Há método e planejamento no caos de Trump
Por O Globo
Onda de demissões e tentativas de intervir em
braços do Estado segue à risca plano traçado antes da eleição
O segundo mandato de Donald Trump é marcado por sucessivas intervenções da Casa Branca na máquina administrativa, com a demissão de quase 290 mil servidores federais (12% do funcionalismo), desafios a decisões judiciais e avanços do Executivo sobre braços independentes do setor público. Os dois casos mais recentes foram o anúncio da demissão de Lisa Cook, diretora do Federal Reserve (Fed), e de Susan Monarez, recém-nomeada para dirigir o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Ambas discordaram das diretrizes que Trump pretende impor às respectivas agências.
A forma impetuosa e caótica como ele tem
voltado carga a diferentes alvos — da política tarifária aos ovos de galinha —
tem deixado o país perplexo. Mas, como na loucura que Polônio via em Hamlet, há
método nesse caos. De forma à primeira vista errática e desconexa, Trump tem
executado à risca o plano traçado no Projeto 2025, documento formulado pela
conservadora Fundação Heritage como base de seu programa eleitoral. Nos quatro
anos em que ficou fora da Casa Branca, Trump alinhou o Partido Republicano a
seu perfil radical, contando com a colaboração da Heritage. Para evitar perder votos
independentes, em nenhum momento admitiu o elo, mas a influência do Projeto
2025 no governo ficou evidente na nomeação para postos estratégicos. A
principal foi Russ Vought, chefe do Escritório de Administração e Orçamento
(OMB), organismo crítico para o controle da máquina pública, subordinado à
Presidência. Vought é autor de capítulo do Projeto 2025 sustentando que o
Executivo pode acessar recursos das agências governamentais passando por cima
do Congresso, em desafio à Constituição.
Outro colaborador do Projeto 2025 — no
capítulo sobre inteligência — foi John Ratcliffe, nomeado diretor da CIA. Além
disso, o conselheiro sênior do presidente para comércio e indústria, Peter
Navarro, uma espécie de guru de Trump para o comércio internacional, é autor do
trecho do Projeto 2025 que definiu as bases do tarifaço. A secretária de
imprensa do presidente, Karoline Leavitt, aparece em vídeos gravados para
explicar o Projeto 2025. O advogado Brendan Carr, responsável pelo capítulo com
sugestões para a Comissão Federal de Comunicações (FCC), em janeiro assumiu o
comando da própria FCC. Por fim, o economista Stephen Miran, nomeado por Trump
para uma vaga na diretoria do Fed, embora não vinculado formalmente ao
documento, é autor de um estudo justificando os desvarios da política econômica
de Trump.
Num primeiro momento do governo, Elon Musk
conduziu cortes de pessoal à frente do Departamento de Eficiência
Governamental. Com o tempo se afastou de Trump, por concluir que as medidas do
governo trarão mais déficit público e mais inflação. Trump deu de ombros e
continuou a pôr em marcha o desmantelamento sistemático dos braços do Estado
previsto no Projeto 2025. O objetivo implícito é controlar de modo quase
absoluto todas as áreas da administração pública, destruindo o sistema de
freios e contrapesos previsto na Constituição. Os riscos na prestação de
serviços à população são evidentes — vão da saúde pública à independência do
Judiciário. Mas o principal é a ameaça a cada dia mais real que Trump
representa à estabilidade institucional e à democracia americana.
Conversão de imóveis comerciais acelera
revitalização do Centro do Rio
Por O Globo
Lançamentos se esgotam em tempo recorde, e
oferta de moradia se amplia, atestando sucesso do Reviver Centro
É palpável o progresso na reocupação do
Centro do Rio. Pelo menos dois lançamentos de grandes prédios comerciais
transformados em residenciais esgotaram todas as unidades em 24 horas: a antiga
sede da Companhia das Docas e o prédio da Mesbla. Ambos estão enquadrados no
Programa Reviver Centro, criado para reocupar essa região rica em
infraestrutura, mas progressivamente abandonada à medida que a cidade era
estimulada a se expandir em direção à Zona Oeste.
O programa acaba de receber forte impulso com
o projeto de transformar a antiga sede da Caixa Econômica Federal, um prédio de
31 andares, em mais um imóvel residencial com até 1.070 apartamentos. Obras de
retrofit para readequar o uso dos imóveis são a principal iniciativa do Reviver
Centro. De acordo com o arquiteto e urbanista Washington Fajardo, idealizador
do Reviver Centro quando era secretário municipal de planejamento urbano, o
programa já inspira projetos de revitalização em mais de dez capitais.
