sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Quem não estiver perplexo, não está informado. Por Andrea Jubé

Valor Econômico

Projetos aprovados na terça e na quarta-feira pelos deputados representam um retrocesso

O descalabro dos últimos acontecimentos na Câmara dos Deputados traz à memória clássicos da poesia marginal que surgiu nos anos de chumbo, como denúncia ou expressão do clima de opressão que marcava o Brasil daquela época. Mais de seis décadas depois, impressiona a atualidade de um poema do escritor e embaixador Francisco Alvim, com título sugestivo: “Disseram na Câmara”.

Os dois versos, reproduzidos a seguir, traduzem os fatos recentes do país com exatidão e economia de palavras:

“Quem não estiver seriamente preocupado e perplexo
Não está bem-informado”.

Pausa para reflexão.

O poema foi escrito entre os anos 60 e 70, a fim de expressar o ambiente de censura, conflito e distanciamento da política dos cidadãos, que ou viviam em conveniente alienação, ou sofreriam perseguição do regime. Uma conjuntura onde democracia, informação e transparência estavam fora do alcance da sociedade.

É o mesmo retrocesso ao qual remontam os projetos aprovados na terça e na quarta-feira pelos deputados, que resgataram a proteção pessoal contra investigações do Poder Judiciário por crimes comuns; e aceleraram a anistia contra os réus condenados pela tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, num movimento para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, e fragilizar a democracia. Na prática, “um tapa na cara do Supremo [Tribunal Federal]”, como declarou a ministra de Relações Instituições, Gleisi Hoffmann, ao Valor.

Outros fatos recentes vêm reforçar o cenário de ruína política e moral do país. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) é chamado a explicar a espantosa execução, a tiros de fuzil, do ex-delegado-geral da Polícia Civil Ruy Ferraz Fontes, conhecido pelo histórico de combate à facção PCC, e que circulava em Praia Grande sem escolta ou proteção do Estado.

Em paralelo, uma megaoperação da Polícia Federal (PF) desarticulou um esquema bilionário pelo qual o PCC utilizava dezenas de fundos de investimento e de fintechs para lavar dinheiro do tráfico de drogas e outros crimes.

Voltando à Câmara, pode-se afirmar que uma parcela dos deputados votou motivada pelo receio das dezenas de investigações em andamento no STF pelo suposto desvio de recursos bilionários de emendas parlamentares. No primeiro turno, 353 deputados votaram para resgatar a obrigatoriedade de autorização prévia da Camara ou do Senado para que o respectivo parlamentar seja processado pela prática de crime comum.

A regra foi extinta em 2001, quando ficou evidente que o espírito de corpo falava mais alto, e nenhum aval era concedido ao Judiciário. Matéria publicada pelo Valor em 25 de agosto mostrou que das 216 solicitações do STF para processar parlamentares, um total de zero foi atendida entre 1988 e 2001 pela Câmara.

No dia 5 de dezembro de 2001, quando a Câmara, sob a presidência do deputado Aécio Neves (PSDB-MG), aprovou o avanço constitucional para extinguir a imunidade parlamentar para crimes comuns, o placar foi bem maior, foram 442 votos favoráveis no segundo turno - 89 a mais que o maior placar da PEC da blindagem.

Ao contrário dessa proposta, que foi apreciada a toque de caixa, a discussão da emenda que derrubou a blindagem estendeu-se por três anos e meio, até ser aprovada e promulgada em 20 de dezembro de 2001. “Toda mudança na Constituição é séria, e deve ser feitas com intuito de ser definitiva”, disse Aécio à coluna. “Toda mudança feita ao sabor de circunstâncias para resolver problemas momentâneos tende a fracassar”, advertiu.

O ex-governador de Minas Gerais votou contra a proposta nos dois turnos, até porque não poderia fazer diferente. Em 2001, quando os deputados aprovaram o fim da blindagem, ele declarou: “A Câmara está dando um passo histórico no resgate da dignidade”. A regra vigorou por 24 anos sem que ninguém a questionasse.

Em paralelo, os deputados do PT ainda tentam explicar porque contrariaram orientação do líder da bancada, Lindbergh Farias (RJ), e entregaram 12 votos para ajudar o Centrão a aprovar a PEC da blindagem. Nos bastidores, circulava que teriam sido prometidas pelo menos 18 adesões de petistas.

Independente do número, o PT saiu chamuscado com a sociedade, porque endossou a proposta, e também com o Centrão, que acha que o partido traiu o espírito de corpo da Casa. Em troca dos votos dos petistas, o bloco conservador acenou com a chance de ajudar a rejeitar o regime de urgência do PL da anistia, o que não se concretizou.

O PT tem um histórico de traumas na relação com o Centrão, principalmente quando recuou de acordos com o bloco. Após dias sob intensa pressão, em 2 de dezembro de 2015, o PT anunciou que votaria pelo prosseguimento do processo contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, no Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar. Horas depois, e no mesmo dia, Cunha assinou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. E o resto é história.

Em suma, quem não estiver preocupado ou perplexo, é porque está alienado.

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