O Globo
Bolsonaro tentou minar as instituições e
escalou os ataques à democracia em 2021. E o ministro Fux sabe disso
O ministro Alexandre de Moraes fez um voto em que concatenou eventos e os colocou de uma forma que contou a história recente que o Brasil viveu. O ministro Luiz Fux dividiu os fatos e os mostrou como sem relevância. Assim, com condutas analisadas de maneira asséptica ele absolveu Jair Bolsonaro. Fux teve dois pontos contra ele: a realidade e os seus votos anteriores. Considerou que não houve organização criminosa porque, em sua visão, ela exigiria a união de um grupo com “divisão de tarefas” para praticar “crime continuado” e “a prática reiterada de uma série indeterminada de crimes”. Uma ditadura sempre cometerá uma série indeterminada de crimes de forma constante.
Se existe um grupo que pode ser chamado de
organização criminosa é o que se une para conspirar contra a democracia,
destruir freios e contrapesos, atacar as instituições democráticas e assumir o
poder. Num governo assim, todos os crimes serão liberados: prisão de adversário
político, tortura, censura à imprensa, aposentadoria compulsória de ministros
do Supremo, fechamento do Congresso. E, claro, com divisão de tarefas. A tortura
não será executada pelo presidente, mas por algum capitão, em algum quartel
militar.
O grande problema do voto de Luiz Fux é que
ele não conversa em nada com as decisões anteriores do próprio Fux na mesma
ação penal. Ele considerou que o Supremo Tribunal Federal é totalmente
incompetente para julgar os réus da trama golpista, pelo fato de as pessoas
julgadas não terem prerrogativa de foro. Isso apesar de a decisão do próprio
STF de que permanece a prerrogativa mesmo após a perda do cargo, se os crimes tiverem
sido cometidos em período em que o agente exercia essa função Ele também ignora
que nesse grupo de réus tem um deputado federal. Mas o mais misterioso é
entender por que ele não considerava isso há dois anos quando acompanhou a
turma na condenação de centenas de réus como Aécio Lúcio Costa Pereira. Fux
seguiu integralmente o voto do relator Alexandre de Moraes condenando a 17
anos, o ex-funcionário da Sabesp, que nunca teve prerrogativa de foro.
No segundo julgamento de outro condenado pelo
8 de janeiro, o produtor rural Thiago Mathar, Fux votou com Moraes na pena de
14 anos. Quando a defesa argumentou que o réu é pai e os filhos estavam
sofrendo, Fux foi taxativo. "O que o pai tem que dizer para os filhos dele
que estão sofrendo é o seguinte, que o que ele cometeu foi um atentado de
violação à democracia e não um ato de patriotismo. E assim, as crianças vão
saber o que é ser patriota e o que é ser um anarquista".
O ministro Fux mudou radicalmente de ideia,
sem qualquer explicação. Ao falar de democracia, ele relativizou o conceito e
sua existência no Brasil. Na visão de cientistas políticos, a qualidade do voto
nessa parte foi sofrível. Ele teria “empilhado” algumas citações e com elas
chegou a conclusões erradas. Existem muitas maneiras de enfraquecer a
democracia, e muitos tipos de golpes, e não apenas dois como ele disse: o
clássico e o autogolpe. Seja como for, o Brasil tem uma democracia e, mesmo
imperfeita, é bem diferente do que tivemos no passado.
Por vias muito tortas, num voto que desprezou
os fatos, muito mais longo do que o do relator, o ministro Luiz Fux acabou
confirmando que, sim, o Brasil vive uma democracia e não uma tirania do
Supremo. Por outro lado, ele acabou fortalecendo também todos os ataques à
democracia feitos por seus inimigos confessos, e dando argumentos para ataques
ao país como os feitos pelo presidente dos Estados Unidos.
Fux perderá e será um voto isolado. Bolsonaro
não será absolvido, nem os outros réus que ele beneficiou. O vencedor será o
ministro Alexandre de Moraes porque ele descreve o que vivemos. O ex-presidente
Jair Bolsonaro tentou minar as instituições desde o primeiro dia e iniciou uma
escalada de ataques à democracia em 2021, que teve todos os elementos de um
golpe. O ministro Fux sabe disso, porque viveu a apavorante noite de 6 para 7
de setembro de 2021. Fux era presidente do Supremo, quando os manifestantes
bolsonaristas invadiram a Esplanada, ameaçaram o tribunal e ele teve que pedir
seguranças extras. Temia que houvesse uma invasão da sede do STF por caminhão,
o que provocaria uma implosão do prédio. Em entrevista ao GLOBO, quando deixou
o cargo, Fux fez um bom vaticínio. “A História não vai perdoar aqueles que não
defendem a democracia”.
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