Uma lição trazida pelo avanço é que as
iniciativas para reocupar centros urbanos precisam ter capacidade de adaptar-se
às circunstâncias. Mesmo com os investimentos trazidos pela Olimpíada de 2016 —
que propiciaram Porto Maravilha, VLT, revitalização da Praça Mauá e o polo
formado por Museu do Amanhã e Museu de Arte do Rio (MAR) —, não se construía um
metro quadrado sequer de moradia na região. Havia, segundo Fajardo, um problema
de oferta, não de demanda. A Prefeitura então desregulamentou a reforma de
prédios, concedeu incentivos fiscais às obras e ofereceu bonificação
construtiva em bairros da Zona Sul e Zona Norte para quem promovesse retrofits
destinados a reocupar o centro. Aí o programa deslanchou.
A importância do aprendizado ficou gravada na
lei do Reviver Centro, que prevê revisões a cada dois anos. De 2021, quando ela
foi aprovada, até julho deste ano, foi emitida licença para 5.236 unidades
habitacionais e 68 não residenciais. Ao todo, aprovou-se uma oferta de
aproximadamente 300 mil metros quadrados, quase tudo em imóveis residenciais. A
multiplicação dos moradores é vital para atrair o comércio, criando um círculo
virtuoso de revitalização. Não é por acaso que o projeto de retrofit do prédio da
Caixa prevê um supermercado no térreo.
Na prática, os projetos são financiados pelo metro quadrado adicional que as construtoras são autorizadas a erguer noutros bairros. Trata-se de ponto de atenção, pois essa permissividade tem trazido problemas a outras áreas da cidade. Também tem crescido a tendência a construir imóveis para aluguel por temporada. É fundamental a prefeitura enfrentar os problemas na revisão do programa. Fajardo sugere beneficiar o construtor de imóveis com mais quartos, negar incentivo para moradia de temporada e exigir que o estatuto do condomínio a vete. Tal ideia, diz ele, deveria ser testada no prédio que subirá no Buraco do Lume. De todo modo, o êxito do Reviver Centro deve ser celebrado. Ele confirma o mantra repetido por Fajardo: “A melhor cidade que existe é a cidade que já existe”.
Saldo comercial cai com o empurrão de tarifas
de Trump
Por Valor Econômico
A redução das vendas brasileiras aos EUA pode
não ser tão drástica nos próximos meses
O saldo comercial brasileiro está em queda
(20% até agosto), e as megatarifas de 50% aplicadas pelos EUA em pouco mais da
metade das exportações vão piorar um pouco mais o resultado, mas não muito. O
déficit com os Estados Unidos subiu para US$ 3,39 bilhões. Houve queda de 18,5%
nas vendas para o mercado americano em agosto, mês em que passou a vigorar a
punição tarifária de Donald Trump. A redução das vendas para os EUA ocorre
depois que houve um novo surto antecipatório de compras por empresas e
importadores americanos. As tarifas "recíprocas" só começaram a ser
aplicadas em meados daquele mês, acrescidas dos 10% já vigentes para todas as
importações. Assim, ainda que as compras preventivas não tenham subido tanto
como ocorreu até março, à espera da taxação, elas fizeram as importações
crescer 10,9% em julho, último dado disponível, para US$ 257,5 bilhões. O
déficit comercial americano atingiu US$ 103 bilhões. As exportações subiram
5,5%.
No ano até julho, as importações americanas
continuaram crescendo, mesmo com tarifas, enquanto as vendas externas seguiram
em passo mais lento. A consultoria Oxford Economics observa que, excluindo-se
as compras de ouro, que voltaram a acelerar, as importações em julho avançaram
3,3%. De qualquer forma, se a tendência se mantiver ao longo do terceiro
trimestre, o setor externo deverá pesar negativamente com mais força no PIB do
período. No primeiro trimestre, foi suficiente para fazer com que a economia
americana tivesse desempenho negativo de 0,2%.
Pelos dados comerciais oficiais americanos,
houve aumento generalizado das importações em julho, espalhadas por todas as
categorias, com exceção de automóveis, nas quais as vendas brasileiras são
irrisórias. Essas compras preventivas tendem a derrubar as importações nos
meses seguintes, o que pode estar acontecendo com boa parte das exportações
brasileiras. Isto é, as antecipações pioraram a queda das vendas no início do
cerco tarifário de 50%. A redução das vendas brasileiras pode não ser tão
drástica nos próximos meses. Mas a investigação contra produtos brasileiros
pela seção 301 ainda pode produzir efeitos muito desfavoráveis ao Brasil.
