Valor Econômico
Adesão ao pleito da extrema-direita dá força
aos que pretendem interditar a pauta do Legislativo
Ao encampar a defesa de uma anistia aos
envolvidos na trama golpista que culminou nos ataques do 8 de janeiro de 2023,
o Centrão assume o risco de alimentar o crescente descrédito da população em
relação ao Congresso Nacional.
A adesão ao pleito da extrema-direita dá força aos que pretendem interditar a pauta do Legislativo. Em paralelo, fomenta a “antipolítica”. Abre as portas para uma nova leva de aventureiros nas próximas eleições. A mensagem será de que o crime compensa e haverá salvação, desde que isto interesse a quem manda.
Pode-se até achar uma boa ideia a estratégia
de esvaziar o Congresso nesta semana, enquanto avança no Supremo Tribunal
Federal (STF) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete
réus que compõem o chamado “núcleo crucial” do processo. Não está claro, no
entanto, se ela se deve apenas à incapacidade do governo e da cúpula do
Legislativo de reunir uma maioria para manter os trabalhos legislativos
normalmente ou se o objetivo é justamente esperar a conclusão do julgamento
para que um acordo seja construído.
O fato é que o presidente da Câmara dos
Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), já foi aconselhado a evitar que a
pauta da Casa fique vazia. Interlocutores recomendaram que, diante da tibieza
do Executivo e da radicalização da direita, busque o apoio do mercado e do
setor produtivo para fazer avançar uma pauta voltada a melhorar o ambiente
econômico.
É nesse contexto que avança, por exemplo, a
necessária reforma administrativa. Ou que se pede a retomada de alguns
conceitos da reforma do Imposto de Renda aprovada em 2021 na Câmara e que está
parada no Senado. Entre outros pontos, esta proposta aumenta a faixa de isenção
do IR da pessoa física e reduz o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, mas, em
contrapartida, eleva a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos
Minerais (CFEM) e taxa lucros e dividendos.
Do lado do governo, insiste-se na proposta de
isenção do IR enviada pela atual administração ao Congresso e na PEC da
Segurança. As duas propostas têm maior conexão com o eleitor, embora persistam
as dúvidas quanto às compensações que irão assegurar a neutralidade fiscal da
mudança no IR e se setores da esquerda estão mesmo dispostos a enfrentar um
debate mais amplo para combater a crise de insegurança que atinge toda a
federação.
Sob nova direção, o PT apresenta um roteiro
adicional do que gostaria de aprovar no Parlamento, o qual inclui um plano para
a educação que vise, por exemplo, a ampliação do ensino integral e de programas
para a primeira infância, o fim da jornada 6x1 e a gratuidade das tarifas para
o transporte público. De qualquer forma, ainda que seja necessário discutir o
mérito ou a viabilidade de cada uma dessas ideias, o debate delas tende a ficar
inviabilizado enquanto Centrão e extrema-direita travarem a pauta.
Deve-se notar, porém, que a anistia não
interessa à maioria da população. Segundo pesquisa do Datafolha divulgada há
cerca de um mês, 61% dos entrevistados declararam que não votariam de jeito
nenhum em um candidato para presidente da República que prometesse livrar o
Bolsonaro e seus aliados de qualquer pena ou punição em decorrência da
tentativa de golpe. Em contrapartida, 14% declararam que talvez votariam, ante
19% que votariam com certeza. Não opinaram 6%.
E aqui vale o comentário sobre um trecho do
relatório divulgado pelo Datafolha na ocasião, o qual ajuda a jogar luz sobre a
atuação do governador de São Paulo na manifestação de domingo (7).
“Na análise pelo cenário de intenção de voto
com Tarcísio de Freitas (Republicanos) no lugar de Jair Bolsonaro, observam-se
diferenças de opinião entre os eleitores de Tarcísio, de Ratinho Junior (PSD) e
de Ronaldo Caiado (União)”, diz o texto. “Entre os eleitores do governador de
São Paulo, 40% declararam que votariam em um candidato à Presidência da
República que anistiasse Bolsonaro e aliados (ante 26% entre os eleitores de
Ratinho e 24% entre os eleitores de Caiado), 24% talvez votariam (ante 16%
entre os eleitores de Ratinho e 17% entre os eleitores de Caiado), 33% não
votariam de jeito nenhum (ante 52% entre os eleitores de Ratinho e 52% entre os
eleitores de Caiado) e 4% não opinaram (ante 6% entre os eleitores de Ratinho e
7% entre os eleitores de Caiado).”
Ainda assim, esses dados demonstram que a
anistia é uma bandeira que, em vez de pacificar a sociedade, pode fomentar as
críticas da população à insistência da classe política em tratar de seus
próprios interesses em detrimento dos da nação. Outros exemplos recentes são a
PEC da Blindagem, mudanças na Lei da Ficha Limpa, o ensaio de retrocesso na
autonomia operacional do Banco Central (BC), as seguidas tentativas de
intervenção nas agências reguladoras e o aumento do número de deputados
federais.
A lista tende a crescer. Em breve, é de se
esperar que o Congresso tente aumentar o valor do Fundão Eleitoral que
financiará as campanhas do ano que vem, uma vez que a proposta de lei
orçamentária de 2026 prevê “apenas” R$ 1 bilhão para essa finalidade. Nas
últimas eleições gerais, em 2022, o Fundão contou com R$ 4,9 bilhões. Há no
horizonte, também, a inescapável discussão sobre o volume e a destinação das
emendas parlamentares ao Orçamento.
Esses são desgastes que a classe política vai
querer enfrentar. Mas, o dano potencialmente provocado por uma anistia ainda
pode ser evitado.
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