com o principal projeto de Lula ficando para trás numa fila que só cresce. Apenas com uma articulação muito afinada, que até aqui não se viu, será possível vencer o atraso e terminar 2025 tendo o que mostrar, com os incêndios apagados.


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