Correio Braziliense
Governador de SP já se coloca
como “herdeiro” do espólio eleitoral de Bolsonaro, ainda que os filhos
legítimos pleiteiem a candidatura de um deles. O ex-presidente continuará sendo
um grande eleitor
Apesar de condenado a 27 anos de prisão por
tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro (PL) continua sendo o eixo da base
eleitoral da oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ao seu
lado, mais duas lideranças convergem para formar um tripé difícil de ser
batido: o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos),
potencial candidato em 2026, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump,
cuja política externa pressiona o governo brasileiro com tarifas de até 50%
sobre exportações e sanções contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
O cenário é sem precedentes. Pela primeira vez, um ex-presidente e generais de alta patente foram condenados por tentativa de golpe, enquanto a Casa Branca intervém diretamente na vida política brasileira. Tarcísio já se coloca como “herdeiro” do espólio eleitoral de Bolsonaro, ainda que os filhos legítimos pleiteiem a candidatura de um deles. Apesar das pressões, Lula, o Senado e mesmo a Câmara (ainda) resistem à ofensiva para aprovação de uma anistia ampla, geral e irrestrita pelo Congresso, que devolva a liberdade e a elegibilidade ao ex-presidente, cada qual com suas razões. Isso significaria perigosa deriva institucional, antes mesmo das eleições.
O fato é que a condenação de Bolsonaro não
encerra de imediato o seu protagonismo na vida política. É uma linha divisória,
cuja consolidação dependerá do resultado das eleições de 2026, ou seja, da
derrota das forças ligadas ao trumpismo e ao bolsonarismo. Ocorre que governo
Lula tem dificuldades para ampliar sua base social e parlamentar em direção ao
centro político, que pode acabar capturado pelas forças conservadoras e de
extrema-direita. O risco de um retrocesso político é real, como se vê nos EUA,
onde Trump retornou ao poder. Maior ainda porque a estratégia de Lula nas
eleições parece reproduzir a frente de esquerda que o levou ao segundo turno
nas eleições de 2018. Mesmo reeleito, o risco de retrocesso permanecerá, porque
a oposição pode vir a ter maioria na Câmara e no Senado, mesmo derrotada na
disputa pela Presidência, um cenário de precária governabilidade.
Em artigo no New York Times, Filipe Campante
e Steven Levitsky, autor de Como as Democracias Morrem, alertaram que os EUA já
vivem um “autoritarismo competitivo”: Trump instrumentaliza agências
governamentais, intimida críticos, desafia a Constituição e fragiliza a
sociedade civil. A experiência mostra que forças antiliberais não jogam limpo:
recorrem à demagogia, à desinformação e até à violência. Como nos anos 1920-30,
quando fascismo e nazismo usaram o rádio para conquistar massas, hoje as novas
tecnologias digitais de comunicação foram apropriadas pela extrema-direita com
mais competência técnica e retórica de fácil assimilação nas redes sociais. Eis
a nova ameaça à democracia.
Algoritmos e avatares
A propósito, o cientista político
ítalo-francês Giuliano da Empoli, em seu mais recente livro, Os Predadores
(2024), oferece uma chave para compreender esse fenômeno, ao descrever o
comportamento de líderes que se alimentam do caos, como Donald Trump, Vladimir
Putin e Viktor Orbán: eles fragilizam a democracia por dentro e sobrevivem da
crise permanente. Essa obra compõe uma trilogia, ao lado do romance O Mago do
Kremlin (2022), que descreve o poder como teatro, encenado por figuras como
Vladislav Surkov, conselheiro de Putin, que manipulam narrativas e corroem a
confiança coletiva, e do ensaio político Os Engenheiros do Caos (2019), no qual
desnuda como atores políticos até então invisíveis, como Steve Bannon, transformaram
algoritmos, fake news e ressentimentos em método político.
No Brasil, Bolsonaro espelhou esse fenômeno,
ao encenar narrativas conspiratórias, quando ele próprio conspirava, e recorrer
à engenharia digital para multiplicar fake news. Seu julgamento revelou que
agiu como um “predador” institucional na Presidência, para corroer a
democracia, como demonstrou o 8 de janeiro de 2023. Entretanto, a condenação de
Bolsonaro não significa encerrar, aqui no Brasil, a marcha do “autoritarismo
competitivo”. Em que pese a segurança das urnas eletrônicas, a inteligência
artificial aplicada às campanhas eleitorais e a surpreendente emergência das
big techs na política externa norte-americana são vetores estratégicos da
disputa política em curso.
Leia ainda: Governadores de direita acenam à base bolsonarista após
julgamento no STF
A experiência eleitoral da Índia, em 2024,
mostrou um salto qualitativo no emprego de inteligência artificial na campanha
eleitoral. Candidatos criaram avatares digitais em dezenas de idiomas, geraram
discursos personalizados e vídeos realistas, ocupando espaços inalcançáveis
pela presença física. Na clonagem política, o líder se multiplica ao infinito e
subverte as fronteiras entre realidade e simulação. No Brasil, nas eleições
passadas, já houve deepfakes em disputas locais, manipulação de áudios e vídeos,
difusão massiva de conteúdos falsos por IA.
Se o bolsonarismo já explorou ao limite
WhatsApp e Telegram para chegar ao poder em 2018, a próxima eleição pode
assistir à multiplicação de clones virtuais de candidatos de extrema-direita
capazes de dialogar com cada eleitor em tom personalizado, em todo o território
nacional, para abordar problemas locais. Nem gravar os candidatos precisarão.
A legislação vigente e a Justiça Eleitoral
não estão preparadas para lidar com isso, ainda mais se a oposição receber ajuda
da Casa Branca e dos algoritmos secretos das bigh techs, devido ao nível de
interferência de Trump na política brasileira. A campanha eleitoral pode se
tornar uma selva digital, na qual engenheiros, magos e predadores encontrarão
na inteligência artificial um instrumento sem precedentes para dominar corações
e mentes. Condenado, porém, Bolsonaro não pode ser um avatar na campanha e
pedir voto para seus candidatos. A lei da inelegibilidade impede esse tipo
protagonismo, mesmo nas formas de holograma ou desenho animado. Mas continuará
sendo um grande eleitor.
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