A balança comercial americana de julho
mostrou aumento generalizado das importações da maioria dos países relevantes,
inclusive do Brasil. Nos setores onde não há avanço da importação americana no
mês, o desempenho de agosto deixa claro o efeito direto da tarifa. É o caso de
aviões, por exemplo. Em julho, os EUA diminuíram suas compras externas em US$
56 milhões no mês e US$ 3,1 bilhões no ano. A estatística inclui não só Embraer,
mas seus concorrentes também.
Em outras categorias de mercadorias que o
Brasil exporta e que aumentaram em julho, o mercado americano já vem se
retraindo. A aquisição americana de celulose subiu em julho, mas caiu no ano.
As vendas brasileiras em agosto foram 22,7% menores que no mesmo mês de 2024.
Algo semelhante ocorreu com o açúcar, do qual o Brasil vendeu 88,4% menos. As
compras do mercado americano do produto caíram US$ 29,5 bilhões no ano até
julho. A mesma coisa ocorreu com os produtos de ferro ou aço, cuja demanda no
destino final reduziu-se em US$ 704 milhões no período. O Brasil vendeu 23,4%
menos em agosto.
Com as carnes, foi possível continuar
exportando aos EUA, ainda que as vendas tenham caído quase na mesma magnitude
do aumento das tarifas, 46,2%. Houve compra antecipada do produto em julho e a
demanda do país ainda cresce. Não é fácil para os importadores americanos
encontrarem substitutos capazes de oferecer imediatamente a quantidade
necessária para o país. Os preços estão sendo repassados aos consumidores,
especialmente na carne moída para hambúrgueres, com aumentos iguais ou
superiores a 40%. O peso semelhante do Brasil nas vendas mundiais de café (o
maior produtor) torna a compra do grão brasileiro incontornável no curto prazo.
A queda de importações americanas totais de café foi suave em julho, de US$
2,866 bilhões para US$ 2,647 bilhões, e, ainda que haja vantagem competitiva de
concorrentes, como Vietnã e Colômbia, que pagam metade da tarifa imposta ao
Brasil, possivelmente não terão a curto prazo volume suficiente disponível para
atender os EUA.
O saldo brasileiro cai por vários motivos e o mais óbvio deles é que, com o tarifaço de Trump, o comércio mundial, que deveria crescer em volume 2,7% antes delas, avançará apenas 0,9%, segundo dados da Organização Mundial do Comércio. A barreira americana às mercadorias brasileiras trará um estrago em divisas e outro, grande, qualitativo, pois foram grandes compradores de bens manufaturados. O risco de saldos menores é o aumento do déficit em conta corrente, que quase dobrou de 1,37% do PIB em julho de 2024 para 3,5% agora. Em um mundo tranquilo, esse déficit não é um grande problema em si, mas é uma fragilidade séria em caso de turbulências, e, com Trump no comando da maior economia do mundo, certamente mais ondas de instabilidade virão.
O pior dos mundos no presidencialismo de
coalizão
Por Folha de S. Paulo
Em federação, PP e União Brasil anunciam sair
do governo Lula, mas preservam ministérios e outros cargos
No gesto da União Progressista, há um significado no que tange a alianças de governo no Brasil; hipertrofia do Congresso cria distorções
A federação União Progressista,
recém-sacramentada pela aliança entre União Brasil e PP, anunciou na semana
passada o desembarque do governo de Luiz Inácio Lula da
Silva e prometeu apoiar uma candidatura contra o petista em 2026.
De fato, é o que se poderia esperar de duas
siglas localizadas mais à direita no espectro partidário brasileiro e que, nos
últimos anos, vêm acumulando força política não só no Congresso
Nacional mas também nos Executivos estaduais e municipais.
Causa espécie, contudo, que as duas
agremiações tenham a desfaçatez de comunicar o divórcio do governo Lula e, ao
mesmo tempo, articular
maneiras de preservar seus indicados em cargos federais, como o
comando de pelo menos dois ministérios e de estatais, além de diversos postos
espalhados no plano regional.
Quem deu a senha para tamanho despudor foi
ninguém menos que Antonio Rueda, presidente do União Brasil e um dos principais
defensores do rompimento —ele definiu que o desembarque seria obrigatório
somente para detentores de mandato, abrindo brechas para a manutenção de
nomeações políticas.
Para além do que possa haver de hipocrisia
estratégica e oportunismo rasteiro no gesto da União Progressista, há também um
significado mais duradouro no que tange ao chamado presidencialismo de coalizão
no Brasil.
Na teoria, o presidencialismo de coalizão foi
o arranjo que permitiu a formação de governos viáveis em um país que se
redemocratizou nos anos 1980 e passou a conviver com uma pletora de legendas
políticas no Congresso, sem que nenhuma delas chegasse perto de ser
majoritária.
