Correio Braziliense
Centrão volta a articular anistia. Para o
Executivo, a prioridade é evitar um "perdão legislativo" que
desautorize o Supremo e comprometa a governabilidade
A condenação de Jair
Bolsonaro pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) já
projeta seus efeitos jurídicos, políticos e diplomáticos. Pela primeira vez na
história do Brasil, um ex-presidente e quatro oficiais da mais alta patente —
três generais e um almirante — são condenados por tentativa de golpe de
Estado. Bolsonaro recebeu a pena de 27 anos e três meses no julgamento da
tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.
As razões históricas são conhecidas. Desde a Proclamação da República, fruto de um golpe militar, o Brasil viveu dois longos períodos ditatoriais, após a Revolução de 1930 e o golpe de 1964, ambos precedidos por várias tentativas de golpe de Estado. Sucessivas anistias permitiram que os conspiradores obtivessem êxito nos dois casos.
A pena contra Bolsonaro é duríssima: dos 27
anos e três meses, 24 anos e nove meses são de reclusão (ou seja,
pena para crimes que preveem regime fechado). E dois anos e seis
meses de detenção (pena para crimes de regime semiaberto ou aberto). Como a
pena total é superior a oito anos, Bolsonaro terá de começar a cumpri-la
em regime fechado.
Depois do longo voto divergente do ministro
Luiz Fux, na quarta-feira, que encampou as principais teses das defesas de
Bolsonaro e demais réus, houve, ontem, uma aceleração do julgamento, a partir
dos votos da ministra Cármen Lúcia, decana da Turma, e do seu presidente,
ministro Cristiano Zanin. Passou-se imediatamente à definição da dosimetria das
penas e à proclamação do resultado do julgamento, que deveriam ocorrer hoje.
Todos os demais réus da ação penal foram
condenados a penas duríssimas, com exceção do tenente-coronel Mauro Cid, que
fez delação premiada: foi condenado a dois anos de prisão em regime aberto.
Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a
16 anos, um mês e 15 dias de prisão; Almir Garnier, ex-comandante da
Marinha, a 24 anos de prisão; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e
ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, a 24 anos de prisão; Augusto
Heleno, a 21 anos; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, a 19 anos; e
Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, a 26 anos, sendo 24 anos
de reclusão (pena para crimes de regime fechado) e dois anos de detenção
(pena para crimes de regime semiaberto ou aberto), a segunda maior punição.
Quem imagina que se trata de assunto
resolvido, porém, deve pôr as barbas de molho. Esse curto período entre o
julgamento e a execução da pena abre uma janela para a retomada das
articulações para aprovação de uma anistia pelo Congresso, embora todos os
atores políticos saibam que seria inconstitucional, pois o Parlamento não é uma
casa revisora das decisões do Supremo.
Reação política
O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcanti
(RJ), diz ter apoio para pautar uma anistia ampla com adesão de segmentos do
Centrão. Na próxima semana, as pressões para obrigar o presidente da Câmara,
Hugo Motta (Republicanos-PB), a pôr o projeto em votação, recrudescerão. A
palavra de ordem é "pacificação", mas o alvo é reorganizar a base
para 2026, mirando o apoio do ex-presidente, que está inelegível, à candidatura
de Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) à Presidência. O governador de São
Paulo já anunciou a ida ao Congresso na próxima semana, para articular a
aprovação da anistia.
Tarcísio também sabe que a anistia é
inconstitucional, mas, ao mesmo tempo, será uma bandeira eleitoral para
mobilizar o apoio dos aliados de Bolsonaro. Não foi à toa que prometeu indulto
ao ex-presidente como "primeiro ato" de seu eventual governo.
O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva também se deu conta que está em curso um
cerco eleitoral, unidos os partidos de extrema-direita e setores conservadores,
a partir de um arranjo eleitoral em São Paulo, no qual o prefeito Ricardo Nunes
(MDB) disputaria o Palácio dos Bandeirantes e o clã Bolsonaro herdaria a
prefeitura da capital, por meio do vice-prefeito Mello Araujo, um coronel
bolsonarista da Polícia Militar paulista.
A linha de defesa do governo contra a anistia
está organizada no Senado, cujo presidente, Davi Alcolumbre (União-AP),
articula um projeto de redução das penas sem apagar as responsabilidades. Se
prevalecer, esvaziaria a anistia geral. Se fracassar, a Câmara pode impor uma
versão maximalista e tensionar a separação de Poderes, abrindo uma crise de
natureza institucional. O vetor de maior ou menor adesão à anistia é
orçamentário e eleitoral.
O Centrão negocia espaço no Orçamento,
posições eleitorais e uma narrativa moderada. Para o Executivo, a prioridade é
evitar um "perdão legislativo" que desautorize o STF e comprometa a
governabilidade. No plano jurídico, a dosimetria ganha centralidade como sinal
de firmeza diante das pressões do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Entretanto, as penas duríssimas reforçam o apelo emocional do perdão.
No tabuleiro diplomático, a Casa Branca
aumentará a pressão econômica e na opinião pública. A condenação reacendeu
holofotes em Washington. Com a retórica de perseguição, Trump voltou a sair em
defesa de Bolsonaro e já anunciou que haverá novas retaliações.
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