Folha de S. Paulo
Podemos ser um país no qual é inaceitável que
as Forças Armadas intervenham na vida democrática
Há um antes e um depois na história política
brasileira. O país era um antes do dia 11 de setembro de 2025 e se tornou outro
depois da data. Ainda que não exista uma nova Constituição ou uma mudança de
regime, um novo espírito passou a animar a nossa democracia.
Desde a redemocratização, quatro ex-presidentes já foram presos, e dois, impedidos. São cinco de um total de oito presidentes. O número indica que não foi particularmente difícil para o Judiciário e o Congresso brasileiros imporem derrotas a chefes de Estado. Porém, o exato oposto ocorria com as Forças Armadas desde o início da República até o último dia 11 de setembro.
Militares lideram golpes e tentativas de
golpe no Brasil desde 1889 sem nunca
terem sido devidamente responsabilizados, como bem aponta Fabio Victor em
análise na Folha.
Agora, não só foram condenados, como a medida atingiu os mais altos escalões da
hierarquia militar.
Augusto Heleno, Walter
Braga Netto e Paulo
Sérgio Nogueira, generais do Exército com quatro estrelas, e Almir Garnier,
almirante de esquadra, foram sentenciados a mais de 20 anos de prisão.
Para ter um efeito do impacto da condenação,
é preciso lembrar que o Brasil possui apenas 19 generais quatro estrelas na
ativa. As quatro estrelas são reservadas aos integrantes do Exército Brasileiro
que alcançaram o topo da hierarquia. Na Marinha, o número daqueles que ocupam o
topo da carreira é menor ainda, há apenas oito almirantes de esquadra atuantes
hoje.
A condenação dos generais impõe uma derrota
inédita à atuação das Forças Armadas no país. Derrota esta que abre caminho
para um novo capítulo na história brasileira e para uma verdadeira mudança de
cultura política das gerações atuais e futuras.
Se ainda somos o país que menos julgou e
puniu crimes da ditadura na América do Sul, o que deixou o caminho aberto para
uma nova tentativa de golpe apoiada por generais, agora podemos mudar nossa
história e criar um novo consenso social.
Podemos passar a ser um país no qual é
inaceitável que as Forças Armadas tenham o poder de intervir na vida
democrática. Um país no qual militares deixem de intervir em questões de
segurança interna. Um país no qual lideranças que falem
publicamente em repressão e tortura sejam amplamente rechaçadas pela
sociedade, e não menosprezadas.
O Brasil não fez a pior transição democrática
da América do Sul porque tem uma cultura democrática inferior à dos nossos
vizinhos. Argentinos, chilenos e uruguaios não são necessariamente mais justos
ou priorizam mais a memória do que o povo brasileiro.
A grande diferença do Brasil para outros
países que passaram por ditaduras e conseguiram impor limites às ações de
militares foram políticas de Estado. De acordo com a historiadora Marina
Franco, a Argentina não investigou os crimes de Estado cometidos pela ditadura
porque o povo tinha maior consciência sobre o que havia ocorrido. Pelo
contrário, a consciência não existia. Foi apenas depois que o Estado resolveu
investigar e julgar os crimes cometidos na ditadura que houve um novo consenso
social sobre o ocorrido.
Como disse a ministra Cármen Lúcia em uma entrevista coletiva em um domingo de
eleição, a democracia, assim como as rosas, demanda cuidados. Agora, temos uma
nova rosa democrática para cuidar e muitas outras flores que ainda podem
nascer.

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