domingo, 21 de setembro de 2025

Um país pardo. Por Merval Pereira

O Globo

A população brasileira internalizou os critérios administrativos do governo brasileiro, que são ternários no Brasil: branco, preto e pardo.

Feito com base em um mesmo questionário e mesmo desenho amostral, o livro “A cabeça do brasileiro, 20 anos depois”, organizado pelo cientista político Alberto Carlos de Almeida, traz uma revelação importante: o país hoje se vê como pardo. Não aumentou nesses 20 anos a proporção de pessoas que se dizem negras. Diminuiu muito quem se dizia “moreno”, fazendo com que a delimitação das fronteiras de cor e raça fique mais nítida; e, principalmente, aumentou muito quem se diz pardo. A população brasileira internalizou os critérios administrativos do governo brasileiro, que são ternários no Brasil: branco, preto e pardo.

Por quê? A grande maioria justifica pela cor da pele, e em segundo lugar vem “documentos do governo”. O que mudou é resultado de duas pesquisas realizadas de maneira idêntica, separadas por duas décadas. Foram mobilizados vários autores especialistas em suas respectivas áreas para escrever sobre religião, cor e raça, jeitinho e a adesão à lei, (des)igualdade de gênero, liberalismo econômico e segurança pública.

Um debate importante para o qual o livro agrega diz respeito à visão que os brasileiros têm de sua cor e raça, assim como de sua origem. Parte do ideário dominante do movimento negro se realizou, as pessoas passaram a se ver mais como pretas e pardas. No lançamento, Alberto Carlos de Almeida convidou Beatriz Bueno, criadora do movimento da Parditude com mestrado em Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense, pois ela considera que as pessoas pardas que se dizem negras prejudicam essa maioria.

Se o movimento negro pode se dizer vitorioso com essa prevalência na definição pessoal - a pesquisa procura saber o que o entrevistado se considera espontaneamente -, parte dos objetivos não se realizou, pois aqueles que se veem como pretos e pardos consideram que seus antepassados vêm majoritariamente do Brasil e dos indígenas brasileiros. Por exemplo, 80% não mencionam a África como a origem de seus antepassados. Além disso, a ancoragem da cor e raça nos antepassados perdeu importância em 20 anos e ganhou importância a definição dos documentos administrativos do governo.

Em 2022 apenas 11% dos pretos disseram que essa é sua cor por terem antepassados na África, quando essa proporção era de 18% em 2002. Quando a pesquisa avalia por meio de fotos o estereótipo ou preconceito de cor, detectamos, diz Alberto Carlos, que a situação dos brancos piorou, a dos pretos melhorou e a dos pardos ficou estagnada. Esse resultado não foi surpreendente, uma vez que o movimento negro defende os negros e que isso, no Brasil, é sinônimo de pretos, e não inclui os pardos com a mesma ênfase, analisa Alberto Carlos de Almeida.

Os avanços da visão igualitária entre homens e mulheres foram imensos em 20 anos. Essa foi uma das principais mudanças detectadas pelas duas pesquisas. Os brasileiros se tornaram mais liberais quanto à abertura comercial, mas mudaram pouco nas outras duas dimensões do liberalismo. Notamos algo interessante, quando se trata de transportes públicos os brasileiros ficaram mais estatistas, e quando se trata de telefonia, por exemplo, ficaram mais privatistas.

Como há uma crise dos transportes que se acentuou com a pandemia, concluímos que essas visões são muito definidas pelo pragmatismo, analisa Alberto Carlos de Almeida. Já que a abertura comercial permitiu à população ter mais acesso a bens de consumo, então o apoio a isso aumentou. Já que o transporte público majoritariamente operado por empresas privadas piorou, então os brasileiros passaram a defender que o governo atue para melhorá-lo. Já que a telefonia privada fez com que os serviços melhorassem, então aumentou o apoio ao mercado fornecendo esse serviço. É uma conclusão óbvia com certeza, mas agora fundamentada em dados. Isso indica que, de um modo geral, a população não é dogmática.


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