De Fernando
Henrique Cardoso (PSDB)
a Michel Temer (MDB), o
Executivo, em maior ou menor grau, compartilhou poder a fim de compor maioria
no Legislativo. À distribuição de cargos e verbas correspondia, como
contrapartida, o apoio em votações e a participação na definição das políticas
públicas dos ministérios.
Esse sistema perdeu boa parte de suas
características na gestão de Jair Bolsonaro (PL). Enfraquecido, o então
presidente cedeu espaço em demasia para os deputados e senadores, sobretudo por
meio das emendas
parlamentares de execução obrigatória.
Fortalecidos com essa nova fonte de recursos,
os congressistas assumiram outra postura diante do Executivo —o que poderia ser
um arranjo aceitável se ele não viesse acompanhado de perda de eficiência da
máquina e redução da responsabilização por eventuais desvios orçamentários.
Agora, o movimento da União Progressista
sinaliza um aprofundamento dessa atitude predatória, em que políticos parecem
enxergar o Estado brasileiro pelas lentes das oportunidades pessoais que possam
desfrutar, sem preocupação com projetos relevantes para o país.
A inversão dessa lógica só ocorrerá com o incremento da prestação de contas e uma divisão mais proporcional do poder.
Memórias amargas de maio de 2006
Por Folha de S. Paulo
Ataque covarde do PCC deixou SP em pânico;
combate necessário a fações não justifica abusos do Estado
STJ julga se danos causados por agentes
públicos já prescreveram ou, por serem graves violações de direitos humanos,
ainda são cabíveis
Entre 12 e 21 de maio de 2006, o estado
de São Paulo viveu
dias de terror sob ataques orquestrados pela facção criminosa Primeiro Comando
da Capital (PCC).
Na véspera do Dia das Mães, a Secretaria de
Administração Penitenciária havia transferido 765 presos para uma unidade de
segurança máxima no interior paulista; entre eles, Marco Willians Herbas
Camacho, o Marcola, considerado o chefe do PCC. A represália foi sangrenta, na
forma de rebeliões em presídios e assassinatos de agentes públicos.
A reação das forças do Estado ao ataque
covarde não se deu sem brutalidade, com possível participação de grupos de
extermínio. Ao todo, calcula-se que 505 civis e 59 agentes públicos foram
mortos no curto período de dez dias. Passados 19 anos, entretanto, não houve
responsabilização pelos excessos cometidos.
Em abril de 2007, a Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo aprovou um projeto de lei por meio do qual se estabeleceu
indenização de R$ 50 mil para as famílias de agentes mortos.
A resposta às mortes de civis, no entanto, não caminhou na mesma velocidade —e, até hoje, famílias buscam reparação por parte do poder público.
Na quinta-feira (4), o Superior Tribunal de
Justiça (STJ)
iniciou o julgamento do caso em que se discute se as ações de indenização por
danos morais e materiais causados por agentes do Estado já prescreveram
ou, por serem
graves violações de direitos humanos, ainda são cabíveis.
O Ministério Público de São Paulo pede à
Justiça indenização e assistência psicológica aos parentes das vítimas da violência promovida
pelas forças de segurança. Antes de o julgamento ser suspenso por pedido de
vista, o relator do caso, ministro Teodoro Silva, votou favoravelmente à
demanda das famílias.
Em 2022, o mesmo tribunal decidiu federalizar
um dos episódios de 2006, conhecido como chacina do Parque Bristol, bairro do
extremo sul de São Paulo, no qual um grupo de cinco amigos foram mortos por
agentes encapuzados com modus operandi similar ao de grupos de extermínio
compostos por policiais militares.
A federalização se deu porque as autoridades
paulistas arquivaram o processo com rapidez, sem a devida investigação dos
fatos.
É deplorável que, após tanto tempo, casos assim permaneçam inconclusos —e que o crime organizado só tenha se expandido no período. O Estado brasileiro ainda busca uma resposta adequada ao poder das facções, que certamente não pode passar por exceder seus poderes legais.
Apagão diplomático em Washington
Por O Estado de S. Paulo
Lula prefere palanque a diplomacia: enquanto
empresários se defendem sozinhos nos Estados Unidos, o governo sabota
negociações e cultiva a crise para inflar sua retórica eleitoral
Na crise com os EUA, ao Brasil falta Estado e
sobra palanque. A audiência pública em Washington sobre as supostas práticas
desleais do Brasil – do Pix à Rua 25 de Março, do etanol ao desmatamento –
expôs de forma gritante esse vácuo. O contraste não poderia ser mais simbólico:
enquanto empresários brasileiros, sem ter a retaguarda de uma embaixadora
inepta, defendiam sozinhos seus interesses diante de um inquérito que pode
justificar novas tarifas já em 2025, a principal figura diplomática do País – o
chanceler de facto do
presidente Lula da Silva, Celso Amorim – celebrava um convescote autoritário em
Pequim.
