segunda-feira, 8 de setembro de 2025

A patrulha do bem. Por Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Imposto deveria ser tributação de renda, e não prescrição de comportamentos ‘bons’ e ‘saudáveis’

A reforma tributária, que deveria ser uma simplificação da arrecadação no Brasil, favorecendo a produção e o desenvolvimento nacional, desobrigando empresas a prestar obediência a um cipoal de leis, decretos e portarias dos mais diferentes tipos, ganhou uma dimensão fundamentalmente arrecadatória. Procura-se a aumentar a tributação mediante os mais diferentes tipos de subterfúgios, como é o caso do dito Imposto Seletivo. Pior ainda, esse último aparece revestido sob a ideia iluminada de que estaria fazendo o bem às pessoas, procurando impor-lhes um comportamento determinado e, mesmo, formas de pensar. Quem pensar ou se comportar diferentemente seria “desviante” ou “nocivo”, para si mesmo e os outros. Imposto deveria ser tributação de renda, e não prescrição de comportamentos “bons” e “saudáveis”.

Estados democráticos estão fundados na liberdade de ação e de pensamento, baseados na concepção de que tudo que não for prejudicial deve ser permitido, salvo, evidentemente, ataques à ordem pública, à segurança pessoal e patrimonial das pessoas, seus bens e a proteção da família e dos seus.

Não podem as pessoas ser tolhidas por um emaranhado de regras que visam a coibir, favorecer ou desfavorecer certos comportamentos arbitrariamente tidos por “nocivos” ou “maléficos”. A liberdade tem sempre os seus inconvenientes que deveriam ser contidos por uma boa regulamentação, que não afete o exercício da liberdade de escolha.

Em todo caso, considerações de ordem moral e inclusive sanitária são particularmente prejudiciais à sociedade quando procuram impor, via regulamentação estatal, leis proibitivas derivadas de uma concepção do bem, conduzida por um grupo de pessoas. Tudo o que não ponha o Estado em perigo, atentando à segurança dos indivíduos, deveria ser permitido. A sua determinação é negativa, por assim dizer, o da não proibição por princípio, e não a da sua imposição graças a uma noção determinada e particular do bem. Estaríamos aqui diante de uma concepção moral e religiosa, apesar de se apresentar como laica. Tem todos os seus componentes, embora sob disfarces.

O Imposto Seletivo pretende impor uma determinada noção do bem via tributação sobre bebidas alcoólicas, açucaradas, cigarros e qualquer produto que venha a ser considerado como “nocivo” à saúde. Isto apesar de tais atividades empresariais serem constitucionalmente asseguradas, além de pagarem impostos “não seletivos”. Seria uma espécie de bitributação moralmente e religiosamente justificada. Ora, o que é considerado nocivo ou não deveria ser única e exclusivamente fruto da escolha individual, de pessoas livres que sabem o que é melhor para si. No entanto, por intermédio do Imposto “Seletivo”, procura-se obrigar determinados comportamentos, tidos, então, por “virtuosos”. Seus defensores e ideólogos deveriam ser mais bem tidos por “patrulheiros do bem”.

Spinoza, em seu Tratado Teológico-Político, é bastante incisivo a esse respeito, ganhando particular atualidade. Chega ele a escrever que “querer regulamentar tudo por leis é irritar os vícios, e não corrigilos”. O efeito alcançado não é, então, o pretendido, suscitando vontade de maiores transgressões e a não admissão de imposições estatais. Dentre suas consequências, provocando comportamentos não virtuosos, destaquem-se os decorrentes do contrabando, do mercado ilegal, a evasão de impostos, o desemprego em empresas afetadas, e assim por diante. Ou ainda, “o que não se pode proibir, deve-se necessariamente permitir, a despeito do dano que possa resultar”. Pergunta-se ele: “Não há males que têm a sua origem no luxo, na inveja, na bebedeira e coisas semelhantes?”.

Acontece que tais comportamentos são inerentes à natureza humana. As pessoas procuram naturalmente o prazer, a satisfação dos desejos, o atendimento de seus interesses particulares, a sua liberdade de escolha ao atingir os seus objetivos, conforme o que cada um considera como o seu bem. Cabe ao Estado assegurar que não tenham medo nessa busca individual e não prescrever certos comportamentos. Em seus extremos, já vimos como Estados totalitários, comunistas e nazistas, ao levarem a cabo tal projeto, provocaram os maiores horrores, pervertendo a natureza humana.

Spinoza temia que a tentativa de corrigir os vícios levaria o Estado a procurar o controle de pensamentos, coibindo, senão proibindo, a liberdade de expressão, algo extremamente prejudicial às ciências e às artes. Isso já está ocorrendo no Brasil mediante a imposição de determinados pensamentos como corretos e outros não, sob o controle autoritário do politicamente correto e do “despensamento” woke. Pessoas passam a ter medo de expressar suas opiniões sob pena de incorrerem em ações judiciais e em eventuais consequências em penas e punições, isto é, formas jurídicas e policiais de “comportamentos morais”, tidos por “justos” e “saudáveis”. E hoje não faltam patrulheiros politicamente motivados. É o retrocesso das liberdades.

 

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