O Globo
Penas aos amotinados de 8 de Janeiro deveriam
ser mais curtas e associadas a processos pedagógicos
Julgamento no Brasil, desfile militar
na China,
navios americanos rondando a Venezuela, projetos de anistia na Câmara, implosão
da compra do Banco Master, investigação sobre os Correios, CPI dos descontos
aos aposentados — tudo acontecendo na mesma semana.
Para descrever esse intenso fluxo, só um
estilo carretel, como o inventado por John dos Passos. Na verdade, houve um
colunista no Brasil que unia todos os fatos da semana numa só crônica: assinava
Van Jafa. Escrevia no Correio da Manhã. Nem ele nem o jornal existem mais.
Escolho o julgamento, apesar do bombardeio
sobre o tema. Minha posição é que tentativas de golpe de Estado devem ser
punidas. No entanto, nem sempre concordo com as características da punição.
Isso me vale constantemente ataques de pessoas com a faca nos dentes. Quanto mais severa a pena, melhor para elas, e quem duvidar disso está colaborando com o inimigo.
Não escrevo sobre inimigos, mas sim sobre
pessoas. Minha ideia, por mais que me insultem, é que as penas aos amotinados
de 8 de Janeiro deveriam ser mais curtas e associadas a processos pedagógicos.
A execução da pena deveria ser realizada com todos os cuidados para que não
houvesse desrespeito aos direitos humanos.
Para isso, e também para o julgamento em
massa, o STF precisaria criar uma estrutura especial à altura do desafio
histórico. Uma preocupação exemplar com os presos políticos não seria uma forma
de aviltar mais ainda a condição dos mais de 850 mil presos comuns?
A justificativa, no entanto, é esta: um
trabalho experimental poderia ser levado para todo o sistema penitenciário.
Isso seria um estímulo para a reforma do sistema. O grande adversário da
humanização dos presídios sempre foi a direita. Ela não hesita em acusar de
cumplicidade com os bandidos qualquer mudança positiva nas cadeias. Assim como
nos acusam de cumplicidade com ela se não nos preocupamos com suas condições.
Grandes órgãos da imprensa internacional
consideram que o julgamento da trama golpista coloca o Brasil como uma espécie
de exemplo. Como um processo semelhante não foi punido nos Estados Unidos,
consideram que o eixo democrático se deslocou do Norte para o Sul.
Do ponto de vista de imagem internacional,
portanto, o quadro é favorável. Mas quem vive aqui dentro pode desejar um pouco
mais. Desde janeiro, ou até antes, a grande questão era a possibilidade de
pacificar o Brasil. Pacificar sem luta política transformaria o país num grande
cemitério. Mas a grande questão é enfraquecer o discurso do ódio, mesmo num
quadro de disputa política.
Creio que isso permite uma discussão mesmo
entre os que acham que tentativas de golpe devam ser punidas. As redes sociais
estão cheias de denúncias que, no mínimo, deveriam ser respondidas.
O momento é tão especial no Brasil que a
defesa de posições se dá num campo minado. Impossível percorrê-lo sem que se
joguem pedras dos dois lados. No entanto é uma questão que, cedo ou tarde,
poderemos discutir. Partindo da premissa de que tentativas de golpe devam ser
reprimidas, qual o caminho para que se faça dessa necessidade simultaneamente
uma forma de aperfeiçoar a democracia e de desarmar os espíritos daqueles que
investem contra ela?
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