Não se trata de minimizar a gravidade
singular do caso brasileiro. Donald Trump fez do País o alvo preferencial de
sua cruzada protecionista e ideológica. Misturou demandas comerciais com
chantagens políticas inaceitáveis. O clã Bolsonaro, por sua vez, não hesita em
incentivar essa extorsão para livrar a cara de seu líder, custe o que custar ao
Brasil. A delinquência de ambos é real e grave. Mas nada disso justifica a
omissão deliberada de Lula. Ao contrário: diante de um quadro tão crítico, o
governo tinha obrigação de agir. Mas, na melhor das hipóteses, cruza os braços
e, na pior, gesticula e vocifera provocações gratuitas.
O apagão diplomático não é acidente. É
escolha. Lula evita abrir canais de alto nível porque avalia que o confronto
lhe rende dividendos. Prefere discursos patrioteiros a negociações discretas.
Prefere bonés que exaltam a soberania brasileira a ter um verdadeiro trabalho
de relações públicas em Washington. O cálculo é eleitoral: evocar um Brasil
sitiado pelo “neofascismo” e inflamar a retórica de defesa da Pátria em 2026. É
uma perversão dupla. Primeiro, porque sabota os exportadores brasileiros,
entregues à própria sorte no maior mercado do mundo. Segundo, porque reduz a
diplomacia a ferramenta de campanha, subvertendo o interesse nacional em
performance populista.
A tempestade perfeita foi preparada pelo
comodismo histórico das elites políticas e empresariais, que nunca cultivaram
uma presença consistente nos EUA. Essa complacência crônica foi agravada pela
politização aguda das relações internacionais. Bolsonaro usou Washington como
palco de autoexílio e lobby pessoal; Lula reeditou o erro, com sinais trocados.
Sem canais sólidos e permanentes de comunicação, o Brasil vira presa fácil em
disputas transacionais. Já no governo de Joe Biden as relações com a Casa
Branca estavam atrofiadas. Quando Trump, previsivelmente, empunhou tarifas e
sanções como arma política, o Brasil não tinha defesas institucionais. Mas,
enquanto os empresários correm atrás do tempo perdido, o governo manipula a
crise como combustível político.
Opções existem. Sem abrir mão de
prerrogativas soberanas, seria possível, por exemplo, propor uma comissão
binacional sobre regulação de plataformas, articular lobbies de coalizão com o
setor privado americano ou reduzir ruídos ideológicos, comunicando com clareza
que o Brasil não busca alinhamento automático com Pequim. O histórico
protecionista brasileiro acumulou muita gordura para ser queimada nas
performances transacionais de Trump. Outros países lidaram com tarifaços
oferecendo concessões pragmáticas e narrativas de geração de empregos nos EUA.
O Planalto, ao contrário, joga querosene na fogueira. Ao invés de proteger os
interesses nacionais, o governo cultiva a crise como instrumento de propaganda,
fingindo que nada pode ser feito quando, na verdade, escolhe não fazer nada.
O que está em jogo não é só o futuro das
exportações brasileiras. É a própria credibilidade do País como ator
responsável. Assim como o bolsonarismo escolheu o lobby servil, o lulopetismo
escolhe o confronto midiático. Ambos se apresentam como salvadores da Pátria;
ambos reduzem o patriotismo a slogan. Enquanto isso, a Pátria perde mercados,
prestígio e tempo.
Soberania não é palanque. Não se defendem os
interesses nacionais com bonés ou bravatas, mas com canais abertos, negociações
duras e presença ativa. Seja lá o que o governo Trump faça, o governo Lula
precisa fazer a sua parte – mas hoje faz o contrário.
Tarcísio e o pós-Bolsonaro
Por O Estado de S. Paulo
O cálculo é muito simples: a perspectiva de
poder de Bolsonaro é praticamente nula, enquanto a de Tarcísio é considerável.
E as raposas do Centrão são especialistas nesse tipo de conta
No mesmo dia em que o ex-presidente Jair
Bolsonaro começou a ser julgado sob acusação de tramar contra a democracia, a
cúpula da federação que reúne o União Brasil e o PP, a mais poderosa da Câmara,
informou que havia desembarcado do governo de Lula da Silva. Não dá para
imaginar que a sincronia tenha sido casual, a julgar pelos personagens
envolvidos – como se sabe, não há amadores entre os caciques do União Brasil e
do PP. A anunciada saída da base governista, na prática, significa o início da
campanha eleitoral desse grupo político, cujo candidato dos sonhos para a
Presidência da República é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Único novato entre os veteranos operadores
desse arranjo, Tarcísio cumpriu bem o papel que lhe foi atribuído, expondo-se
ao desgaste de ser o articulador de uma anistia para Bolsonaro. Com isso,
procurou reafirmar sua fidelidade ao padrinho e, assim, reduzir as resistências
que a família do ex-presidente tem em relação à sua eventual candidatura.
