sábado, 13 de setembro de 2025

O Brasil antes e depois do julgamento do STF. Por Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Podemos ser um país no qual é inaceitável que as Forças Armadas intervenham na vida democrática

Há um antes e um depois na história política brasileira. O país era um antes do dia 11 de setembro de 2025 e se tornou outro depois da data. Ainda que não exista uma nova Constituição ou uma mudança de regime, um novo espírito passou a animar a nossa democracia.

Desde a redemocratização, quatro ex-presidentes já foram presos, e dois, impedidos. São cinco de um total de oito presidentes. O número indica que não foi particularmente difícil para o Judiciário e o Congresso brasileiros imporem derrotas a chefes de Estado. Porém, o exato oposto ocorria com as Forças Armadas desde o início da República até o último dia 11 de setembro.

Militares lideram golpes e tentativas de golpe no Brasil desde 1889 sem nunca terem sido devidamente responsabilizados, como bem aponta Fabio Victor em análise na Folha. Agora, não só foram condenados, como a medida atingiu os mais altos escalões da hierarquia militar.

Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira, generais do Exército com quatro estrelas, e Almir Garnier, almirante de esquadra, foram sentenciados a mais de 20 anos de prisão.

Para ter um efeito do impacto da condenação, é preciso lembrar que o Brasil possui apenas 19 generais quatro estrelas na ativa. As quatro estrelas são reservadas aos integrantes do Exército Brasileiro que alcançaram o topo da hierarquia. Na Marinha, o número daqueles que ocupam o topo da carreira é menor ainda, há apenas oito almirantes de esquadra atuantes hoje.

A condenação dos generais impõe uma derrota inédita à atuação das Forças Armadas no país. Derrota esta que abre caminho para um novo capítulo na história brasileira e para uma verdadeira mudança de cultura política das gerações atuais e futuras.

Se ainda somos o país que menos julgou e puniu crimes da ditadura na América do Sul, o que deixou o caminho aberto para uma nova tentativa de golpe apoiada por generais, agora podemos mudar nossa história e criar um novo consenso social.

Podemos passar a ser um país no qual é inaceitável que as Forças Armadas tenham o poder de intervir na vida democrática. Um país no qual militares deixem de intervir em questões de segurança interna. Um país no qual lideranças que falem publicamente em repressão e tortura sejam amplamente rechaçadas pela sociedade, e não menosprezadas.

O Brasil não fez a pior transição democrática da América do Sul porque tem uma cultura democrática inferior à dos nossos vizinhos. Argentinos, chilenos e uruguaios não são necessariamente mais justos ou priorizam mais a memória do que o povo brasileiro.

A grande diferença do Brasil para outros países que passaram por ditaduras e conseguiram impor limites às ações de militares foram políticas de Estado. De acordo com a historiadora Marina Franco, a Argentina não investigou os crimes de Estado cometidos pela ditadura porque o povo tinha maior consciência sobre o que havia ocorrido. Pelo contrário, a consciência não existia. Foi apenas depois que o Estado resolveu investigar e julgar os crimes cometidos na ditadura que houve um novo consenso social sobre o ocorrido.

Como disse a ministra Cármen Lúcia em uma entrevista coletiva em um domingo de eleição, a democracia, assim como as rosas, demanda cuidados. Agora, temos uma nova rosa democrática para cuidar e muitas outras flores que ainda podem nascer.

 

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