Folha de S. Paulo
Voto do ministro ainda pode ter efeito
jurídico, mas reanima bolsonarismo no Congresso
O ministro Luiz Fux condenou
Mauro Cid, ex-lacaio de Jair
Bolsonaro, por tentativa de golpe. Cid estava à toa na vida, promovendo um
golpe. Bolsonaro não sabia que estavam levando a prata da casa
democrática. Inocente,
diz Fux, que não deve perder seu visto ou cartão de crédito americanos.
Os entendidos do direito poderão nos ilustrar sobre aspectos do voto de Fux no julgamento "histórico" de Bolsonaro e camarilha. Não é possível, entretanto, se fazer de desentendido sobre mais esse desdobramento político do que se passa no tribunal. Isto é, a contribuição dos argumentos de Fux para os ânimos bolsonaristas e, quiçá, para a sequência do processo.
Os estudiosos do direito poderiam discutir a
tese de que os réus não poderiam ser julgados pelo STF, que não seria
o foro adequado. Poderiam debater a aceitação do argumento de que teria havido
cerceamento de defesa. Ou esclarecer se Fux teria dito mesmo que apenas poderia
haver julgamento de golpes consumados, uma espécie de crença na vida após a
morte, em termos jurídicos.
Indiscutível é que Fux por muita vez
sustentou a ideia de que Bolsonaro esteve dedicado, por mais de dois anos, a
promover apenas um grande debate sobre as garantias da democracia. Teria sido
assim quanto aos ataques à validade da votação por meio de urnas eletrônicas.
Para lembrar apenas um dos momentos em que
tal arrazoado foi exposto, como no 7 de Setembro de 2021, Bolsonaro disse que
não haveria eleições caso o pleito não se realizasse a seu gosto, entre outras
demonstrações de estima e consideração pela lei, pelo Supremo e pela decência.
Para Fux, Bolsonaro "...tinha o intuito
de buscar a verdade dos fatos sobre o sistema de votação".
Enfim, para deixar de lado a solenidade
sarcástica desta introdução, por ora o saldo do voto de Fux é
dar ânimo político para o bolsonarismo, que em breve vai tentar manter viva
sua insurreição permanente aprovando uma anistia no Congresso.
Há também uma ligeira dúvida sobre possíveis
efeitos jurídicos da peroração amiga de Fux. A depender de parte dos votos de
Cármen Lúcia e de Cristiano Zanin, partes do caso, do julgamento, podem parar
no plenário do Supremo? Entendidos do direito dizem que ainda é improvável. Mas
considerem a possibilidade de rolo.
As teses de Fux servirão de grito de batalha
para o bolsonarismo, nas redes, nos tribunais, no Congresso.
E daí? Haverá muitas batalhas para conter a
insurreição permanente. Reviravoltas sempre são possíveis, de resto, e têm sido
ainda mais recorrentes no Brasil, na política e nos tribunais, desde 2013.
As forças políticas que se opõem a Lula, ao
PT e à esquerda em geral se organizaram em partidos informais fortes e que
sentiram diretamente o gosto do poder sob Bolsonaro. Note-se, claro, que a
organização de tais forças é legítima, assim como sua intenção de chegar ao
poder pela via democrática.
No entanto, não se sabe o quanto de tais
forças estão descontaminadas do bolsonarismo golpista, seu aliado de ontem.
Pelo menos parte dos aliados parlamentares de
parte do agro, do evangelismo político de direita, de um novo empresariado ou
dos militares, além da maioria dos governadores da nova direita, querem anistiar
ou imunizar, "blindar", sem mais, o comando bolsonarista.
Por falar nisso, querem na prática imunidade
para a corporação dos parlamentares, que ficariam mais à vontade de esbulhar o
Estado. O golpe não terminou; há golpes dentro do golpe.
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