Tudo não passa de encenação, claro. Os
roteiristas desse vaudeville certamente
sabem que uma anistia a Bolsonaro será considerada inconstitucional pelo
Supremo Tribunal Federal – que por muito menos derrubou o indulto concedido em
2022 pelo então presidente Bolsonaro ao ex-deputado Daniel Silveira, condenado
por ameaça ao Estado Democrático de Direito. Mas o que importa, para efeito
cênico, é que Tarcísio e seus novos padrinhos aparentem estar empenhados em
salvar a pele de Bolsonaro, angariando, assim, apoio do ex-presidente. Em
outras palavras, estamos em pleno processo de transição para o pós-Bolsonaro,
porque o cálculo é muito simples: a perspectiva de poder de Bolsonaro é
praticamente nula, enquanto a perspectiva de poder de Tarcísio é considerável.
E se tem algo que as raposas felpudas do PP, do União Brasil e de outros
partidos do Centrão sabem fazer é contas.
Dito isso, resta o imponderável. Bolsonaro é
conhecido por levar muito em consideração o que dizem seus seguidores mais
radicais nas redes sociais, que podem não gostar do arranjo que o transforma
num simples cabo eleitoral de Tarcísio ou de qualquer outro que não seja um
Bolsonaro. Ademais, Bolsonaro costuma jogar ao mar quem ousa candidatar-se a
receber seu espólio eleitoral, tratando-o, na prática, como um cadáver
político. Todos os que ousaram discordar ou disputar protagonismo nesse
movimento que leva seu nome foram excomungados por Bolsonaro e seus filhos
incendiários. E nada indica que isso tenha mudado, por ora.
É esse o xadrez que a direita está começando
a jogar neste momento, sabendo que do outro lado do tabuleiro está Bolsonaro,
que joga como um pombo. Uma candidatura construída nessas bases é naturalmente
teratológica, porque não dá para ser democrata e, ao mesmo tempo, ajoelhar no
altar no bolsonarismo. Eis o mêlée que
redefinirá a direita brasileira num cenário sem o seu maior líder. O plano
contempla a estratégia traçada, meses atrás, pelo ex-presidente Michel Temer:
cada um dos governadores presidenciáveis – Tarcísio, Ronaldo Caiado (GO),
Ratinho Junior (PR), Romeu Zema (MG) e Eduardo Leite (RS) – levaria adiante sua
pré-candidatura e, juntos, bancariam um programa liberal único. A definição de
quem, afinal, comandaria a chapa se daria no primeiro semestre de 2026, calendário
pensado providencialmente para afastar e, ao mesmo tempo, preservar Bolsonaro.
Hoje essa liderança converge para Tarcísio de Freitas.
Lamente-se, entretanto, que uma candidatura
que tinha tudo para ser razoável – especialmente ao se opor a um modelo
lulopetista que é fiscalmente insustentável, economicamente estagnante e
institucionalmente corrosivo – esteja sendo construída com bases tão
condenáveis. A estratégia pode até ter sua eficácia eleitoral, mas, sem se
distinguir com clareza e coragem do mal que Bolsonaro representa, o projeto
seguirá maculado pela genuflexão pusilânime a um golpista contumaz.
Trump brinca com fogo
Por O Estado de S. Paulo
Sem clareza estratégica, ação militar contra
Maduro pode aprofundar o abismo venezuelano
A ofensiva do presidente dos EUA, Donald
Trump, contra a Venezuela entrou numa fase de incertezas perigosas. O
deslocamento da maior força naval americana no Caribe em décadas, somado ao
ataque letal contra uma lancha supostamente ligada ao cartel Tren de Aragua,
sinaliza que Washington já não se contenta com sanções ou retórica diplomática,
mas opta por intimidação militar, com implicações regionais que os EUA parecem
não ter mensurado.
Oficialmente, trata-se de uma cruzada contra
o narcotráfico. Mas os meios empregados – destróieres, um submarino nuclear,
fuzileiros prontos para operações anfíbias – superam em muito as exigências de
interdições marítimas. O alvo evidente é o ditador venezuelano, Nicolás Maduro,
rotulado pelos EUA como chefe de cartel narcoterrorista e com recompensa de US$
50 milhões sobre sua cabeça. A linha dura americana, hoje encarnada pelo
secretário de Estado Marco Rubio, aposta que a pressão psicológica pode forçar
deserções no círculo militar chavista. Mas a História aconselha cautela:
sanções devastaram a economia venezuelana sem derrubar o regime, apenas
alimentando o êxodo de milhões e fortalecendo laços com Rússia, China e Irã.
