O Estado de S. Paulo
Ou nos valemos da eleição de 2026 para repor o País nos prumos que nunca teve ou praticamos lealmente o sistema presidencial ‘puro’
Jorge Luis Borges, o maravilhoso escritor
argentino, publicou, não me l embro quando, um livrinho intitulado El tamaño de
mi esperanza; hoje, fosse eu macaquear Borges, meu título só poderia ser O
tamanho de minha desesperança.
Mas vamos com calma. Outro dia ouvi de um amigo entusiasmadas referências positivas a avanços no campo da política social. Declínio na mortalidade infantil, melhorias no saneamento básico e por aí afora. Avaliações pontuais, mas considerando quem as fez, senti certo alívio. O problema é que, tendo nascido em Minas, na margem esquerda do rio São Francisco, e leigo no assunto, senti-me espicaçado por uma aguda necessidade de um antídoto. E logo o encontrei num artigo publicado neste espaço pelo economista Roberto Macedo. O que ali encontrei pareceu-me mais do que suficiente para indicar que estamos longe de escapar do fundo do poço. Longe de escapar, repito, do que se tem denominado “armadilha da baixa renda” (que, a meu ver, mereceria a alcunha “armadilha do baixíssimo crescimento”). A título de memória: com nossa pífia renda per capita crescendo 2,5% ao ano, levaremos 28 anos para dobrá-la, ou seja, para permanecermos como um país em média paupérrimo, sem esquecer que essa obscena pobreza é obscenamente distribuída entre as camadas sociais.
Na política, confesso-me incapaz de
identificar algum motivo de otimismo, ainda mais tendo à frente o espectro
macabro do retorno de Lula ou Bolsonaro à Presidência e os desacertos do
Supremo Tribunal Federal (STF), mas, num país tão grande e diversificado como o
nosso, tudo é possível. Dou, pois, um crédito de confiança à mediocridade
(agora agravada pelos desatinos da Casa Branca) e ao destino.
Caros leitores, não nos enganemos. A eleição
de 2026 terá uma importância enorme no futuro de nosso país. Se as urnas
produzirem uma ampla leva de irresponsáveis federais, estaduais e municipais, o
mínimo que devemos prever é, pela primeira vez, nos tornaremos um país de
emigrantes. Mas não cheguemos a tanto; fiquemos na esfera federal.
Deixo de lado o Judiciário, pois em
tribunais, como sabemos, os Iagos sempre predominam sobre as Desdêmonas
(Shakespeare, Otelo).
O ponto a que chegamos é tão baixo que de
reforma política já nem se fala. Quanto ao sistema de governo, décadas atrás, a
maioria dos letrados garantia que o presidencialismo (“puro”, como se diz
atualmente) é o único que se coaduna com nossa formação histórica e nosso
“inconsciente coletivo”. Não só a nossa configuração estrutural, mas também
nossas frágeis almas exigiam “governos fortes”. Corretamente interpretada, esta
expressão sempre significou, de um lado, presidentes com vocação ditatorial e,
do outro, uma massa de desvalidos demasiado frágeis para fazer justiça ao
epíteto de cidadãos, e, acima, camadas em tese poderosas, mas que nunca
almejaram muito mais do que um emprego público.
Do sistema presidencial “puro”, passamos ao
chamado “misto” francês. A voga desta expressão deve-se a dois motivos.
Primeiro, o adjetivo “misto”, que só pode significar coisa boa, justa e
moderada, como a virtude em Aristóteles. Segundo, sua introdução na França em
1958 como exigência do general de Gaulle para encerrar a balbúrdia
“assembleísta” da 4.ª República e pôr fim à guerra de independência da Argélia.
Deu certo, claro, como daria em qualquer país que tivesse uma sequência de
grandes políticos como a França, a partir do general de Gaulle e, não menos
importante, a recuperação e a prosperidade econômica proporcionadas pelo
jorramento de dinheiro aportado à Europa pelos norte-americanos por meio do
Plano Marshall.
Nesse particular, cabem aqui duas curiosas
referências ao caso brasileiro. Primeiro, nosso presidencialismo teve em
diversas ocasiões a dualidade característica do “semi” francês, quero dizer,
presidentes politicamente fortes ofuscam vices fracos, e viceversa; daí ter o
mestre Maurice Duverger caracterizado o sistema de seu país como um regime de
potencial“alternância”, para o caso de as circunstâncias exigirem um
protagonismo mais significativo por parte do vice-presidente. Da mesma forma,
no Brasil, houve ministros da Justiça ou da Economia, ou a própria corporação
militar, sentados no banco de reservas, prontos para qualquer eventualidade.
Desgraçadamente, esses da “reserva” mais
frequentemente se apresentaram para desestabilizar doque para estabilizar e
revitalizar o sistema político. A outra referência imprescindíve lé ade 1961 –
notem bem: apenas três anos após a adoção de tal sistema na França –, a
“coabitação” de um presidente direitista (e abilolado), o sr. Jânio Quadros,
com João Goulart, um vice legitimamente eleito, mas fraco, algo incl in adoà
esquerda e inaceitável pela cúpula militarqu asenos levouà guerra civil.
No espaço restante, eis o que posso dizer: ou
nos valemos da eleição de 2026 para repor o País nos prumos que nunca teve ou
praticamos lealmente o sistema presidencial “puro”, considerando que o advento
do sr. Trump nos EUA é um mero ponto fora da curva.
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