O risco agora é maior. Ao abandonar
protocolos – interceptar, inspecionar e julgar suspeitos –, os EUA abraçam
execuções extrajudiciais em águas internacionais. Esta “guerra naval às drogas”
cria um precedente jurídico frágil e expõe Washington a acusações de violação
da soberania e do devido processo legal. Mais grave: se a intimidação não
produzir fissuras imediatas, a Casa Branca ficará encurralada entre recuar
humilhada ou escalar até cenários de confronto direto – incursões seletivas,
ataques a alvos em terra, até mesmo uma improvável captura de Maduro. Qualquer
dessas opções multiplicaria riscos de insurgência, instabilidade regional e
ondas migratórias.
Há, ademais, contradições internas. Enquanto
Rubio sabota canais diplomáticos, o enviado especial Richard Grenell privilegia
negociações que já renderam libertações de reféns e acordos migratórios. Para a
região, a ambiguidade americana implica o risco de uma América Latina dividida
e incapaz de mediar uma saída negociada.
O paradoxo é que Trump, reeleito sob a
promessa de evitar “guerras sem fim”, pode estar embarcando numa nova aventura
de mudança de regime – em seu próprio hemisfério. Tal operação custaria caro em
recursos, legitimidade e vidas, sem garantia de sucesso. O fantasma do Panamá
em 1989 inspira comparações, mas a Venezuela é um país maior, mais complexo e
mais entrelaçado a redes criminais e potências externas.
A política atual combina espetáculo midiático e improviso estratégico. Se a lógica da dissuasão falhar, restarão só más opções: ou a escalada de um conflito de consequências incalculáveis ou um recuo que revelará a fragilidade da diplomacia dos encouraçados. O interesse dos EUA – e da região – exige algo diferente: uma diplomacia coerente, capaz de usar a alavanca das sanções não para provocar colapso, mas induzir uma transição política gradual e negociada. Sem isso, a ofensiva de Trump corre o risco de transformar a tragédia venezuelana num abismo para todo o continente.
Por Correio Braziliense
A violência praticada não pode ser ignorada,
e ações bem articuladas precisam ser implementadas para garantir a plena
reintegração dos adolescentes e a segurança dos brasileiros
O Brasil vem conquistando avanços em temas
relacionados aos adolescentes, mas ainda há desafios. Um dos pontos nevrálgicos
diz respeito aos jovens responsabilizados pela prática de ato infracional. Em
2012, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) foi
regulamentado para constituir uma política destinada à promoção, proteção
integral e defesa prioritária dessa parcela da população. Porém, a realidade
aponta para a ampla dificuldade encontrada por profissionais ligados a essa
rede, assim como pelas famílias envolvidas. Se a legislação prevê mecanismos de
amparo e de punição, a falta de fiscalização compromete o cumprimento das
medidas, já que, em muitos casos, elas não são seguidas ou aplicadas
corretamente.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por
meio de uma ferramenta digital, organizou informações sobre a situação do
atendimento a adolescentes que cumprem decisões judiciais. O painel contém
dados colhidos durante inspeções que magistrados realizam periodicamente em
unidades do sistema. Segundo os números disponibilizados, referentes a 427
estabelecimentos de internação auditados em setembro e outubro de 2024, havia
10.423 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas no período, sendo 34% com
17 anos.
Ainda conforme o levantamento, de cada 10
unidades, quatro (39%) garantiam mais de 20 horas semanais de estudo, enquanto
37,1% ofereciam entre 16 horas e 20 horas semanais. Ao menos 406 locais
dispunham de assistente social e 403, de psicólogos. O total de agentes
socioeducativos chegava a 18.127, e o Sinase tinha capacidade para atender até
18.406 jovens.
A clareza de dados nacionais é fundamental
para compreender o contexto e os principais problemas que afetam o conjunto do
sistema. Uma das questões é conhecer os fatores que levam os adolescentes a
reincidirem em atos infracionais. Essa análise, no entanto, não se restringe ao
ambiente estrutural oferecido pelo poder público, mas precisa levar em conta o
histórico familiar.
Adolescentes sem referências de acolhimento e
familiares envolvidos em crimes permeiam a trajetória de menores em conflito
com a lei. Essa mediação, porém, dá sinais de que não está sendo realizada com
eficiência pelas organizações responsáveis. Dar um caráter estritamente
policial ou judiciário à infração cometida pelo adolescente não alcança a raiz
do problema.
Os jovens têm que assumir a responsabilidade
sobre qualquer modalidade de contravenção, que, diariamente, causa dor e
prejuízo à população. Estabelecer a recuperação dos adolescentes transgressores
de uma forma que saiam das garras da criminalidade é o objetivo primordial para
beneficiar o país com o fim desse ciclo de infrações. O Estado deve assegurar o
cumprimento das medidas de correção previstas na legislação, assim como
proporcionar condições para a reintegração.
O Brasil carece de iniciativas de cooperação para impedir a repetição no cometimento de delitos por adolescentes, promovendo, assim, maior segurança à sociedade. Escolarização e projetos multidisciplinares são apontados por especialistas como essenciais nesse processo de ressocialização. A violência praticada não pode ser ignorada, e ações bem articuladas precisam ser implementadas para garantir a plena reintegração dos adolescentes e a segurança dos brasileiros.
Atuação do TCE-CE educa e previne no controle
fiscal dos municípios
Por O Povo (CE)
Ao apontar falhas na gestão fiscal de 84
prefeituras cearenses, Tribunal oferece chance de correções, evitando problemas
futuros e fortalecendo confiança da população. Abordagem mostra o órgão
enquanto parceiro, não apenas como fiscal
O recente alerta do Tribunal de Contas do
Estado do Ceará (TCE-CE) a 84 prefeituras sobre anomalias e inconsistências em
suas contas fiscais, referentes ao primeiro semestre de 2025, transcende a
função fiscalizatória para atuar de forma preventiva e educativa. Essa
iniciativa estratégica não se limita a apontar falhas. Oferece aos gestores a
oportunidade de corrigir desvios e impropriedades antes que se convertam em
irregularidades graves, passíveis de sanções e, sobretudo, prejudiciais ao
acesso dos cidadãos a serviços públicos.
Historicamente, a atuação dos tribunais de
contas tem sido vista, muitas vezes, como uma ferramenta de fiscalização
posterior, focada na identificação de fraudes, desvios e má-fé. Embora tal
atribuição seja indispensável à integridade do sistema, o modelo reativo de
fiscalização tende a agir quando o dano ao erário já se consumou.
A abordagem proativa do TCE-CE, por sua vez,
demonstra uma compreensão mais profunda das complexidades inerentes à gestão
pública municipal. Reconhece que, em muitos casos, as falhas não decorrem de
intenções maliciosas, mas de desconhecimento técnico, falta de capacitação
ou ineficiência nos processos administrativos. Ao emitir uma advertência com
caráter orientador, o Tribunal se posiciona como um parceiro na busca pela boa
gestão.
A dimensão preventiva é particularmente
relevante no contexto dos municípios menores, onde a capacidade administrativa
e a disponibilidade de recursos para a contratação de pessoal qualificado podem
ser limitadas. Uma Prefeitura com equipe reduzida pode cometer erros de
preenchimento ou de interpretação de normas fiscais e contábeis sem que isso
configure uma tentativa de desvio de recursos.
Nesse cenário, os relatórios de contas atuam
como guia para a correção de rumos; uma bússola que orienta os gestores a
se manterem na rota da responsabilidade fiscal. Ao enfatizar a importância da
transparência e da estrita conformidade com a legislação, a atuação do Tribunal
contribui diretamente para o fortalecimento da democracia e da confiança
nas instituições públicas.
Quando a sociedade percebe mecanismos de
controle empenhados em garantir a saúde financeira dos municípios, a
credibilidade no sistema aumenta. Uma gestão fiscal equilibrada e transparente
constitui a base para o desenvolvimento local, ao possibilitar investimentos
planejados em áreas cruciais como saúde, educação, infraestrutura e segurança,
atendendo de forma mais eficaz às necessidades da população.
As advertências não devem ser interpretadas
como atestado de que as 84 Prefeituras estão envolvidas em atos ilícitos. Pelo
contrário, ela é a prova concreta de que o sistema de controle pode ser
aperfeiçoado para evitar que deslizes pontuais se transformem em problemas
maiores e mais difíceis de sanar.
O TCE-CE cumpre seu papel de guardião dos
recursos públicos, mas o faz de uma maneira que incentiva a aprendizagem e a
melhoria contínua, em vez de focar na punição. Trata-se de um modelo de
atuação que merece ser replicado, pois demonstra que a prevenção é a maneira
mais eficaz de garantir que o dinheiro do contribuinte seja empregado de forma
responsável e eficiente, beneficiando diretamente as comunidades que mais
dependem de um poder público com finanças sólidas e bem administradas.
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